Eles conseguiram. A família de políticos profissionais formada pelo sobrenome Bolsonaro – pai & filhos – tanto tentou que obteve feito raro em milênios: esgotar a paciência chinesa. A gota d’água partiu de Eduardo, deputado federal por São Paulo, que, sem mais o que fazer, resolveu esquentar o diálogo internacional. Por meio de uma rede social, o parlamentar pelo PSL escreveu que “o governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”. O texto caiu como bomba no Itamaraty – pelo menos para os inúmeros quadros sérios do órgão, a despeito de seu comando ideológico desde 2019. A resposta chinesa, vinda diretamente de Pequim foi, incisiva. “As palavras do filho do presidente ameaçam as relações comerciais entre Brasil e China”, dizia a nota enviada ao chanceler Ernesto Araújo. Quem conhece minimamente a linguagem do mundo diplomático sabe que poucas vezes um Estado se dirige assim a outro. É o equivalente a colocar o dedo na cara.

Ao insinuar que a China seria responsável por espionar cidadãos do mundo todo por meio de sua estrutura de telecomunicações, Eduardo se aproximou do discurso populista de Donald Trump, que perdeu a chance de ser reconduzido ao posto de presidente dos Estados Unidos a partir de janeiro. Para especialistas em relações internacionais, a fala infeliz do filho Zero Três de Jair Bolsonaro ignora a pequenez do Brasil em uma disputa com a China – que, além de tudo, é o maior parceiro comercial do Brasil. Para Carlos Alberto Chagas, professor de relações internacionais com foco no continente asiático da Universidade de Brasília (UnB), a fala não foi infeliz. Foi estúpida. “Não há outra palavra”, disse.

Eduardo Bolsonaro, que preside a Comissão de Assuntos Internacionais na Câmara, até tentou contornar a situação, mas a emenda saiu pior do que o soneto. Após apagar o post em que criticava o país, o parlamentar defendeu que a falta de liberdade na China é notória e usou a palavra “comunismo” como uma ameaça real ao mundo moderno. Piorou. O que o parlamentar detonou ameaça um ambiente que ele desconhece: o setor produtivo.

SEM ACORDO Após Jair Bolsonaro insinuar que alguns países defendem o meio ambiente e compram madeira ilegal do Brasil, a chanceler alemã Angela Merkel subiu o tom do discurso sobre acordos comerciais. (Crédito:Hannibal Hanschke)

E o primeiro deles foi o setor agrícola. As explicações dadas para tentar se retratar com parte da bancada ruralista não colaram. No final da tarde de quarta-feira (25), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu requerimento para afastamento imediato de Eduardo da presidência da Comissão de Relações Exteriores da Casa. A fala de Eduardo aconteceu, coincidentemente ou não, no dia em que Xi Jinping, presidente da China, parabenizou Joe Biden por conquistar a cadeira de presidente dos Estados Unidos. Segundo o líder chinês, esse novo momento da política norte-americana resultará em uma reaproximação entre os dois países.

NÓ AMBIENTAL E se a relação com a China não vai bem, as bravatas antiambientais do governo brasileiro também criam um clima nebuloso sobre as relações comerciais entre o País e a União Europeia – com resultados previsíveis para a economia e os negócios. Depois de tentar saídas diplomáticas para a desastrosa política de exploração comercial de áreas nativas da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, os 27 países do bloco europeu, liderados pela Alemanha, estudam se fechar para produtos brasileiros que tenham qualquer fábrica ou vínculo com áreas de degradação ambiental. A elaboração do documento, orquestrada pela ministra do Meio Ambiente alemão, Svenja Schulze, braço-direito da chanceler Angela Merkel para questões de preservação ambiental, propõe boicote a itens que vão desde os mais óbvios, como madeira em tora ou chapas semiacabadas para produção de móveis, até setores como o de biocombustíveis, carne e grãos. “Esta será a mais agressiva resposta comercial dos países europeus ao Brasil desde o ano de 1500”, afirmou à DINHEIRO uma pessoa ligada à representação diplomática da Alemanha no País. “Enquanto houver impasse em assuntos ambientais, obviamente o acordo de livre comércio ficará na parte mais funda da gaveta.”

Renato Costa

“O governo apoia uma aliança global para um 5g seguro, sem espionagem da china” Eduardo Bolsonaro, Deputado federal (PSL|SP).

A mudança de postura da União Europeia, que adota ameaça de retaliação comercial, ganhou impulso depois que o chefe de Estado brasileiro disse que divulgaria uma lista de países que compram madeira ilegal do Brasil. Em resposta, o governo da Alemanha rejeitou e condenou as acusações. Dias depois, em uma live na internet, Bolsonaro voltou atrás e garantiu que não vai apontar o dedo para nenhuma nação, mas para as empresas que supostamente se beneficiam do tráfico da matéria-prima. Mas o estrago estava feito. “Está muito claro para todos que ele é responsável pela destruição da Floresta Amazônica”, afirmou Renata Alt, ambientalista alemã. Ela integra o comitê de sustentabilidade global do Freie Demokratische Partei (Partido Democrático Liberal). “A Alemanha precisa rever suas relações bilaterais, e se posicionar contra o acordo entre Mercosul e União Europeia enquanto Bolsonaro insistir nessas atitudes”, disse. Para Tica Minami, diretora de programas do Greenpeace Brasil, esta é a política de Bolsonaro. “Este é um governo que abriu mão do seu papel de proteger a floresta para incentivar o desmatamento”, disse.

Para dimensionar o tamanho da encrenca, vale olhar para alguns números. O acordo entre Mercosul e União Europeia vinha sendo negociado havia 20 anos. Da parte europeia envolve 25% da economia global e 780 milhões de pessoas, cerca de 10% da população do planeta. Segundo estimativas do Ministério da Economia do Brasil, o acordo representará um incremento no Produto Interno Bruto (PIB) do País equivalente a R$ 336 bilhões em 15 anos, com potencial de chegar a R$ 480 bilhões, se for levado em conta aspectos como redução de barreiras não tarifárias. Tudo, no entanto, está longe se tornar realidade, visto que a ratificação do acordo depende da aprovação de todos os países no Parlamento Europeu. Depois de se livrar do Trump real, o mundo parece olhar mais para o “Trump dos Trópicos” – com menos poder, mais filhos na política e igual capacidade de gerar estragos.