Com relatos de sobreviventes, testemunhas e familiares, o segundo dia do júri da maior chacina de São Paulo, que terminou com 17 mortos em 2015, teve muito apelo emotivo e até choro de advogado de defesa.

A testemunha que diz reconhecer o PM da Rota Fabrício Eleutério, um dos três réus em julgamento, também prestou depoimento e voltou a apontá-lo como o autor do disparo que o atingiu. A defesa contesta o relato e diz se tratar de uma “testemunha profissional”.

O julgamento recomeçou às 10h, de portas fechadas, com o depoimento de “Elias”, que é testemunha protegida. Em juízo, ele voltou a reconhecer Eleutério, desta vez em poucos segundos e sem precisar de óculos – ao contrário do que ocorreu em audiência preliminar, quando a vítima chegou a urinar nas calças e demorou mais de 9 minutos para apontar o policial que o baleou no braço.

“Elias” é um homem pardo, entre 30 e 40 anos, que voltava de uma partida de futebol na Rua Suzano, em Osasco, quando foi alvejado. Apesar de ferido, ele conseguiu fugir e se esconder embaixo de um veículo. A vitima só foi localizada pelas investigações cerca de uma semana após a série de ataques.

O advogados de defesa de Eleutério, Nilton Nunes, afirmou que a vitima entrou em contradição várias vezes. Entre elas, cita a ausência do relato da fuga em depoimento à polícia. Segundo Nunes, “Elias” também declarou aos jurados que foi por conta própria ao DHPP, enquanto o relatório da investigação diz que ele foi conduzido.

O principal recurso que a defesa espera usar para desmentir “Elias”, no entanto, é o depoimento da testemunha protegida 798, que também falou em juízo nesta terça-feira, 19. Aos jurados, ela disse estar em um bar quando ouviu os disparos e viu que um jovem branco, entre 15 e 17 anos, foi baleado.

“Caso os jurados decidam que ele mentiu, podemos processá-lo por denunciação caluniosa”, afirmou Nunes. Segundo ele, a medida para representar contra “Elias” está sob análise.

Já o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira, responsável pela acusação, afirmou que a testemunha 798 caiu em contradição. “Ele já disse que vitima era branquinha, depois que era morena, depois volta pra branquinha.” Também segundo Oliveira, “Elias” passou mal e “quase vomitou” ao depor.

Choro

Ao longo do dia, foram ouvidas nove testemunhas – oito delas sem a presença dos réus. Em dois dos depoimentos o advogado Evandro Capano, que representa o PM Thiago Henklain, fez perguntas chorando. A primeira vez, no depoimento de Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luiz de Paula, um dos mortos da chacina. A segunda, no de Gilberto Gonçalves da Silva, pai de Letícia Silva, de 15 anos, a mais jovem e única a mulher a morrer nos ataques.

“Eu tenho um filho, é claro que eu me sensibilizo com esses pais. O que aconteceu foi um absurdo, mas isso não justificar o outro absurdo que é tentar culpar quem não foi responsável, disse Capano. Para o promotor Oliveira, o choro foi “teatro”.

Muito emocionado, o pai de Letícia chorou várias vezes durante seu depoimento. Zilda também chorou ao contar do filho e falou sobre toques de recolher nesta semana, no local onde mora. “Recebi mensagens de WhatsApp e ouvi comentários da vizinhança.”

Um dos depoimentos mais fortes, entretanto, foi o do autônomo Marcos Antonio Passini, um dos sobreviventes do Bar do Juvenal, onde oito pessoas foram assassinadas a tiro. Baleado nas costas, ele conseguiu correr para os fundos do estabelecimento, que estava em obras, e caiu numa vala.

“Acho que foi isso que me salvou”, disse a vítima, que também relatou ter visto o atirador de jaqueta, luvas e touca ninja – por isso, não poderia reconhecê-lo. “Teve pessoas que morreram em cima de mim, tentando escalar a parede.”

Em plenário, ele também disse que, antes da chacina, chegou a reconhecer dois frequentadores do bar em imagens que mostraram na TV o latrocínio de um GCM de Barueri, dias antes. “Essas pessoas já estavam presas”, afirmou. “Não tinha motivo para acontecer isso.”

Medo

Um dos momentos de maior tensão foi com a testemunha Renato Antônio Santos, que não confirmou no Tribunal o depoimento que prestou na Corregedoria da PM.

Na fase de investigação, ele disse que havia levado um “enquadro” da PM na noite da chacina, em uma rua próxima à dos ataques, e que os policiais atenderam a uma ligação durante a abordagem e depois mandaram ele voltar para casa. “Não me recordo”, disse em juízo.

Questionado se ele estava com medo, Santos demorou 10 segundos para responder. “Sim.”