Depois de o presidente Jair Bolsonaro falar que zeraria impostos do combustível caso os governadores também o fizessem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, precisou fazer o meio de campo para tentar contornar a situação. O tom do presidente, de desafio, foi mal visto por grande parte dos governadores, já que a situação fiscal dos estados não permitiria tal renúncia. Nem a situação do governo federal permite – em 2019 foi de R$ 55 bilhões o drible fiscal, neologismo para pedalada. Para tentar apaziguar os ânimos Guedes promoveu uma reunião em Brasília com governadores e representantes dos 27 entes federativos, que ouviram do chefe da economia nacional que a fala de Bolsonaro foi somente uma “provocação política”.

A reunião com o ministro marcou também a abertura do Fórum dos Governadores. Participaram do encontro 22 governadores e três vices. A ausência mais relevante foi do governo paulista. João Dória estava em viagem aos Emirados Árabes Unidos e o vice, Rodrigo Garcia, às voltas com uma das maiores enchentes que atingiu a capital e cidades do interior na segunda-feira. O estado representa um terço do PIB nacional e qualquer fórum que discuta temas fiscais e econômicos obrigatoriamente passará pela receptividade política do governo de São Paulo.

Ainda assim, os presentes mostraram uma coesão de discurso e foram unânimes em criticar os modos de Bolsonaro. Chefe do executivo do Espírito Santo, Renato Casagrande criticou a fala do presidente. “Houve muita provocação nas redes sociais, e o debate ficou muito superficial, não orientando [adequadamente] a população brasileira”, diz. “É importante ter responsabilidade e colocar esse assunto na posição em que merece.É importante ter responsabilidade para tratar dele.”

Até mesmo governadores mais próximos a Bolsonaro fizeram críticas. “A forma como o desafio foi apresentado acabou prejudicando politicamente os chefes do executivo”, disse o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Em um tom mais crítico, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que nos últimos meses vem trocando farpas com Bolsonaro, afirmou que o encontro com Paulo Guedes também serviu para mostrar o posicionamento dos chefes dos executivos estaduais com relação a outros temas importantes na agenda dos governadores. “Não estamos aqui para desafio ou duelo, mas para fazer com que as reformas avancem”, afirmou, fazendo menção à reforma tributária que está em curso. Na verdade, o ponto é exatamente este: o fórum para discutir o tema tem nome – reforma tributária. E quanto a isso o governo Bolsonaro se comporta da mesma maneira que se comportou com a reforma da Previdência, praticamente deixando tudo para que o Congresso decida.

Para o advogado tributarista e consultor da Câmara dos Deputados para assuntos fiscais, Adelmo Ricciardi, a convocação de Bolsonaro pegou mal e não há chance de nenhuma decisão saudável sair deste tipo de enfrentamento. “O ICMS é o principal imposto dos estados, e o combustível é o maior arrecadador. Com os estados em situação preocupante, abrir mão disso feriria a Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou. Para ele, a melhor forma de lidar com esse tipo de problema é, efetivamente, avançando com a reforma tributária. “Mexer na tributação é um desafio que este Congresso se propôs a enfrentar”, disse.“O problema é entender que simplificação proposta na Câmara e no Senado não necessariamente significa redução de impostos.” Nas propostas avaliadas em ambas as casas o objetivo é unificar impostos a fim de facilitar os pagamentos e tornar mais claros os destinos dos recursos recolhidos. “Isso ajuda a destravar a economia, mas não quer dizer que as empresas vão gastar menos ou mais. Eles vão gastar melhor”, diz.

FUNDEB Outro assunto presente no encontro entre Guedes e os governadores foi a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Antes mesmo de a reunião terminar, os governadores divulgaram um documento no qual pedem “a aprovação imediata do novo Fundeb” ao Congresso Nacional, já que o prazo do fundo vence em 2020.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, coordenador do fórum, disse que o tema “é urgente porque envolve questões orçamentárias para o ano que vem”. A estratégia dos estados sobre o Fundeb ficou clara na fala da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra. “A ideia é torná-lo permanente e ampliar a participação da União”, disse. Ainda de acordo com ela, a proposta inicial elevaria essa fatia de 10% para 40% de forma gradativa, ao longo de 11 anos. “Estamos abertos para a discussão, hoje já se fala em algo entre 25% e 30%.” Em política não há vácuo. Quando vem uma bravata, volta uma reação. E se Bolsonaro desejava que os governadores abrissem mão de dinheiro, sua estratégia produziu o oposto. Os estados querem mais. Drible essa, Guedes.

“Eu desafio todos os governadores a zerar o ICMS do combustível. Se eles toparem fazer isso, eu também faço” Jair Bolsonaro, Presidente da República (Crédito:Marcello Casal Jr/Agência Brasil )