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Os números que serão apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 7 de julho devem mostrar a realidade de um país mais parecido com o Japão do que com o habitual Brasil das últimas décadas. Porém, enquanto lá índices de preços negativos são registros comuns e fonte de constante preocupação, aqui são mercadoria escassa, a ser encarada como um motivo de comemoração. A deflação prevista para o IPCA de junho entrará para a história e confirmará as recentes rodadas de revisões para baixo nas expectativas do mercado financeiro. Mas, num País com tanta indexação, será que já é possível cravar que o dragão inflacionário perdeu o status de vilão e virou, definitivamente, o “bom moço” da economia?

A previsão consensual dos analistas aponta uma deflação de 0,07% no IPCA de junho, segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Os analistas que mais acertam os dados são mais radicais e estimam o índice em -0,16% (ver quadro acima). Seja qual for o número, a data marcará o primeiro resultado negativo desde junho de 2006, coroando o ponto alto de um processo de desinflação iniciado no ano passado, em reversão ao pico de 10,6% de 2015. O fôlego decrescente vem se confirmando mês a mês. Em maio, o acumulado em 12 meses ficou em 3,6%, o menor patamar em 17 anos.

O número de junho deixará mais claro que não só os reajustes perderam força, como há itens ficando mais baratos, como a cebola, por exemplo, cujo valor nas principais capitais brasileiras caiu quase pela metade no período. A perspectiva de deflação do IPCA vem sendo anunciada por outros indicadores. O Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), usado como referência para contratos de energia elétrica e de aluguéis, ficou negativo em abril (-1,1%) e maio (-0,93%). Embora pareça sempre favorável, preços em queda por longos períodos podem se tornar um problema para a economia.

Colaboração indesejada: o desemprego e a queda da renda pesaram para que a inflação alcançasse patamares historicamente baixos (Crédito:Thiago Freitas / Extra)

Se consumidores esperam que os bens fiquem mais baratos no futuro, a tendência é que adiem as compras, o que pode frear o ritmo do crescimento. Esse é um mal em economias maduras e um dilema enfrentado pelo Japão há anos. Não é o caso brasileiro. Para os analistas, a deflação a ser registrada no índice oficial é pontual, puxada por reduções anunciadas na cotação média da gasolina e do diesel e pela entrada em vigor da bandeira tarifária verde nas contas de luz, o que significa que não haverá custo extra para o consumidor.

Ainda que pontual, o registro mensal de queda nos preços sinaliza um período atípico para os padrões brasileiros. Com as revisões, o mercado agora estima que a inflação fechará em 3,64% neste ano, menor nível desde 2006. No Relatório Trimestral de Inflação, divulgado na quinta-feira 22, o Banco Central revisou de 4% para 3,8% a expectativa para o ano, atestando que há um “processo de desinflação difundido” no País. “No curtíssimo prazo, a inflação deve continuar cedendo, a depender principalmente do andamento da safra e dos dados de renda e desemprego”, diz Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE
O cenário é explicado, principalmente, por dois fatores.

O primeiro é a desvalorização vista nos alimentos e bebidas, que respondem por 25% do IPCA. Em maio, por exemplo, os dois itens apresentaram recuo de 0,35%. O clima favorável ao longo de todo o período de desenvolvimento das lavouras em 2016 ajudou a aumentar a produtividade do campo e fundamentou a previsão de uma safra recorde de grãos. Produtores de frutas e legumes também viram aumento de produção, aumentando a oferta e pressionando os preços para baixo. As principais desvalorizações nos 12 meses até maio foram vistas nos valores da cebola (-48,1%), do mamão (-46,2%) e da batata inglesa (-45,9%).

“Desde o final do ano passado, os alimentos vêm apresentando uma tendência comportada, gerando uma redução generalizada dos preços por toda a cadeia do setor”, diz Márcio Milan, economista da Tendências Consultoria. A crise política e econômica também é um fator que está levando a inflação a patamares baixos. Com a queda da renda e o desemprego elevado, as pessoas estão priorizando guardar dinheiro e pagar dívidas. O varejo acumula dois anos seguidos de queda, um ambiente que obriga as empresas a promover descontos em seus produtos.

“Se a empresa não fizer ajustes, vai perder clientes”, afirma Fábio Romão, economista da LCA Consultoria. Em conferência com investidores, o diretor financeiro da Lojas Renner, Laurence Gomes, citou a redução dos preços como uma das justificativas para a queda nas margens. “Fizemos remarcações que eram necessárias para garantir nossa competitividade.” Entre as peças de vestuário, vestidos (-4,86%) e agasalhos femininos (-3,35%), por exemplo, estão mais baratos do que há um ano, segundo o IPCA.

Mão firme: Henrique Meirelles (Fazenda) e Ilan Goldfajn (Banco Central). Credibilidade da equipe econômica ajuda a ancorar as expectativas de inflação para 2017 (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

META Na conta da desinflação, entra também a postura mais firme da nova gestão do Banco Central (BC). O presidente Ilan Goldfajn, que chegou a ser criticado por manter os juros altos após assumir o posto, há um ano, agora colhe os frutos da resistência. O processo de relaxamento monetário, iniciado em outubro de 2016, é feito com maior margem de segurança e deve levar a taxa básica de juros (Selic) para 8,5% no final do ano, segundo as projeções de mercado, 5,75 pontos percentuais abaixo do pico registrado no ano passado. A crise política, no entanto, impede o BC de cortar a Selic de maneira mais agressiva. O cenário favorável abriu a oportunidade para a equipe econômica avançar numa posição defendida há anos por economistas: a redução da meta de inflação.

A reunião que tratará do tema está marcada para o dia 29. A expectativa é que o Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e o presidente do BC, reduza a meta prevista para 2019 em 0,25 ponto, para 4,25% — o nível atual, de 4,5%, está em vigor desde 2005. Mesmo com a redução, será o patamar mais alto entre os 47 países que adotam o regime de metas, mas ajudará a sinalizar um compromisso mais estrutural com inflação mais baixa, o que permitirá juros civilizados no País. “Esta equipe do BC conseguiu ancorar as expectativas em um curto período de trabalho”, diz Milan. “Com os agentes demonstrando confiança, existe espaço para reduzir a meta.”

Diante do trauma inflacionário que perdura no País, analistas consideram ainda prematuro encarar o bom momento como o início de um novo capítulo na história monetária brasileira. O ponto comum de cautela é que a surpresa positiva atual carrega um fundo negativo, a profundidade da recessão, e está ligada a uma safra extraordinária, que dificilmente se repetirá todo ano. Sem contar a dificuldade de avançar em reformas estruturais, como a da Previdência. Para além do momento atual, ainda será a inflação, e não a deflação, que mais desafiará o Brasil. Na dúvida, é bom sempre ficar de olho no dragão.