No primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, dois importantes indicadores se deterioraram e fizeram acender o sinal de alerta das agências de classificação de risco. O rombo fiscal nominal (incluindo os juros), que saltou de 2,57% para 4,92% do PIB, e o saldo negativo externo, que passou 1,98% para 3,73% do PIB. No jargão econômico, o Brasil vive os chamados déficits gêmeos, amplamente discutidos na década de 1980. Até hoje, não há consenso no universo acadêmico sobre se o déficit fiscal necessariamente provoca um déficit externo, mas todos concordam que a piora simultânea das duas contas é um sinal de debilidade econômica, que merece uma atenção especial da nova equipe econômica.

A deterioração das contas externas, que inclui a balança comercial, as remessas de lucro das empresas e os gastos das pessoas físicas no exterior, entre outros itens, decorre de vários fatores. Um deles, na avaliação do economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini, é a incapacidade do Brasil de buscar novos parceiros. “A atual política comercial é muito fraca e deixa o País excessivamente dependente das exportações de commodities para a China”, diz Agostini. Sem a possibilidade de vender para novos mercados, o Brasil pode amargar neste ano o primeiro déficit comercial desde 2000.

Na segunda-feira 24, o Banco Central divulgou o balanço do setor externo (transações correntes) no mês de outubro, que teve um déficit de US$ 8,1 bilhões, o maior para o mês de toda a série histórica. Embora o BC tenha constatado que os gastos dos turistas brasileiros lá fora recuaram 11% em relação a setembro, o volume acumulado de US$ 21,8 bilhões no ano é recorde e ajuda a pressionar o resultado externo. Há, ainda, um volume expressivo de remessas de lucros para suas matrizes de multinacionais instaladas no Brasil e de aluguéis de aviões e plataformas para o pré-sal.

Na avaliação de especialistas, trata-se de um movimento natural que decorre dos investimentos estrangeiros feitos no País nos últimos anos. No entanto, ao se aproximar de 4% do PIB, superando a marca de US$ 80 bilhões, o déficit em transações correntes passa a ser um problema na medida em que o volume de investimentos estrangeiros diretos, na casa de US$ 60 bilhões, não é suficiente para financiar integralmente o buraco. Sendo assim, o País passa a depender do capital especulativo para fechar as suas contas.

Embora as reservas internacionais sejam suficientes para financiar quatro anos de rombos externos, a redução do déficit seria estratégico para preparar o País para o cenário de alta de juros nos Estados Unidos, previsto para o ano que vem. “A desvalorização do câmbio é o único jeito de diminuir o déficit em transações correntes”, afirma José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe 
do Banco Fator. Do lado fiscal, o quadro é ainda mais grave, pois o governo está sofrendo para obter ao menos um resultado primário positivo. Para não ser enquadrada na Lei de Responsabilidade Fiscal, a presidenta Dilma encaminhou ao Congresso Nacional um projeto que, na prática, a desobriga de cumprir qualquer meta fiscal em 2014.

A oposição, liderada pelo senador Aécio Neves (OSDB-MG), conseguiu impedir a votação no plenário na semana passada. “Não há mais Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou Aécio, na terça-feira 25. “Por que a presidente pode descumprir, e o Congresso Nacional dar a ela esta anistia, enquanto os prefeitos respondem, inclusive criminalmente, se não cumprirem as suas metas?” Das três principais agências de classificação de risco, a Standard and Poor’s já rebaixou a nota do País e a Moddy’s a colocou em perspectiva negativa.

No dia 31 de outubro, a agência brasileira Austin Rating rebaixou a nota do Brasil, que está a apenas um nível de perder o grau de investimento. Ciente da gravidade do problema, a nova equipe econômica, liderada pelo ministro indicado da Fazenda, Joaquim Levy, sinalizou na quinta-feira 27 que a prioridade é colocar as contas públicas em dia (leia reportagem aqui). “Quando o governo gasta demais, cria renda demais e consumo demais, o que puxa pelas importações e pelo endividamento em moeda estrangeira”, diz Felipe Salto, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria. “E de quebra, produz inflação.” Déficits gêmeos, problemas em dobro.