Há três fatos inquestionáveis sobre a inflação. Primeiro, ela está elevada. Segundo, ela vai demorar para desacelerar. E, terceiro e mais importante, é preciso defender seu dinheiro desse aumento sistemático de preços. A situação vem surpreendendo até mesmo os especialistas do mercado financeiro, que têm sido obrigados a recalcular suas projeções. Todas as segundas-feiras pela manhã, o Banco Central (BC) publica o Relatório Focus, com as estimativas dos economistas dos bancos para diversas variáveis econômicas. Na última edição de fevereiro, a estimativa para o IPCA era de 5,50%. Três semanas depois, na edição de 21 de março, esse prognóstico havia avançado mais de 1 ponto percentual, para 6,59%. Uma alta tão significativa em apenas três semanas é grave. E as projeções devem continuar subindo.

Segundo o sócio especializado em finanças da empresa de auditoria Crowe Macro, Ricardo Rodil, a elevação aparentemente incontrolável dos preços deve-se principalmente a alimentos e a combustíveis. A oferta desses dois componentes importantes dos índices de preços ficou prejudicada devido ao conflito entre Rússia e Ucrânia, e essa distorção vai demorar para se dissipar, ainda que o conflito acabe logo. Isso também deverá afetar os juros. “O Banco Central do Brasil, o Federal Reserve nos Estados Unidos e as autoridades monetárias de diversos outros países deverão adotar uma estratégia consistente de aumento dos juros ao longo dos próximos meses”, disse ele.

O especialista da Ativa Investimentos, Rodrigo Beresca de Almeida, concorda com essa avaliação. Atualmente, a taxa referencial de juros Selic está em 11,75% ao ano, após ter sido elevada em 1 ponto percentual na mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O cenário traçado pelos estrategistas da Ativa prevê outra elevação dessa magnitude na próxima reunião, marcada para maio, e um último aumento de 0,5 ponto percentual na reunião depois dessa. “Com isso, os juros vão chegar a 13,25% ao ano, recuando gradualmente a partir do início de 2023”, disse.

“Uma estratégia para o perfil mais conservador é optar por títulos privados atrelados à inflação. Os preços desses papéis não oscilam” Davi Lelis Sócio da Valor Investimentos.

Como defender seu dinheiro? Não há uma estratégia única. Segundo Almeida, a trajetória clássica de defesa é procurar ativos corrigidos por índices de preços. O exemplo mais conhecido são os títulos públicos do tipo Tesouro IPCA. Antes conhecidos como Notas do Tesouro Nacional (NTN) do tipo B, esses papéis pagam a variação do IPCA mais uma taxa de juros. Na quarta-feira (23), a remuneração acima da inflação variava pouco. Ia de 5,37% ao ano para o título de prazo mais curto, com vencimento em 2026, até 5,75% ao ano para o papel mais longo, com vencimento em 2055 e pagando juros semestrais.

RISCO Os títulos Tesouro IPCA são os mais acessíveis, mas eles expõem o investidor a um risco de mercado. “Quanto mais longo o prazo, maior pode ser a oscilação diária dos preços”, disse o sócio da gestora de recursos Valor Investimentos, Davi Lelis. Por isso, afirmou, uma estratégia para o investidor mais conservador é optar por títulos privados indexados à inflação, como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) ou as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). São papéis oferecidos por bancos, vinculados a atividades imobiliárias ou agrícolas e que usufruem de isenção de impostos. “Para o investidor, os preços desses papéis não oscilam”, disse Lelis. Diferentemente de um título público, cujo preço varia de acordo com as taxas de juros, a oscilação das LCI e das LCA não é perceptível para o investidor. Na prática, quem “oscila” é a carteira de títulos do banco que emitiu o papel, mas isso não interfere no bolso do aplicador.

Lelis também recomenda outras estratégias. “A renda fixa é uma defesa passiva contra a inflação, mas há defesas ativas”, disse ele. Por exemplo, comprar ações de empresas que ganham com a alta de inflação, como as dos setores de commodities, tarifas e as que lucram com o aumento dos juros. “A inflação em alta permite reajustes de tarifas que se mantém no longo prazo, o que melhora os resultados das empresas e garante um bom desempenho nas ações”, disse. Nenhum dos analistas recomendou comprar dólares ou investir em ouro como forma de proteção, devido à forte volatilidade dessas aplicações.

Ilustração: Evandro rodrigues