Por Letícia Fucuchima

SÃO PAULO (Reuters) – O governo federal editou na noite de terça-feira um decreto que abre espaço para o desenvolvimento da geração de energia eólica em alto mar (“offshore”) no país, tecnologia bastante adotada na Europa e que entrou no radar de grandes investidores para projetos no Brasil, como Neoenergia, Shell e Equinor.

O decreto nº 10.946/2022 foi considerado “um avanço crucial” pela Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), que vê a possibilidade de a fonte ser habilitada em leilões de energia de reserva a partir de 2023.

O texto publicado pelo governo dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais para geração de energia elétrica a partir de usinas offshore.

O documento se aplica a águas interiores de domínio da União, mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental e entrará em vigor em 15 de junho.

Segundo comunicado do Ministério de Minas e Energia, o decreto vem para preencher lacunas identificadas por instituições públicas, empreendedores, especialistas e organizações de um marco regulatório para a exploração do potencial elétrico offshore no Brasil, especialmente em questões relacionadas à implantação e ao modelo de concessão.

O texto estabelece que a cessão de uso poderá ser concedida tanto por iniciativa da pasta, através da oferta de prismas previamente delimitados (“cessão planejada”), quanto por iniciativa de interessados em explorar as áreas (“cessão independente”).

Uma vez obtida a cessão de uso, fica a cargo do empreendedor realizar os estudos necessários para identificação do potencial energético offshore, devendo atender a critérios e prazos definidos pelo ministério.

O governo afirma que o Brasil possui “excelentes características” para geração eólica offshore, como uma costa extensa, com águas rasas ao longo do litoral, e a incidência dos ventos alísios na região Nordeste, de intensidade e direção constantes.

REPERCUSSÃO POSITIVA

Na avaliação da ABEEólica, o decreto representa “um avanço crucial” para viabilizar a nova tecnologia no país, já que fornece o arcabouço regulatório necessário para guiar e dar conforto aos investidores.

“Essas diretrizes básicas são suficientes para começar o processo [de desenvolvimento dos parques]. Ainda há questões a serem resolvidas por portarias, por resoluções. Mas [o decreto] é suficiente para o ponto de partida que estamos, para dar o sinal de investimento”, afirmou a presidente da ABEEólica, Elbia Gannoum, em coletiva de imprensa.

Raphael Gomes, sócio do escritório de advocacia Lefosse, avalia que o risco regulatório não foi totalmente afastado, e destaca que há outros passos importantes.

“A partir do decreto, a Aneel vai poder implementar sua regulação para dizer quais e se há requisitos específicos para dar outorga para esses empreendimentos, bem como o ONS vai poder evoluir seus procedimentos para poder dar o respaldo fixo para conexão dessas usinas”, disse Gomes.

A expectativa é de que os primeiros projetos offshore sejam viabilizados através de leilões do mercado regulado, provavelmente na modalidade de energia de reserva, segundo a ABEEólica. Para a entidade, a fonte poderá ser habilitada nos certames a partir de 2023.

Com isso, as primeiras eólicas no mar devem começar a entrar em operação mais para o fim da década, já que esse tipo de projeto costuma demorar até 6 anos para ser desenvolvido, observou o CEO do Global Wind Energy Council (GWEC), Ben Backwell.

“São parques maiores, que demandam mais engajamento entre diferentes agentes nas fases de estudos, planejamento, licenciamento”, apontou o executivo.

Backwell destaca que o decreto menciona uma série de atores que precisam ser consultados para viabilizar os projetos — Comandos da Marinha e Aeronáutica, ministérios do Turismo, Agricultura e Infraestrutura e agências reguladoras como ANP e Anatel. Para ele, o ideal é que o governo estabeleça um órgão centralizador que acompanhe todos os processos.

De acordo com a ABEEólica, o Ibama já tem quase 50 gigawatts (GW) de projetos eólicos offshore em análise, o que demonstra grande interesse por parte dos investidores.

Entre os grupos que já divulgaram estudos para projetos offshore no Brasil, estão grandes elétricas, como a Neoenergia, controlada pela espanhola Iberdrola, e as petroleiras Shell <RDSa.L> e Equinor.

O desenvolvimento dessa indústria também deve permitir a chegada de investidores ainda não instalados no país, segundo a ABEEólica.

“Estamos tendo pelo menos três reuniões por semana com novos investidores relativos a offshore. Por mais que o recurso seja vento, estamos falando de grupos distintos”, afirmou Gannoum.

No mundo todo, a geração eólica offshore soma 35,3 GW de capacidade instalada, segundo o último levantamento global do GWEC, com dados até o fim de 2020.

A Europa ainda é o principal mercado para a tecnologia, com cerca de 70% da potência global, mas a China vem crescendo a passos largos — em 2021, o país ultrapassou o Reino Unido como o maior parque gerador offshore, somando 26,79 GW de usinas conectadas, mostra o GWEC.

No Brasil, as eólicas offshore ainda não são competitivas, em termos de preços, em relação a outras modalidades de geração. No entanto, o setor aposta que a fonte ganhará espaço mesmo assim, considerando a necessidade de o país diversificar suas tecnologias de geração de energia e próprio potencial dessa nova indústria em meio à transição energética, com projetos associados ao hidrogênio verde.

Segundo o Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a geração eólica offshore pode chegar a 16 GW até 2050 no Brasil caso haja uma redução de 20% no Capex (investimento) dessa fonte.

(Por Letícia Fucuchima)

tagreuters.com2022binary_LYNXMPEI0P0QX-BASEIMAGE