Cerca de um mês antes da divulgação da gravação em áudio feita pelo empresário Joesley Batista com o presidente Michel Temer, assessores financeiros e jurídicos começaram a ser procurados por executivos da J&F, a holding da família Batista que controla empresas como a JBS, a Eldorado Celulose, a Flora, a Alpargatas, entre outros negócios. O objetivo era sondar o mercado sobre o interesse em determinados ativos do grupo. A Âmbar Energia, que está nos segmentos de transmissão e de geração de energia térmica e eólica, estava na lista de prioridades de venda.

As primeiras respostas davam conta de que a empresa estava valorizada e poderia ser vendida com certa facilidade. Mas o interesse diminuiu assim que a delação premiada veio a público e, entre 17 e 26 de maio, ninguém queria saber o que os irmãos Batista tinham a oferecer. Mais de um mês depois da revelação, as conversas voltaram e a Âmbar está próxima de deixar o portfólio da J&F, em mais um sinal de que a estratégia “Família Vende Tudo” está em curso para permitir aos Batistas mudarem-se de mala e cuia para o Exterior e, quem sabe, viverem o sonho americano bem longe daqui.

Se a venda da Âmbar for concretizada nos próximos dias, como indicam fontes que participam da negociação, a Âmbar será a primeira empresa a mudar de controlador. As principais interessadas são a Taesa, que tem mais de 9,8 mil quilômetros de linhas de transmissão em operação, e a ISA Cteep, com mais de 18,6 mil quilômetros de fios. De acordo com a agência de classificação de risco Standard & Poor’s, a J&F tem um potencial de venda de R$ 18 bilhões em ativos – cerca de R$ 8 bilhões poderiam entrar no caixa da holding no curto prazo.

No centro de toda essa questão está uma dívida de cerca de R$ 21 bilhões. O montante inclui a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal; uma dívida própria de R$ 4,2 bilhões; e R$ 7,3 bilhões de garantias para suas controladas. “Acreditamos que, atualmente, a J&F depende mais da venda de ativos do que antes para manter o compromisso com suas obrigações financeiras”, escreveu a S&P no relatório que rebaixou o rating do grupo de BB para B+ e manteve a observação negativa sobre a nota. Outras duas agências, a Moody’s e a Fitch, já haviam rebaixado o rating do grupo.

Mesmo diante de um contexto conturbado, a lista de empresas que estariam no páreo pelos ativos da J&F é extensa (leia “Família vende tudo” ao final da reportagem). Segundo apurou a DINHEIRO, a Vigor disputa com a Âmbar qual vai ser o primeiro negócio a ser concretizado. Antes de a holding colocar seu pacote de empresas à venda, o laticínio, dono de marcas como Faixa Azul, Leco e Danúbio, já era alvo de interesse e especulações. A americana PepsiCo e a francesa Lactalis eram alguns dos nomes citados como supostos interessados. Mas quem desponta como favorita a vencer essa disputa, no entanto, é a mexicana Lala.

Com um faturamento de cerca de US$ 2,5 bilhões em 2016, a Lala vem expandindo sua operação em mercados como os Estados Unidos e a América Central. O movimento para a América do Sul é natural e poderia ser facilitado com essa aquisição. Procurado, o grupo mexicano não deu entrevista. A Eldorado é mais um ativo cobiçado no balcão de negócios da J&F. A primeira a oficializar o interesse foi a chilena Arauco. Em comunicado do dia 16 de junho, o grupo informou que fechou um acordo de confidencialidade com a holding dos irmãos Batista para avaliar o investimento.

Camuflado: Joesley Batista deixa a sede da Polícia Federal, em Brasília, onde prestou novo depoimento, na semana passada (à esq.). Wesley Batista renunciou a Presidência do Conselho da Pilgrim`s Pride (Crédito:Dida Sampaio/Estadao e Pedro Dias)

Segundo o jornal Valor Econômico, a proposta seria de R$ 11 bilhões, incluindo uma dívida de R$ 8 bilhões da companhia brasileira de celulose. Na quarta-feira 21, a Fibria entrou na lista de espera. A companhia líder do setor confirmou o interesse, mas informou, em nota, que “não se vinculou de forma alguma a uma operação de compra”, até o momento. Outra empresa do setor de papel e celulose que divulgou um fato relevante sobre a aquisição foi a Suzano. Como uma das líderes do mercado, a empresa disse que “permanentemente avalia e se prepara para possibilidades de fusão, aquisição e consolidação”. “A Eldorado é uma aquisição que faria mais sentido para a Fibria”, afirma Pedro Galdi, chefe de pesquisas da Upside Investor.

Ele cita o fato de a companhia manter uma fábrica em Três Lagoas (MS), próxima à unidade de produção da Eldorado, como um elemento que traria sinergias, especialmente em logística e na área florestal. O único entrave seriam as prováveis restrições impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica. “Por isso, não descarto um consórcio entre Arauco, Fibria e Suzano para dividir o ativo.”
Apesar de atrair mais de uma dezena de interessados, é consenso no mercado que será muito difícil para a J&F alcançar uma cifra próxima à avaliação total dos ativos em jogo.

A estimativa das fontes consultadas pela DINHEIRO é a de que a holding chegue a um montante na faixa de R$ 12 bilhões, dado o seu menor poder de barganha, em virtude da urgência em captar recursos e dos riscos inerentes aos desdobramentos dos escândalos de corrupção. Os analistas também observam que esse contexto pouco favorável no Brasil teria forçado o grupo a alterar parte do seu plano inicial, o que resultou na inclusão de parcela do portfólio internacional da JBS no plano de desinvestimento. Além da irlandesa Moy Park, estão na prateleira fazendas e a Five Rivers, braço de confinamento de gado nos Estados Unidos.

“É provável que essas medidas não estivessem no plano inicial, porque o mercado internacional, em particular, o americano, é o de maior potencial para a JBS”, diz Alcides Torres, analista da Scot Consultoria, especializada em agronegócio. Ele entende que, caso o desenho original tivesse sido mantido, a JBS teria totais condições de manter sua operação, com pouca ou nenhuma presença no Brasil. “O País é importante em termos de fornecimento, mas há opções tanto no mercado americano como em países como Uruguai, Argentina e Austrália.”

As vendas são uma clara necessidade de fazer caixa frente às restrições que a J&F começa a encarar. O crédito, antes farto, começa a minguar, o que pressiona tanto o endividamento como a rotina de pagamentos de várias empresas do grupo. “Os bancos estão dificultando ao máximo o acesso a crédito, pois ninguém quer ter seu nome associado ao grupo”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia do Insper. A JBS, por exemplo, enfrenta a exigência de diversos pecuaristas que querem receber à vista pelo gado. “Foi um movimento natural, sem nenhuma liderança. Os pecuaristas pararam de entregar para a JBS”, diz Torres. “Ninguém quer vender, mesmo com a empresa pagando mais por arroba.”

De fato, as opções da J&F para reduzir sua alavancagem são escassas no momento. A exposição nos escândalos de corrupção têm dificultado a busca por outras alternativas, como a captação de novos empréstimos ou o refinanciamento de suas dívidas. “Com essa restrição, há um certo temor de que eles peçam recuperação judicial no Brasil”, afirma Galdi, que destaca as últimas sinalizações da J&F como um agravante nesse cenário. “A sensação é de que, na prática, eles estão abandonando o Brasil.”
A estratégia de enxugar as operações não é uma simples escala no roteiro internacional traçado pelos irmãos Batista.

Martelo Batido: o STF confirmou a manutenção do acordo de delação da JBS, assinado pelo ministro Edson Facchin (à esq.) (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O movimento é, na verdade, crucial para que a J&F carimbe o passaporte de seus controladores para o Exterior e, ao mesmo tempo, assegure a continuidade de suas operações – em particular da JBS, responsável por 92% da receita de R$ 185 bilhões da J&F. Além de tudo isso, os irmãos Batista tornaram-se personae non gratae no País. Joesley desembarcou no Brasil no domingo, 11 de junho, vindo da China (segundo sua assessoria), trazendo um certo constrangimento na bagagem após revelar um esquema monumental de compra de políticos em série e sair ileso.

Na quarta 22, ao deixar a sede da Polícia Federal, em Brasília, depois de prestar novo depoimento, o empresário estava de boné para tentar esconder seu rosto. No dia seguinte, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou o maior temor de Joesley e de todos os delatores da Operação Lava Jato: sete ministros votaram a favor da homologação monocrática do acordo de leniência com a JBS, feita pelo relator do processo, Edson Fachin. Apesar de já ter atingido a maioria, os outros quatro ministros devem se manifestar na quarta, 28, quando a votação será retomada.

A decisão abre caminho para os irmãos Batista viverem no Exterior. Joesley já levou a família para Nova York, onde possui um apartamento duplex na 5ª avenida. Esse plano, porém, não é recente. Antes do impeachment de Dilma Rousseff, um comunicado ao mercado, de 11 de maio de 2016, anunciava a intenção da JBS de realizar uma reestruturação societária. Os negócios fora do Brasil e a Seara Alimentos ficariam sob a bandeira JBS International, com sede na Irlanda, enquanto aqueles de carne bovina no País ficariam com a JBS Brasil.

Para a empresa, faz todo o sentido concentrar seus negócios no exterior: do total das receitas de R$ 170,4 bilhões da JBS no ano passado, quase 75% vêm do mercado internacional. “A gente disputa nos EUA. Sem propina. Disputamos com sucesso na economia mais competititva que existe”, disse Joesley, em entrevista à revista Época. Mas a mudança de domicílio fiscal tinha, também, outros objetivos: instalar-se num país de baixa tributação fiscal. Empresas americanas buscaram a mesma alternativa, como foi o caso de Pfizer, Burguer King e Eaton, mas o Senado dos EUA impôs barreiras para dificultar a evasão de renda.

O segundo fator, no caso da JBS, seria escapar da jurisdição brasileira, em investigações da Justiça Federal. À época, embora houvesse desconfiança da sua relação com o governo, somente Joesley e Wesley sabiam, exatamente, o que temer. A vida no Exterior não será regada a facilidades para os irmãos Batista. A R-Calf USA, uma das mais importantes associações de pecuaristas, enviou uma carta ao presidente Donald Trump pedindo que o país investigue a atuação da JBS.

Assinada pelo presidente da entidade, Bill Bullard, o pedido vai desde investigações da relação entre a JBS com Congressistas, autoridades e o departamento de agricultura, além do pedido de anulação de todas as aquisições realizadas pela empresa nos EUA, como a Smithfield Beef and Five Rivers, a Pilgrim’s Pride, da McElhaney Cattle Company e de duas unidades de embalagem da XL Four Star Beef. Na quinta 22, o governo americano proibiu a compra de carne in natura do Brasil, alegando preocupações com questões sanitárias. O mercado americano é o nono mais importante para o setor, com vendas de US$ 49 milhões nos primeiros cinco meses do ano.

No mesmo período, os chineses compraram US$ 334 milhões. Os caminhos da J&F começam a ter inúmeros percalços. Na quarta 21, o juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, suspendeu a venda das operações de carne bovina da JBS na Argentina, Paraguai e Uruguai, por cerca de US$ 300 milhões, para o Minerva. A JBS vai recorrer. O acordo havia sido fechado no início do mês. O principal risco para a holding, no entanto, veio à tona poucas horas depois dessa decisão, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) o bloqueio imediato de bens da JBS e de seus responsáveis.

Em nota, o órgão destacou que a medida visa garantir um futuro ressarcimento de prejuízos estimados em cerca de R$ 850 milhões causados aos cofres do BNDES. “A AGU tomou a iniciativa depois da divulgação de notícias de que o grupo estaria em avançado processo de desfazimento de bens no País”, afirma o comunicado. A DINHEIRO apurou que a probabilidade de o TCU acatar a decisão é grande. “A ordem é complicar a vida da empresa e está sendo liderada por alguns ministros do TCU, que são cabeças do PMDB”, diz uma fonte próxima ao Tribunal.

No mercado, a sensação é a de que o caso da AGU não é uma ação pontual, mas sim, uma reação ao escândalo provocado pelas gravações de Joesley Batista, que colocaram o presidente Michel Temer e outros políticos aliados, como Aécio Neves, na berlinda. “Existem alguns movimentos de órgãos públicos que dão a impressão de estar havendo uma reação em bloco à empresa”, diz uma fonte. Além da possibilidade de bloqueio dos bens, a lista incluiria a restrição de linhas de crédito em bancos públicos e o rompimento, no início do mês, de um contrato da Âmbar com a Petrobrás.

Com base em uma cláusula da lei anticorrupção, a estatal cobra ainda uma multa de R$ 70 milhões da empresa. “Estamos atentos para evitar qualquer tipo de retaliação à companhia”, afirma Igor Tamasauskas, sócio do Bottini & Tamasauskas Advogados, escritório que assessora a J&F na manutenção do acordo de delação, na conclusão do acordo de leniência e em seus desdobramentos. Ele diz que o principal recurso da holding são as representações junto ao Ministério Público para que o órgão apure, caso a caso, se houve algum desvio de finalidade.

Procurada, a J&F informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comentaria o plano de venda bem como as supostas retaliações que estaria sofrendo do governo federal. A empresa ressaltou que irá se concentrar em mercados onde tem presença relevante, entre eles o Brasil. Em relação a eventuais novos problemas com a Justiça, seja no País ou nos EUA, a companhia observou que segue colaborando com as autoridades e que está coletando informações e documentos adicionais como complementos às investigações, que serão entregues no prazo de até 120 dias.

Quanto à dificuldade de acesso ao crédito, a J&F afirmou que todos os compromissos firmados com os bancos seguem em linha com o que foi pactuado e não há débitos pendentes. “A companhia mantém um relacionamento de longo prazo com instituições financeiras públicas e privadas, com as quais tem mantido discussões produtivas e construtivas, e reitera que considera as relações e negociações com os bancos fundamentais para o desenvolvimento de suas atividades no País”, diz a nota enviada à DINHEIRO.


Família vende tudo

Conheça as empresas da holding e os possíveis interessados nas aquisições

Empresa: JBS
Participação: 42%
Setor: Proteína animal
Faturamento: R$ 170 bilhões
À venda: participações na Vigor, Moy Park, ativos da Five Rivers Cattle Feeding e fazendas
No páreo: WH Group e Fundo Soberano Mubadala

Empresa: Vigor
Participação: 72%
Setor: Laticínios
Faturamento: R$ 4,4 bilhões
À Venda: 100% da participação
No páreo: Lala, Lactalis e PepsiCo

Empresa: Alpargatas
Participação: 54%
Setor: Calçados e vestuário
Faturamento: R$ 4 bilhões
À venda: 100% da participação
No páreo: Carlyle, Tarpon e Cambuhy

Empresa: Eldorado
Participação: 81%
Setor: Celulose
Faturamento: R$ 3 bilhões
À venda: 100% da participação
No páreo: Arauco, Fibria e Suzano

Empresa: Banco Original
Participação: 99%
Setor: Financeiro
Ativos totais: R$ 8,2 bilhões
À venda: 100% da participação
No páreo: Santander

Empresa: Flora
Participação: 100%
Setor: Higiene e limpeza
Receita: Não informada
À venda: algumas marcas do portfólio, que inclui, entre outros nomes, Minuano, Francis e Neutrox
No páreo: Não informado

Empresa: Âmbar
Participação: 100%
Setor: Energia
Receita: Não informada
À venda: linhas de transmissão
No páreo: Taesa e ISA Cteep

Colaborou: Machado da Costa

Nota: após a conclusão dessa reportagem, a J&F enviou o seguinte comentário abaixo.

Em relação à reportagem intitulada “Irmãos Batista, decolagem autorizada”, e que mereceu a manchete da edição deste final de semana da revista Istoé Dinheiro (“Bye-bye, Brasil?”), a J&F e seus principais acionistas, Joesley Batista e Wesley Batista, refutam o teor do texto, que faz ilações levianas e sem fundamento sobre possível intenção dos empresários de deixarem o país. Joesley e Wesley Batista e a J&F jamais tiveram intenção de deixar o país. Ambos são brasileiros natos, residentes no país, com suas famílias aqui estabelecidas.

A J&F tem situação financeira robusta e preza pela manutenção de sua estreita relação de parceria com seus clientes e fornecedores. Além disso, possui um time de extraordinária competência, comprometido em fazer da J&F e de suas controladas empresas bem-sucedidas. A J&F tomará todas as medidas necessárias para que não reste nenhuma dúvida sobre sua solvência e capacidade financeira. Reitera ainda que as operações de suas empresas prosseguem em ritmo normal, alcançando resultados superiores ao orçamento aprovado para o ano corrente.