As declarações do presidente Jair Bolsonaro na manhã desta quinta-feira, 22, sobre mudanças em cargos de chefia da Polícia Federal reacenderam entre delegados a intenção de tornar o órgão autônomo e com mandato para o cargo de diretor-geral.

O ambiente atual, na visão de integrantes da cúpula da PF, é muito conturbado, e poderia ficar insustentável caso o presidente decida demitir o diretor-geral, Maurício Valeixo, que na semana passada indicou para chefiar a Superintendência do Rio de Janeiro um nome oposto ao sugerido por Bolsonaro.

A possibilidade de substituição de Valeixo foi citada pelo próprio Bolsonaro ao reafirmar, na noite da quarta e na manhã desta quinta, que é o responsável pela escolha do diretor-geral indicado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

“Agora há uma onda terrível sobre superintendência. Onze (superintendentes) foram trocados e ninguém falou nada. Sugiro o cara de um Estado para ir para lá (para o Rio de Janeiro)… ‘está interferindo’. Espera aí. Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral. Aí é… Não se discute isso aí”, disse Bolsonaro na manhã desta quinta, na saída do Palácio da Alvorada.

“O Valeixo pode querer sair hoje. Não depende da vontade dele. E outra, ele é subordinado a mim, não ao ministro. Deixo bem claro isso aí. Eu é que indico. Está bem claro na lei. Se eu for trocar diretor-geral, ministro, o que for, a gente faz na hora certa. Não pretendo trocar ninguém, por enquanto está tudo bem no governo”, falou Bolsonaro.

Ao ser questionado sobre se no momento existe ou não possibilidade de trocar o diretor-geral da PF, o presidente deixou em aberto. “Hoje eu não sei. Tudo pode acontecer na política.”

Para o presidente da Associação Brasileira de Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, as declarações do presidente representam uma “marcação de posição” em relação ao ministro da Justiça, Sergio Moro.

“Acreditamos que é marcação de posição porque uma mudança da PF, nesse quadro de instabilidade, vai causar crise de confiança dentro da PF em relação a um futuro diretor-geral. Seria muito ruim para a PF e para o governo porque vai ficar parecendo que há uma interferência. Acreditamos que ele não vai tomar essa decisão”, disse Paiva.

A ameaça velada de entrega de cargos na semana passada após o presidente anunciar a saída do superintendente do Rio de Janeiro, o delegado Ricardo Saadi, e dizer que o substituto seria o delegado Alexandre Saraiva, chefe em Manaus, desagradou ao presidente Jair Bolsonaro, mesmo com o recuo dele, ao dizer que “não tem problema” se fosse escolhido outro nome.

As novas declarações realçam que a instabilidade não só continua como pode aumentar.

“Se a troca do superintendente já criava problema, na sequencia uma troca de diretor-geral criaria mais instabilidade interna. O colega que vier a ser nomeado diretor-geral vai entrar dentro do clima de dúvidas, se está entrando para fazer intervenção”, disse Edvandir Paiva.

O cenário conturbado, segundo o presidente da ADPF, reforça a importância de se estabelecer um mandato para o cargo de diretor-geral.

Há propostas com essa temática em tramitação no Congresso Federal. Uma das propostas prevê que o diretor-geral seja nomeado pelo presidente com mandato em períodos não coincidentes e sabatina no Senado pela Comissão de Constituição e Justiça.

Uma proposta que trata de autonomia da PF tem como relator o deputado João Campos (PRB-GO), e está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

“Defendemos mandato de diretor-geral e mais autonomia para a PF. Não temos orçamentária nem gerencial sobre a polícia. Tanto que há pressão para troca de um cargo de quarto escalão”, disse Paiva. “Temos falado isso há dez anos. Estamos tranquilos porque não estamos falando de manteira oportunista”, disse ele.

“Vamos trabalhar com o Congresso e ver se há clima para aprovação de alguma espécie de autonomia gerencial financeira e orçamentária”, disse.

Sobre os comentários de Bolsonaro envolvendo superintendentes da PF, o presidente da ADPF disse que as onze trocas citadas por ele foram naturais em decorrência de o diretor-geral Maurício Valeixo ter assumido há 8 meses, em janeiro. Paiva ainda rebateu a versão de Bolsonaro de que a troca no Rio de Janeiro seria por critério de produtividade.

“Mudanças não podem ser por critério político. Têm que ser critério técnico”, afirmou.

Ao reconhecer que o presidente tem a prerrogativa de trocar o diretor-geral, Paiva disse que a classe vai precisar “ficar de olho para ver quais serão os procedimentos”.