A cena é cada dia mais comum: no meio de uma conversa, no ambiente de trabalho ou até à espera do ônibus, a pessoa saca do bolso algo que se parece com uma caneta ou um pen drive, leva à boca e em seguida solta uma fumaça. Um vapor, na verdade. É um reflexo de como os cigarros eletrônicos e seus similares, os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), têm se popularizado em vários pontos do País e junto a diferentes públicos, inclusive bem jovens. Segundo a pesquisa Covitel, da associação Umane, 19,7% dos jovens entre 18 e 24 anos disseram já ter consumido o produto. Ainda que muitos usuários não saibam, estão fora da lei, pois desde 2009 o uso e a comercialização desses aparelhos são proibidos no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Havia uma perspectiva, sobretudo por parte das multinacionais do tabaco que já atuam nesse segmento em outros países, de uma virada nessa história. Mas na primeira semana de julho, a Anvisa apresentou o resultado de uma avaliação iniciada em 2018 e manteve a proibição. De acordo com documento assinado pela diretora da agência, Cristiane Jourdan, não há sustentação técnica plausível para a regularização de qualquer tipo de DEF. “Autorizar o uso de tais produtos seria colocar em risco a saúde de dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras”, afirmou em seu voto para manter a proibição, compartilhado por mais três diretores da instituição. Entre as muitas justificativas aparecem a ausência de estudos a médio e longo prazos sobre os impactos à saúde e até o risco de explosões e envenenamentos por alguns tipos desses aparelhos.

NA MODA Demanda cresce entre o público jovem: um a cada cinco é consumidor. (Crédito:Istock)

CONTRAPONTO A indústria do tabaco rebate a decisão da agência. Diz que a proibição não está sendo efetiva, a julgar pelo crescimento desse mercado ainda ilegal. Segundo Delcio Sandi, diretor de Relações Externas da BAT Brasil (que era Souza Cruz e hoje é subsidiária da British American Tobacco), já são 2 milhões de pessoas usando esses dispositivos no País. Tudo sem controle de procedência ou composição das substâncias. “São produtos que não passam por qualquer inspeção sanitária”, afirmou. Em resumo, o Brasil por um lado proíbe, mas por outro é incapaz de fiscalizar sua venda e seu consumo.

A BAT Brasil tem se munido de estudos técnicos, científicos e mercadológicos, tanto do Brasil quanto de países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, e Canadá, para tentar reverter essa situação e conseguir a abertura do mercado brasileiro para os cigarros eletrônicos. É o caso de informações divulgadas pelo National Institute for Health Research, instituição britânica, sobre a probabilidade de o uso desses dispositivos ajudarem na redução do consumo de cigarros convencionais.

POLÊMICA SEM FIM Dispositivos eletrônicos são proibidos no País, mas indústria do tabaco critica a decisão e o crescimento da ilegalidade no mercado. (Crédito:Istock)

Flavio Goulart, diretor de Assuntos Corporativos e de Comunicação da JTI Brasil, subsidiária da Japan Tobacco International, reforça o coro sobre a importância da regulamentação no País, até para que haja base de fiscalização dos produtos. “A proibição vem desde 2009, mas o mercado já se estabeleceu e está crescendo”, afirmou. “Canadá e Inglaterra desenvolveram extensos estudos sobre o tema, que até serviram como subsídios para as discussões no Brasil.”

O debate sobre a regulamentação dos cigarros eletrônicos deve continuar, e não se trata apenas do desejo das indústrias do tabaco — altamente dependentes de alternativas. A própria Anvisa admite a necessidade de se intensificar ações de fiscalização e campanhas educativas. Quanto a novos passos, a área técnica da agência vai elaborar uma proposta de texto normativo e pode até seguir para uma consulta pública. Até lá, é proibido vapear.