O setor financeiro brasileiro está ensaiando uma espécie de volta às origens. A partir de agora, terá de se dedicar cada vez mais àquela que sempre foi sua atividade clássica desde a Idade Média: a concessão de crédito. Isso significa uma porção de coisas. Como o mercado está cada vez mais competitivo, os spreads deverão ser menores. Para segurar essa barra, os bancos terão de reduzir e reduzir os custos. Em outras palavras, serão obrigados a ganhar escala e eficiência, sob o risco de naufragarem espetacularmente. Há várias formas de trilhar esse caminho: abertura de novas agências, incorporação de instituições públicas e privadas, investimentos em tecnologia ou aumento do número de clientes. Os bancos pretendem lançar mão de todas essas armas. O sinal mais forte para a mudança foi dado pela compra do Banespa por R$ 7,05 bilhões pelos espanhóis do Santander. ?Com essa aquisição, o Santander poderá iniciar uma guerra de tarifas que certamente será acompanhada pelos demais bancos?, avalia Alberto Borges Matias, da ABM Consulting. ?O número de mortos e feridos será grande, porque os serviços financeiros são uma das principais fontes de receita dos bancos.?

O Itaú e o Unibanco, por exemplo, têm uma boa margem de gordura para entrar nessa guerra. A arrecadação do Itaú cobre 160% da folha de pagamento. Ou seja, paga todas as despesas com funcionários e ainda sobra dinheiro. No Unibanco, a cobertura é de 144%. No Santander, a receita é suficiente para pagar apenas 46% dos salários. ?O Santander tem como política manter as tarifas baixas. Com a compra do Banespa, os espanhóis ganham escala e poderão derrubar ainda mais os preços?, diz Matias. A mesma competição deverá se abrir em outro flanco, um verdadeiro território minado: a concessão de crédito. Os bancos emprestam e faturam com o diferencial da taxa de juros, o spread. ?O grande desafio será controlar a inadimplência?, diz Matias. Como a história já mostrou, instituições como o Excel Econômico começaram a ruir por conceder crédito indiscriminadamente. Por isso, os bancos estão investindo em sistemas de análise de risco. Há muito espaço para o crédito crescer. No Brasil, o volume de dinheiro emprestado corresponde a 29% do PIB, enquanto em países como os Estados Unidos chega a 100% do PIB. ?O nível de endividamento da população no País é baixo?, diz Matias. ?Existe, portanto, um grande potencial a ser explorado.? Se depender do Banco Central, o crédito cresce na marra. O BC está adotando medidas para baixar o spread da taxa de juros e, dessa maneira, aumentar a oferta de empréstimos.

Isso não é suficiente para os bancos. Para estar próximo aos clientes e oferecer seus serviços, é necessário ter o que os banqueiros chamam de rede de distribuição (leia-se agências). Em 2000, essa movimentação já foi observada nos números da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O número de agências voltou a crescer, após ter encolhido em 1998 e 1999. Foram abertos 102 pontos, totalizando 16.260 agências em todo o Brasil. ?A distribuição é importantíssima no negócio bancário?, diz Rafael Guedes, diretor da Fitch do Brasil, terceira maior empresa de classificação de risco do mundo.

O Bradesco, por exemplo, pretende investir entre R$ 250 milhões e R$ 300 milhões na ampliação e modernização de sua rede. Márcio Cypriano, presidente do banco, pretende abrir entre 60 e 70 agências em 2001, que se somarão à rede atual, de 2.594 pontos. Até o final de 2001, as mil maiores serão recauchutadas para se adaptar ao figurino do programa Bradesco Negócios. Elas ficarão menores e mais automatizadas. ?Essa é uma de nossas estratégias para conquistar mais 1 milhão de correntistas em 2001?, diz Cypriano. Em setembro, a carteira de clientes somava 10,1 milhões de clientes, praticamente um quarto do universo de 45 milhões de pessoas que trabalham com bancos no Brasil.

Os espanhóis do BBV Banco (antigo BBVA) também arregaçaram as mangas. Eles chegaram em janeiro de 2001 com 436 agências, um crescimento de 89% em relação ao início de 2000. Ainda têm autorização para abrir outros 975 pontos. Assim como o Bradesco, os espanhóis planejam conquistar mais 1 milhão de clientes até o final de 2001. É um tremendo salto para quem possui atualmente 400 mil correntistas. O presidente do BBVA, Vicente Benedito, dá uma pista do caminho que pode ser seguido. ?Estamos abertos para aquisições?, diz ele.

Não só eles. Todos os grandalhões do mercado, como Bradesco, Itaú e ABN Amro, não descartam a possibilidade de novas aquisições. O Unibanco, por exemplo, fechou o ano, anunciando a compra da totalidade da Fininvest (ver box na pág. 74) Até mesmo Gabriel Jamarillo, que acabou de assinar o cheque de R$ 7,05 bilhões em troca do Banespa, não teve seu apetite saciado. ?Queremos chegar ao topo do ranking nacional?, diz ele. Nos últimos dois anos, o Santander engoliu cinco de seus concorrentes. ?Crescer só abrindo novas agências não basta?, afirma José Francisco Cataldo, analista do banco Sudameris. ?Os bancos terão que ir às compras.?

Basta acompanhar o seguinte raciocínio para entender a afirmação de Cataldo: novas agências demoram, em média, um ou dois anos para se tornarem rentáveis. É um tempo que nem sempre os banqueiros estão dispostos a esperar. Além disso, a abertura de novos postos demanda treinamento de funcionários, compra de equipamentos e o garimpo, sempre difícil, de novos clientes.

O problema é que há cada vez menos opções para compra por preços cada vez maiores. O Banco Central planeja vender os bancos públicos de sete Estados até novembro de 2001: Goiás, Piauí, Amazonas, Maranhão, Santa Catarina, Paraíba e Ceará. ?O Besc, de Santa Catarina, é a melhor oferta. Fora ele, é melhor comprar bancos privados de pequeno porte?, acredita Brent Erensel, diretor da área de análise do Deutsche Bank, em Nova York.

O leilão do Besc é o mais aguardado, mas está atrasado. O Banco Central ainda não definiu o preço mínimo nem a modelagem da venda. Os outros bancos são considerados pouco atrativos. O Banco do Estado do Maranhão, por exemplo, já foi a leilão em julho deste ano. O Bradesco, o único interessado, pulou fora. ?São instituições pequenas e mal localizadas, que só interessam pelos créditos fiscais que carregam?, diz Pedro Gomes, da Fitch.

Além dos bancos públicos, sobram nacionais de pequeno, médio e grande porte. Na fila, já estão o Mercantil de São Paulo, de Gastão Vidigal, o Fator e o Mercantil do Brasil. O problema é o preço. ?Os R$ 7 bilhões que o Santander pagou pela Banespa valorizaram os demais ativos nacionais?, diz Alcides Amaral, presidente do Citibank. Para ele, a melhor maneira do Citi crescer no Brasil é por meio de aquisições. Sua rede de 35 agências não é suficiente nos cálculos de Amaral. ?É uma presença muito tímida para um mercado do tamanho do brasileiro?, afirma ele.

Os bancos ainda disputam outra corrida no campo da tecnologia. De acordo com a Febraban, eles deverão investir perto de R$ 3,1 bilhões em automação ao longo de 2001, um crescimento de 10% em relação a 2000. O objetivo é tirar o correntista da fila. Estão conseguindo. Hoje as transações automatizadas, realizadas sem a intervenção de um funcionário, respondem por 67% do volume total de operações, segundo dados de 1999. Em 1998, o auto-atendimento representava 60,3% das transações. A popularização no uso da Internet, que conta com 6 milhões de clientes cadastrados no País, contribuiu para o avanço.

Em 2001, uma outra discussão deve ganhar corpo: a possibilidade de venda dos bancos federais, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal (CEF). É um assunto carregado de interesses políticos e corporativos, o que deve arrastar o debate e, segundo analistas, inviabilizar a privatização. Mas com o apetite demonstrado pelo sistema financeiro no Brasil, nada mais parece impossível.

APOSTA NA BAIXA

Castro Neto, do Unibanco: negócio de R$ 480 milhões
Chegou a hora dos excluídos no sistema bancário. Os bancos brasileiros acordaram todos ao mesmo tempo para o mercado formado pela população de baixa renda e começaram a lutar pela oportunidade de vender planos de capitalização e seguros de vida a esses consumidores. A mais recente aposta veio do Unibanco. Testando o segmento desde 1996, quando comprou do Icatu metade da segunda maior financeira do País, a Fininvest, por R$ 70 milhões, o banco mostrou ter gostado da experiência e levou também o restante do capital ? mas, dessa vez, precisou pagar R$ 480 milhões. ?A Fininvest tem um cadastro de 7,3 milhões de clientes, quase o mesmo que o Banespa?, proclama Joaquim Francisco Castro Neto, vice-presidente do Unibanco. A alta no preço da metade que faltava do Fininvest dá a exata dimensão do valor que o segmento de menor renda ganhou na estratégia dos bancos. O Bradesco decidiu concentrar seu projeto de crescimento na conquista de clientes como camelôs e trabalhadores da economia informal ? a chamada população não bancarizada. Banco do Brasil e Caixa Econômica apostam nas agências correspondentes, abertas em casas lotéricas e postos dos Correios, para atingir o mesmo público. Com o controle da financiadora, o diretor do Unibanco afirma que estão sendo criados produtos sob medida para os que vivem no mercado informal.

Marcelo Aguiar