Uma das missões de Sundar Pichai no comando do Google tem sido reaproximar a empresa da Ásia. Mais do que isso, seu objetivo consiste em voltar a ter relações com a China, onde a companhia não opera com seu serviço de buscas desde 2010, quando decidiu que não atenderia as leis de censura impostas pelo governo local. Durante evento na cidade chinesa de Wuzhen, em dezembro de 2017, o CEO indiano disse que “muito do trabalho que o Google tem feito tem sido para ajudar as empresas chinesas”. A maior prova disso veio na semana passada. A empresa americana desembolsou US$ 550 milhões e adquiriu menos de 1% das ações do e-commerce chinês JD.com, fundado em 1998 por Richard Liu, em um negócio estratégico para as ambições da companhia que vale US$ 806,1 bilhões.

Rindo á toa: o JD.com, fundado por Richard Liu, é o segundo maior e-commerce da China (Crédito:VCG via Getty Images)

Com planos de ter 15 mil lojas físicas na China neste ano e atuando com e-commerce desde 2004, o JD.com é avaliado atualmente em US$ 58,1 bilhões. Com o investimento americano, a empresa chinesa passa a ter suas mercadorias exibidas no Google Shopping – categoria de pesquisa que lista os produtos ofertados por sites de comércio eletrônico. “Esta parceria abre uma ampla gama de possibilidades para oferecer uma experiência de varejo superior aos consumidores em todo o mundo”, afirmou Jianwen Liao, diretor de estratégia da JD.com, em um comunicado.

Com bons resultados na Ásia, a empresa movimentou US$ 16 bilhões durante o primeiro trimestre deste ano, 33,1% a mais do que em 2017, quando foi responsável por 25% das vendas digitais no país. O Alibaba, seu principal concorrente, representa 55% das vendas. “Esse é um movimento tático do JD.com para aumentar o alcance de aquisição de usuários”, afirma Adrian Lee, diretor de pesquisas da consultoria Gartner. “Eles têm uma grande infraestrutura de comércio eletrônico e buscavam por formas de maximizar seus recursos através de uma parceria de publicidade com o Google.”

Virtual e presencial: além de operar online, a JD.com quer abrir 15 mil lojas físicas em 2018 (Crédito:Wang huan)

A ideia inicial do Google parece ser estreitar relações com o governo chinês, mesmo que isso cause atrito com os Estados Unidos. “Eles não estão ligando para a política xenófoba de Donald Trump”, diz Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, em relação a guerra comercial que Estados Unidos e China travam (leia mais aqui). “É uma maneira de eles se blindarem de medidas protecionistas do governo americano.” Antes de encerrar a atuação de seu buscador na China, o site americano era responsável por 97,6% das pesquisas online realizadas no país, de acordo com dados da empresa de pesquisas StatCounter. Em maio deste ano, o percentual foi de apenas 1,47%. O líder atual é o chinês Baidu, que vale US$ 90,8 bilhões e respondeu por 70,2% das pesquisas.

A parceria entre Google e JD.com se mostra uma via de mão dupla. Entre os investidores do e-commerce chinês, destaque para a Tencent, responsável pelo aplicativo de mensagens Wechat, usado por mais de 1 bilhão de pessoas, e a varejista Walmart. Em 2017, Google e Walmart atuaram juntas em diversas áreas, com destaque para a oferta de produtos da varejista americana no assistente de voz Google Assistant. “Esse investimento dá ao Google mais acesso a dados de consumo”, disse Ali Mogharabi, analista da consultoria Morningstar, à agência de notícias Reuters. “Esses dados poderão ser usados para impulsionar o Google Shopping.”

Sundar Pichai, do Google: “Muito do trabalho que o Google tem feito tem sido para ajudar as empresas chinesas” (Crédito:Divulgação)

Essa não é a primeira tentativa do Google de voltar a operar com força na China. Em 2016 e em 2017, a empresa americana realizou um evento para desenvolvedores no país e criou sites para que esses profissionais pudessem se comunicar e publicar projetos. Sua maior porta de entrada, porém, segue sendo o sistema operacional de celulares Android. De acordo com a consultoria americana Statista, em dezembro de 2017, 78,7% dos smartphones na China usavam a plataforma do Google, contra 19,6% de aparelhos com sistema operacional iOS, desenvolvido pela Apple e só compatível com iPhones. “O e-commerce é uma das poucas plataformas em que o Google ainda não mostrou sua força”, diz Braga. “É um negócio bom para os dois lados.”

O Google não é a única grande empresa de tecnologia americana que quer ter negócios na China. Quem opera mais livremente neste cenário é a Apple, que, além de vender seus aparelhos no país, também os fabrica por lá. Em seu último ano fiscal, encerrado em setembro do ano passado, a companhia registrou lucro líquido de US$ 44 bilhões. Desse montante, 20% vieram do mercado chinês, o segundo mais importante para a empresa, atrás apenas do americano. O Facebook, que também está bloqueado no país desde 2009, tenta estabelecer sua presença em outras áreas, como com uma parceria com a fabricante de eletrônicos Xiaomi para a produção de óculos de realidade virtual. Sem conseguir competir no e-commerce contra o Alibaba, a Amazon também foca em outros negócios na China. No ano passado, a empresa de Jeff Bezos lançou versões chinesas do leitor de livro digital Kindle.