Diz o Velho Testamento que Deus anunciou a Moisés sete pragas que se abateriam sobre o Egito: rios cobertos de sangue, animais domésticos que morreriam misteriosamente e uma profusão de pestes que se alastraria de forma implacável. Nos últimos anos, a economia brasileira enfrentou várias pragas, como desemprego recorde, queda da renda, juros descontrolados e fuga de investidores. Vem aí mais uma: a alta dos juros internacionais, cuja conseqüência será a escassez de crédito externo para os governos e para as empresas de países emergentes como o Brasil. Quem anunciou a era de vacas magras aos mortais foi Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Num depoimento ao Congresso, na terça-feira 20, Greenspan disse o suficiente para disseminar uma onda de medo e precaução entre os investidores. ?Não há mais riscos de deflação nos Estados Unidos?, revelou o chairman do Fed, que é idolatrado como uma espécie de oráculo sagrado do ?Deus mercado?. A mensagem de Greenspan, indicando que os preços podem subir, foi entendida como um sinal de que os juros americanos, hoje em 1% ao ano, também estão prestes a aumentar ? e a reação foi imediata. As bolsas caíram em todo o mundo, o dólar subiu, os preços dos títulos da dívida externa recuaram e a percepção de risco dos países emergentes disparou. No caso brasileiro, a taxa subiu 2,51% e atingiu 612 pontos, o maior nível desde junho de 2003. ?O ambiente externo piorou no momento em que os indicadores internos também estão se deteriorando?, disse à DINHEIRO o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio da Rio Bravo. Entre eles, Franco cita as pressões políticas contra o ministro Antônio Palocci, a política fiscal menos rígida e a falta de iniciativa do governo. ?É isso que pode dar à crise externa uma dimensão maior do que a que ela efetivamente tem.?

O vento contrário que vem de fora pode ser explicado por dois fenômenos. O primeiro é a própria alta dos juros americanos, que fará com que os Estados Unidos, com um rombo nas contas externas de US$ 550 bilhões, comecem a dragar a maior parte da liquidez internacional. Os recursos que antes fluíam para os países emergentes, em busca de taxas de retorno maiores, tenderão a voltar ao porto seguro do mercado americano. Na quarta-feira 21, em Washington, esse foi um dos principais alertas do World Economic Outlook, o relatório sobre perspectivas econômicas globais divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no início da sua reunião de primavera. O segundo fenômeno é o superaquecimento da economia chinesa, cuja produção industrial se expandiu 20% no primeiro trimestre de 2004. ?Já estamos sentindo indícios de inflação?, confidenciou à DINHEIRO Wang Jun, chairman da Citic, um dos maiores grupos empresariais da China, ligado diretamente ao governo central de Beijing. Com isso, a tendência é que também haja um aperto monetário na China, o que causaria a queda dos preços internacionais de muitos produtos exportados pelo Brasil, como a soja, o açúcar, o minério de ferro e o aço. A consultoria Global Invest estima que o impacto negativo na balança comercial brasileira poderá ser de até US$ 4 bilhões.

 

A boa notícia é que, apesar da era de escassez que se aproxima, o Brasil hoje depende muito menos de recursos internacionais do que há alguns anos. Em 2001, o Brasil necessitava de US$ 56 bilhões para fechar suas contas externas e tinha reservas brutas, incluindo recursos do FMI, de US$ 35,9 bilhões. Ou seja: as reservas cobriam 64% do buraco. Por isso, qualquer fuga de investidores provocava movimentos bruscos na taxa de câmbio. Hoje, a situação se inverteu. As reservas estão em US$ 50 bilhões e a necessidade de financiamento externo é de US$ 36 bilhões. As divisas internacionais cobrem 140% do rombo. ?O ambiente internacional piorou, mas o impacto no Brasil será bem menor?, disse à DINHEIRO Rodrigo Azevedo, economista-chefe do Credit Suisse First Boston (CSFB), que estima que os juros americanos podem até triplicar, chegando a 3% ao ano. Suas contas indicam que, apesar disso, a desvalorização do real será suave e o dólar valerá cerca de R$ 3,10 no fim do ano. Outra analista, Marcelo Mesquita, do UBS Warburg, prevê que o Brasil fechará o ano com um saldo comercial inferior aos US$ 24,8 bilhões de 2003, mas com um número substancial: US$ 21,1 bilhões.

A perspectiva de alta dos juros americanos também serviu para travar o mercado de captações de recursos pelas grandes empresas brasi-leiras. Nas últimas semanas, nenhuma companhia levantou recursos externos. ?Há um compasso de espera porque os investidores e os tomadores de empréstimos ainda não sabem que condições irão prevalecer?, disse Azevedo, do CSFB. A vantagem é que muitas em-
presas aproveitaram a maré de liquidez do início do ano para reforçar suas finanças. Só entre dezembro de 2003 e março deste ano, foram captados mais de US$ 7 bilhões. A Vale do Rio Doce, por exemplo, levantou US$ 500 milhões, ao prazo de trinta anos. Assim como ela, muitas outras empresas estão com o caixa recheado de dólares. É oxigênio suficiente para enfrentar mais uma praga externa.