Ao comentar o lucro recorde da Caixa Econômica Federal em uma entrevista coletiva em São Paulo, na manhã da terça-feira 27, Gilberto Occhi, presidente do banco estatal, foi questionado sobre as especulações envolvendo sua mudança para um ministério. Occhi foi taxativo. “Eu continuo trabalhando na Caixa”, disse ele. “Estou feliz onde estou, veja só os resultados que obtivemos, e ainda tenho muito para contribuir.” Menos de 36 horas depois, o mineiro Occhi – que é filiado ao Partido Progressista (PP), e já foi ministro das Cidades e da Integração Nacional – seria “convidado” a assumir o Ministério da Saúde, no lugar do paranaense Ricardo Barros, que pretende disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Ainda não havia uma confirmação oficial de sua indicação ao ministério na tarde da quinta-feira 29, mas a mudança é dada como certa. Ao deixar o cargo, porém, Occhi pode se orgulhar de ter recolocado o banco estatal na rota do lucro sustentável em menos de dois anos na presidência.

O resultado obtido em 2017 é um recorde. O lucro total foi de R$ 12,5 bilhões, um aumento de mais de 200% em relação ao mesmo período de 2016 (observe o quadro na página 30). Boa parte desse desempenho foi obtido graças ao estabelecimento de um limite para os gastos com saúde dos funcionários, tanto na ativa quanto aposentados, e seus dependentes. “Estabelecemos um teto, que está vinculado à folha de pagamentos”, diz Occhi. “Conseguimos fazer isso sem retirar nenhum direito dos funcionários.” A mudança permitiu que o banco fizesse o cancelamento contábil de um gasto previsto. O nome, um tanto assustador, é reversão de provisões atuariais. Com isso, o banco contabilizou R$ 5,2 bilhões a mais em seu resultado.

Serviço público: além de atuar como banco comercial, a Caixa é o principal operador de programas de governo, como o Bolsa Família, o FGTS e as loterias. Em 2017, as apostas arrecadaram R$ 13,9 bilhões (Crédito:Humberto Franco)

No entanto, os números foram bons independentemente desse evento excepcional. Considerando-se apenas os resultados recorrentes, aqueles que vêm dos ganhos com juros e com tarifas de serviços, a Caixa lucrou R$ 8,6 bilhões, um aumento de quase 107% em relação a 2016. “Conseguimos fazer isso sem aumentar significativamente nosso total de ativos e até mesmo com uma pequena redução na carteira de empréstimos”, diz Occhi. O total de financiamentos encolheu 0,4%, recuando de R$ 709 bilhões, em 2016, para R$ 706 bilhões em 2017. Apesar disso, o ganho com esses empréstimos subiu 29,5%, de R$ 24,1 bilhões, em 2016, para R$ 31,2 bilhões no ano passado. “Esse foi um resultado excepcional”, diz Erivelto Rodrigues, diretor da empresa de análises Austin Ratings. “O ganho aumentou porque a Caixa conseguiu pagar menos na captação de recursos, mas manteve as mesmas receitas ao emprestar”, diz Arno Meyer, vice-presidente de Finanças do banco.

Os números de 2017 mostram que a Caixa conseguiu se reaprumar após anos difíceis. Diferente de seu primo-irmão, o Banco do Brasil – que é basicamente um banco comercial, e cujo único programa estatal são os financiamentos agrícolas com recursos subsidiados – a Caixa tem uma missão dupla. Além de ser um banco, ela é a operadora de programas estatais gigantescos. É o grande financiador da habitação, concedendo dois de cada três reais de crédito para pessoas e empresas comprarem imóveis.

Habitação e governança: Caixa responde por quase 70% dos financiamentos imobiliários. Problemas, como a salvação do Panamericano, no governo do PT, estão superados (Crédito:Eliaria Andrade/Ag. o Globo e Divulgação)

No fim de 2017, o total de financiamentos imobiliários nacionais era de R$ 624 bilhões. Desses, R$ 423 bilhões vieram da Caixa. O banco também responde pela gestão dos R$ 489 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FTGS) e é o pagador de benefícios do Bolsa Família. Foram 158 milhões de pagamentos no ano passado, que distribuíram R$ 27,8 bilhões aos beneficiários. Somem-se a esses os R$ 313,7 bilhões pagos em seguro-desemprego e demais benefícios sociais, e os R$ 13,9 bilhões arrecadados com a exploração de loterias e jogos.

Tantas atribuições – e tanto dinheiro – atiçam a gula dos políticos. Em meados de janeiro deste ano, a Caixa teve quatro de seus vice-presidentes afastados, devido a suspeitas de corrupção e uso político. Funcionários de carreira do banco, os afastados haviam sido indicados por ligações políticas, inclusive com o ex-presidente da Câmara Federal, o ex-deputado Eduardo Cunha. O incidente gerou mudanças no estatuto da Caixa. Pela nova norma, o presidente e os vice-presidentes, antes indicados diretamente pelo Presidente da República, passam a ser escolhidos pelo Conselho de Administração, como ocorre no Banco do Brasil. Os candidatos passarão por um comitê de indicação interno, terão de cumprir exigências técnicas e, em alguns casos, o Conselho poderá contratar empresas de recrutamento. “Consideramos isso um avanço na governança do banco”, diz Occhi. Bom sinal. “A Caixa se meteu em péssimos negócios nos governos passados”, diz o consultor e especialista Carlos Daniel Coradi.

As mudanças são positivas pois, nos governos anteriores do PT, a Caixa socorreu instituições financeiras problemáticas, como o então banco PanAmericano, do empresário Sílvio Santos. Ao lado do BTG Pactual, a Caixa ainda é sócia do banco, renomeado Pan. Segundo Meyer, o Pan voltou a divulgar bons resultados. “O banco apresentou um lucro de R$ 200 milhões no ano passado e as operações estão normalizadas”, diz Meyer. O ano foi bom para a Caixa e as bases para um crescimento sustentável estão lançadas. Porém, os próximos resultados não deverão ser tão excepcionais. “A tendência, com a queda dos juros, é que a rentabilidade da carteira de crédito diminua, não só para a Caixa, mas também para os demais bancos”, diz Rodrigues, da Austin. De saída, Occhi está otimista. “O banco voltou ao caminho certo.”


“O ajuste é permanente”

Gilberto Occhi, presidente da Caixa, falou com a DINHEIRO após anunciar os resultados do banco. Na quinta-feira 29, seu nome era dado como certo para o Ministério da Saúde

Como o senhor avalia o resultado da Caixa?
O resultado foi excepcional, e ele teve uma contribuição muito grande dos dirigentes da Caixa. Todos se envolveram na busca de melhorias, no aumento da eficiência e na geração de resultados, e explica os resultados recorrentes de R$ 8,6 bilhões no ano passado.

E os resultados não-recorrentes?
Os resultados não-recorrentes foram significativos. A Caixa enfrentou uma situação que todas as empresas estatais que oferecem benefícios de pós-emprego terão de se ajustar nos próximos anos.

O que foi feito?
Estabelecemos um teto com os gastos de saúde que representa um percentual da folha de pagamentos. Isso permitiu reverter uma provisão de despesas futuras de quase R$ 5 bilhões, que foi o grande responsável para o aumento do resultado total da Caixa. Eu gostaria de frisar que fizemos isso sem retirar nenhum direito de nenhum funcionário, aposentado ou familiar. Todo o processo foi negociado. E também fizemos mais ajustes

Quais?
Realizamos dois Planos de Desligamento Voluntário (PDV) em 2017. No primeiro momento eles geram despesas de desligamento, tanto que as despesas de pessoal cresceram 6,6% em 2017 em relação a 2016, mas esses PDVs terão consequências mais positivas na redução das despesas de pessoal a partir deste ano.

O processo de ajuste acabou?
Não, o processo de ajuste é permanente. Vamos continuar focados na redução de despesas. Em 2017 fizemos algo inédito na Caixa, uma campanha para que os funcionários pudessem contribuir com ideias para melhorar a receita de prestação de serviços e o atendimento. Ontem (na segunda-feira, 26), premiamos 26 novas ideias oriundas dessa campanha.

A imprensa noticiou que a Caixa não vai pagar dividendos ao Tesouro neste ano para reforçar seu capital. Isso é verdade?
Não. Isso é uma especulação sem fundamento. A Caixa vai pagar normalmente seu dividendo mínimo obrigatório de 25% dos lucros ao Tesouro Nacional.