Era para ser um ano de forte crescimento na construção civil. Veio a Covid-19 e 2020 corre o sério risco de entrar para a história com um período de encolhimento. O PIB do setor pode desabar até 10% neste ano, depois de uma discreta retomada em 2019, quando houve expansão de 1,6%.

“Vai demorar um pouco para começarmos a falar em recuperação”, afirma o analista Renan Miranda, da XP Investimentos. “Não era uma situação que se podia prever. Vamos observar um período de ressaca depois da pandemia.” A volta à estaca zero é como um déjà-vu de uma época muito muito distante. Entre 2014 e 2018, quando o mercado imobiliário sofreu com as incertezas do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, alta do desemprego e ritmo lento da economia, a atividade contabilizou queda de 30%. Não há mágica para transformar crise em crescimento no mercado da construção. Além do sumiço dos clientes causado pela pandemia do coronavírus, fatores como desemprego, queda de renda e restrição de crédito tendem a aprofundar as dificuldades da empresas do mercado imobiliário. Um estudo da LCA Consultores mostra que o PIB da construção pode cair em torno de 7,5% a 10% neste ano. “Todas as condições se tornaram muito ruins para o setor. A confiança de empresas e dos consumidores desabou, enquanto bancos e tomadores de crédito ficaram mais cautelosos”, diz Francisco Pessoa, analista-sênior da consultoria. Para ele, no cenário-base do estudo há uma margem de queda de 5% a 10%, mas o resultado pode ficar entre 7% e 8%. Já para o PIB total do Brasil, a LCA estima queda de 3,5% no ano. Antes da pandemia, a expectativa era de crescimento entre 2% e 4% para 2020.

SEM ESTABILIDADE Um fenômeno externo que contribui para a deterioração do ambiente da construção civil é o derretimento do mercado financeiro. Os grandes financiadores de obras, que são bancos públicos e privados, além de fundos de investimentos, podem fechar a torneira e estancar as fontes de recursos fundamentais para as construtoras. Além disso, as peripécias do presidente Jair Bolsonaro, inclundo trocas de minisros por razões de ordem pessoal, ajudam a criar mais instabilidade no ambiente de negócios. “Tudo conspira contra as empresas que olham para o Brasil como um país sério e um destino confiável para investir”, diz o economista José Savasini. “Sem estabilidade no âmbito político, não há como prever uma recuperação da confiança.”

As dificuldades do setor imobiliário não se limitam aos negócios das grandes construtoras. Na avaliação da coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Ana Maria Castelo, os segmentos que devem sofrer mais são os de autoconstrução (pequenas obras e reformas tocadas por famílias) e autogestão (pedreiros e empreiteiros autônomos). Cerca de 48% do PIB da construção vêm dessas obras, e sobre elas, o aumento do desemprego e a forte queda de renda provocada pela pandemia pesam ainda mais. O Ibre/FGV estima queda de 7,2% no PIB da construção em 2020 e recuo de 3,4% no PIB total. Por enquanto, as estimativas são muito preliminares, mas não há dúvida de que o impacto vai ser grande. “Os problemas são as obras que estão para começar e a queda na demanda”, diz a economista Ana Maria Castelo. “Depois, não haverá uma recuperação rápida. Por isso, o investimento público é fundamental”, afirma.

O que é ruim para as empresas que atuam no mercado de novas casas, apartamentos e escritórios, é péssimo para as que se dedicam às grandes obras de infraestrutura. Na visão do diretor de planejamento e economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Igor Rocha, seria fundamental o setor público ter projetos qualificados de infraestrutura, obras multiplicadoras de receita, produtividade e empregos. Para ele, é preciso investir maciçamente em obras como construção e modernização de portos, aeroportos, programas habitacionais e hospitais, entre outros. Pelos seus cálculos, cada R$ 1 bilhão investido gera 20 mil empregos.

CONFORTO Nem todos os especialistas, no entanto, enxergam o apocalipse no mercado da construção civil. Para o economista Marcelo Mizrahi, analista da Ibiúna Investimentos, as empresas do setor estão bem capitalizadas paras enfrentar a crise atual, diferentemente do cenário visto em recessões anteriores. “Hoje não vejo nenhum problema de liquidez nas principais empresas da construção civil, algo bem diferente da situação enfrentada em 2008, por exemplo”, afirmou Mizrahi, em videoconferência. “Há um conforto financeiro para os próximos seis a 12 meses.”

CADÊ OS CLIENTES? Plantão de vendas em São Paulo completamente vazio retrata o queda brusca no setor imobiliário causado pelo isolamento social e paralisação da economia. (Crédito:Divulgação)

Esse otimismo está em linha com a visão do economista Leonardo Rufino, da Pacífico Investimento. Para ele, a alta do dólar deve fazer com que recursos externos ajudem a financiar o setor imobiliário, assim que a pandemia passar. “Com a crise e com o dólar, o setor imobiliário ficou barato”, garante. Como em uma obra, resta esperar para ver se na entrega das chaves tudo estará como planejado.