A confissão veio do vice-presidente da República. “É muita gente operando na ilegalidade”, afirmou Hamilton Mourão como parte de uma má-sucedida explicação sobre o aumento do desmatamento da Amazônia. Os dados divulgados pelo Inpe no início do mês foram referendados na quarta-feira (11) pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Somente no mês de abril, 1.197 km² de árvores foram derrubados. O número, que representa 54% a mais do que o registrado no mesmo mês de 2021, foi o pior dos últimos 15 anos, desde que o instituto iniciou o monitoramento por satélites, em 2008. O presidente Jair Bolsonaro não perdeu tempo. Postou em seu Twitter um vídeo, em inglês, afirmando que as acusações da comunidade estrangeira de que o País não protege o meio ambiente são uma mentira — mas a real falácia está nos argumentos usados por ele. Junte a confissão de Mourão, os dados de desmatamento, o vídeo postado pelo presidente e o resultado é que o Brasil, um potencial protagonista da economia verde, virou chacota internacional.

No vídeo postado, Bolsonaro defende a comparação com outros países para justificar o injustificável. E mente. Em um dos exemplos mais gritantes de manipulação da narrativa, ele afirma que os países do G20 são responsáveis por 78% da emissão de monóxido de carbono (CO). A questão é que o tal gás, apesar de poluente, sequer figura na lista dos 20 piores gases de efeito estufa (GEE). Em lista publicada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o dióxido de carbono (CO2) figura em primeiro lugar, com 60% de contribuição para a elevação da temperatura global, seguido por metano (20%), óxido nitroso (6%) e uma extensa lista de halogenados como o HFC (sigla para hidrofluorcarbonetos, gases usados em aparelhos de refrigeração, aerosóis e solventes). O Brasil é hoje o 12º país que mais emite CO2 e o quinto em metano. Em outro momento, o vídeo de Bolsonaro afirma que apenas 7% da área total do País é usada pela agricultura, enquanto 14% correspondem a terras indígenas. Faltou ao presidente somar pastagens e áreas degradadas pelo agronegócio não profissional. De acordo com o IBGE, aos 7,8% usados pela agricultura, somam-se outros 13,2% de pastagens plantadas e 8% de pastagens nativas, vegetação que surge após a destruição parcial ou total da vegetação original. Total: 29%.

Todos esses dados são públicos e foram divulgados por órgãos governamentais. Que imagem tem, então, um País em que o próprio presidente manipula as informações descaradamente? A reputação do Brasil vai sendo corroída no mesmo ritmo em que as entidades de proteção ambiental são desmanteladas. Nos últimos quatro anos, Ibama, IcmBio e Ministério do Meio Ambiente sofreram sucessivos cortes de orçamento, processo de politização de seu comando e redução de quadro técnico. Em muitos casos, sua função foi desvirtuada. Um chefe de Estado que mente mostra que não é apenas imoral. No caso brasileiro, revela ainda sua visão apequenada de potencial de crescimento do País ao descartar os milhões de dólares em jogo na economia verde.

De acordo com o relatório “Estado das Finanças para a Natureza”, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, cerca de US$ 8,1 trilhões devem ser investidos até 2050 para que o mundo enfrente com sucesso as crises de clima, biodiversidade e degradação da terra. Já a publicação científica Nature Sustainability divulgou um estudo em que mapeia o potencial de movimentação da bioeconomia da Amazônia em US$ 7 trilhões.

E se Bolsonaro disse uma verdade no vídeo publicado, é que a Floresta Amazônica é uma riqueza brasileira e que a matriz energética limpa coloca o Brasil em uma enorme vantagem competitiva perante o resto do mundo. O assunto é grave. O presidente prefere atacar os outros países usando informações falsas que o colocam no papel de bobo da corte ao invés de estruturar um robusto plano para colocar o País como o grande protagonista global da revolução verde. Se agisse dessa forma, não precisaria de um vídeo repleto de inverdades para contestar os números indefensáveis do desmatamento na Amazônia. Bastaria falar a verdade.

Lana Pinheiro é editora de ESG da DINHEIRO