A frase entre aspas acima costuma ser atribuída ora a Mario Quintana, ora a Monteiro Lobato, talvez por confusão com o aforismo “Um país se faz com homens e livros”. Ao que tudo indica ela foi dita pelo editor Caio Graco Prado — alguém que soube como poucos despertar o interesse dos brasileiros pela leitura durante os anos em que comandou a Editora Brasiliense. Por mais óbvia que pareça, a afirmação de que livros só mudam as pessoas conduz a uma verdade inquestionável. Sem compreender o mundo não se pode melhorá-lo.

Talvez Luciano Huck nem tenha essa ambição, mas está fazendo sua parte para que possamos compreender — e mudar — o Brasil. Isso não se deve a seu trabalho como apresentador de TV e nem pela eventual candidatura à Presidência da República. Ao estrear como autor, com o livro De Porta em Porta (Objetiva), lançado nesta semana, é que ele se coloca na posição de quem pretende transformar a sociedade. Ao menos é essa a proposição feita logo no Prólogo, quando Huck afirma que o “‘Brasil do futuro não irá se materializar por geração espontânea”. Para ele, construir um país mais justo depende de um “pacto entre todas as classes — incluindo aquele 1% representado pela elite, que precisa se comprometer com a diminuição da desigualdade”.

Como excelente vendedor que é (basta lembrar quantas campanhas publicitárias ele já estreou) Huck sabe que conclamar um pacto nacional para romper o ciclo de pobreza hereditária que impede o Brasil de ser mais próspero exige um argumento econômico. Ei-lo: “O topo da pirâmide precisa entender que a redução da desigualdade é algo bom, também, para o bolso.” Até aí, o discurso parece um completo clichê. Só que não.

Alternando capítulos intitulados Da Porta para Dentro e Da Porta para Fora, o livro combina parte dos aprendizados que o apresentador acumulou em histórias narradas por pessoas que passaram pelo programa Caldeirão do Huck a episódios de sua própria biografia. O primeiro reproduz a angústia do acidente aéreo ao qual ele e sua família sobrevieram.

Mais importante para mudar o País, porém, são as entrevistas com influentes intelectuais da atualidade. É aí que sua contribuição transformadora se torna mais palpável. Huck entrevistou diversas estrelas do pensamento contemporâneo. Os mais conhecidos são o historiador israelense Yuval Noah Harari (dos best-sellers Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã e 21 Lições para o Século 21), o economista francês Thomas Piketty (de O Capital no Século XXI), e o filósofo americano e professor de Harvard Michael Sandel (de Justiça: O que É Fazer a Coisa Certa e A Tirania do Mérito: O que Aconteceu com o Bem Comum?). Além deles, Huck ouviu muitas outras cabeças que moldam a forma como podemos compreender o mundo, especialmente após a pandemia de Covid-19. As entrevistas foram publicadas originalmente no jornal O Estado de S.Paulo. Reunidas no livro, oferecem a oportunidade de cotejar diferentes visões do mesmo tema. Ou comparar exemplos internacionais com o que ocorre hoje no Brasil.

Nesse sentido, é alarmante a fala da historiadora americana Anne Applebaum, vencedora do prêmio Pulitzer e autora de O Crepúsculo da Democracia. Baseada em sua observação do avanço da direita na Polônia, ela deu dois conselhos essenciais para quem teme, com razão, a truculência do bolsonarismo: “Não os deixem dominar a mídia e, sobretudo, não os deixem alterar o sistema judicial”, afirmou. Da advertência de Applebaum, Huck extrai a dele: “A grande ameaça atual às democracias não se dá por meio de tanques de guerra e soldados. Estamos vivendo o perigo dos golpes ‘cupim’ — aqueles que vão corroendo a democracia por dentro. Trata-se de governos eleitos democraticamente, em sua maioria com uma narrativa populista, usando as falhas disfuncionais das redes sociais para amplificar suas mensagens e minar a estrutura do Estado.”

Pensando nesses termos, talvez a conclamação ao golpe que Bolsonaro e seus apoiadores pretendem levar a cabo em 7 de setembro seja uma ameaça menor ao País do que a destruição colocada em marcha desde o dia 1º de janeiro de 2019, quando o Messias recebeu a faixa presidencial. Nenhum livro vai mudar a condição lastimável à qual o Brasil foi submetido na eleição de 2018. Só quem pode fazer isso somos nós, as pessoas.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO