Quando o assunto é a liberação de verbas para as emendas parlamentares, são raros os exemplos – se é que eles realmente existem – de congressistas que priorizam os interesses do País. Nas últimas semanas, os deputados federais pressionaram o governo federal a aumentar radicalmente as metas de déficit fiscal. O objetivo não era o de buscar uma solução para as contas públicas, mas, sim, o de criar uma folga no caixa para que mais recursos sejam destinados a projetos nos seus currais eleitorais. Felizmente, a equipe econômica bateu o pé, adiou o anúncio da revisão duas vezes e acabou piorando a meta em “apenas” R$ 20 bilhões neste ano e R$ 30 bilhões em 2018.

Se dependesse dos parlamentares, que contavam com a anuência da ala política do governo, seria o dobro disso, em até R$ 40 bilhões. A frustração de receitas e a dificuldade de enxugar gastos mostram o tamanho do desafio que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, têm pela frente. Quando assumiram suas funções em maio do ano passado, eles acalmaram o mercado ao sinalizar uma trajetória decrescente do déficit fiscal O rombo começaria em R$ 170,5 bilhões em 2016 (na prática, o governo entregou um déficit de R$ 154,3 bilhões), que cairia gradativamente ao longo dos dois anos seguintes, até desaparecer em 2020.

Agora, após a revisão anunciada na terça-feira 15, as contas públicas vão piorar em 2017 e 2018, terão uma leve melhora em 2019 e 2020 e voltarão ao azul apenas em 2021 (leia quadro “Buraco sem fim”). A decisão vai aumentar a relação dívida bruta/PIB do País, que poderá chegar a 92% em 2020, segundo projeções do Banco Santander. Em 2013, a dívida bruta equivalia a 51,5% do PIB. “Melhor essa providência [de revisar a meta] do que o aumento de impostos, que a sociedade não aceita em hipótese nenhuma”, diz Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

No nosso bolso, não: servidores da Justiça Federal protestam, em São Paulo, por mais recursos. O funcionalismo ameaça fazer greve contra o adiamento do reajuste salarial (Crédito:Adriana Toffetti / A7 Press)

Ao explicar as revisões, o ministro da Fazenda tentou minimizar as críticas feitas por especialistas à falta de sensibilidade dos parlamentares. “É uma mudança técnica, baseada na realidade, e não houve nenhum componente político ou vitórias e derrotas dentro do governo”, afirmou Meirelles. “Foi uma discussão que se deu no âmbito dos ministérios da Fazenda e do Planejamento.” Na prática, no entanto, as negociações foram duras até momentos antes do anúncio. Na própria terça-feira 15, Meirelles e Dyogo foram a um café da manhã na residência do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para convencer os líderes da base aliada de que o quadro fiscal é grave.

A dúvida é se a vitória da ala econômica não pode resultar na perda de votos a favor da reforma da Previdência Social pelo chamado Centrão (PP, PSD, PR, SD, PTB, PRB e PSC), sempre ávidos por cargos e verbas. A nova meta fiscal de R$ 159 bilhões para 2017 e 2018 só não foi maior porque houve contrapartidas do lado da receita e das despesas (leia quadro ao final da reportagem). O governo estima, por exemplo, arrecadar R$ 4 bilhões em 2018 com a reoneração da folha de pagamentos de diversos setores, que atualmente têm o benefício de pagar menos impostos. Outra medida, que vai render R$ 2,6 bilhões aos cofres públicos, é o cancelamento do aumento de 2% para 3% do Reintegra, mecanismo que desonera as exportações.

Além disso, estão previstos mais R$ 6 bilhões que serão cobrados dos fundos de investimentos exclusivos, em 2018. Esses investidores, que só pagavam Imposto de Renda (IR) no saque, passarão ser tributados anualmente (leia reportagem aqui). A equipe econômica também vai mexer no bolso do funcionalismo público, alterando a alíquota previdenciária e adiando o reajuste salarial prometido. Tão difícil quanto recalibrar as receitas e as despesas será a aprovação do pacote fiscal no Congresso Nacional.

De todas as medidas, apenas duas não dependem do aval dos parlamentares: a extinção de 60 mil vagas e o cancelamento do aumento do percentual do Reintegra. A maior resistência parte dos servidores públicos, que estão inconformados com o adiamento do reajuste salarial prometido. “A nossa pressão é no Congresso, nas ruas, e vamos fazer greve dentro dos órgãos públicos contra as medidas”, afirma Valter Cézar Dias, diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condserf). A própria revisão das metas também terá um trâmite difícil. Há um clima nada amistoso na Comissão Mista de Orçamento, a primeira etapa da votação, por causa dos 67 vetos do presidente Temer à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Com as novas metas ampliadas, o rombo total até 2020 será de R$ 522 bilhões. O receio da equipe econômica era de que as agências de classificação de risco imediatamente rebaixassem a nota do Brasil. Meirelles agiu de forma preventiva e ligou para cada uma delas, explicando o plano fiscal e pedindo um voto de confiança. Deu certo. No mesmo dia do anúncio da meta, a Standard & Poor’s reafirmou a avaliação BB (grau especulativo) para o País, retirando a observação negativa. Isso significa que o Brasil não será rebaixado no curto prazo, embora a perspectiva de médio prazo ainda seja ruim.

“O impacto da revisão das metas é ruim do ponto de vista da capacidade do governo de pagar suas dívidas ao longo do tempo”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “É como um cidadão comum que continua se endividando, e não consegue vender ativos nem reduzir despesas como deveria.” Para o presidente Michel Temer, o mal maior, que seria o aumento de impostos, foi evitado. “Agora o Brasil tem rumo”, afirmou, na quarta-feira 16, a uma plateia de investidores, em São Paulo, salientando a importância das reformas estruturais. “Estamos fazendo em 17 meses o que em 20 anos não se fez.”

Em meio à queda de braço com a ala política, a equipe econômica se deparou com poucas opções, que incluíam até aumento de impostos e corte de investimentos públicos. O “balão de ensaio” sobre a criação de uma nova alíquota do Imposto de Renda (IR) para os mais ricos já havia sido rechaçado, na semana anterior, por congressistas e pela opinião pública de uma forma geral. Na noite da segunda-feira 14, cerca de 500 economistas, que estiveram reunidos, em São Paulo, no evento de premiação “Economista do Ano”, responderam uma enquete sobre qual seria a melhor solução para o problema fiscal.

Eles não aprendem: além de pressionar o governo por mais verbas, os parlamentares debatem a criação de um fundo de R$ 3,6 bilhões para as eleições em 2018 (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Do total, 53% optaram por não revisar a meta e cortar investimento público; 39% preferiram alterar a meta, ampliando o déficit; e apenas 8% defenderam o aumento de impostos. “Realmente, todas as opções colocadas à mesa são ruins para a economia”, afirma Manuel Enriquez Garcia, presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB). “Não há uma saída ótima.” Na avaliação dos especialistas, a ampliação do déficit era inexorável diante da frustração de receitas, que decorre de dois problemas. O baixo crescimento econômico, que afeta a arrecadação de impostos, e a dificuldade do governo de obter receitas extraordinárias, como as previstas no novo Refis e na nova etapa do programa de repatriação de recursos.

No primeiro caso, o Congresso Nacional desfigurou completamente o projeto original, oferecendo descontos de até 99% para as empresas devedoras. Isso obrigou o governo a rever todo o programa. Na ponta do lápis, ficou impossível arrecadar os R$ 13 bilhões previstos para esse ano. No caso da repatriação de recursos não declarados, o valor estimado inicialmente também era de R$ 13 bilhões, mas o governo só obteve R$ 1,6 bilhão. A salvação para 2018 virá principalmente do programa de concessões, que terá ativos atraentes, como o aeroporto de Congonhas, e que podem gerar bons ágios (leia reportagem aqui).

O próximo passo da equipe econômica é retomar os debates em torno da reforma da Previdência Social, crucial para a sustentabilidade fiscal do País no longo prazo. Confiante na aprovação, o ministro da Fazenda garante que não há um plano B desenhado. “Nós teremos um problema [se a reforma não for aprovada]”, disse Meirelles, em São Paulo, na quarta-feira 16. “É importante que passe pelo menos o escopo básico da reforma da Previdência, a idade mínima e o período de transição.“ Embora inexista um grande apoio popular ao tema, que sofre críticas falaciosas nas redes sociais, a parcela mais esclarecida da sociedade defende amplamente as mudanças nas regras das aposentadorias.

Na premiação “Economista do Ano”, 84% dos votantes disseram sim à reforma proposta pelo governo. O difícil mesmo será angariar os votos necessários na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Além de pressionar o governo por mais verbas, ignorando a gravidade do problema fiscal, os parlamentares andam focados em criar um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões para financiar a campanha eleitoral de 2018. A gastança de dinheiro público ainda não foi aprovada, mas a sinalização vinda do Congresso Nacional foi novamente negativa. Eles, ao que parece, não aprendem.