No dia 12 de setembro do ano passado, a empresária Luiza Trajano viveu uma situação inusitada na sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Radiante, a presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza anunciou a abertura de 60 lojas no País, numa clara demonstração de confiança na recuperação econômica. Indagada se a capital fluminense receberia alguma unidade, Luiza Trajano, constrangida, explicou que a tia dela Luiza, fundadora da rede e hoje aos 91 anos, nunca aceitou abrir lojas no Rio de Janeiro. “Minha tia, quando viajava com empresários do varejo para o Rio, ficou impressionada com a quantidade de roubos de carga, e morre de medo”, afirmou a empresária.

Nos últimos meses, o quadro de insegurança piorou muito e levou o presidente Michel Temer a decretar, na sexta-feira 16, intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. “Chega! Basta! Não vamos aceitar que matem o nosso presente e não vamos deixar que assassinem o nosso futuro”, afirmou Temer, ao anunciar o decreto. A presença das Forças Armadas traz uma esperança à população de que a situação melhore, mas os danos à economia fluminense já são visíveis e, em muitos casos, irreversíveis. Quatro dias antes, na segunda-feira de Carnaval, a escola de samba Beija-Flor desfilava na Sapucaí com um enredo repleto de críticas sociais. Uma das alegorias da escola de Nilópolis protagonizou cenas simuladas de assaltos, arrastões, policiais mortos e vítimas de balas perdidas.

O novo chefe: o general Walter Souza Braga Neto (à direita, ao lado do ministro da Defesa, Raul Jungmann) será interventor da segurança do RJ (Crédito:Márcia Foletto / Agência O Globo)

Campeã de 2018, a Beija-Flor retratou cenas que se repetiam, na vida real, do lado de fora do sambódromo e em vários pontos do Rio de Janeiro – a atriz Juliana Paes, rainha de bateria da Grande Rio, foi assaltada a caminho do desfile. Enquanto isso, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) estava em viagem à Europa e o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), sem um plano de ação preparado para o maior evento turístico do ano, admitia falhas no planejamento e clamava por ajuda do governo federal. “Não estávamos preparados”, disse Pezão, na quarta-feira 14. “Eu acho que houve um erro nosso, não dimensionamos isso.” A decisão sobre a intervenção federal na segurança pública foi tomada em uma reunião em Brasília, na noite da quinta-feira 15. Atendendo ao pedido do governador do Rio, o presidente Temer decretou a ação que, na prática, transfere ao Exército o controle sobre as polícias e o Corpo de Bombeiros.

O interventor escolhido é o general Walter Souza Braga Neto, do Comando Militar do Leste (CML). É necessária ainda a aprovação do decreto pelo Congresso Nacional em um prazo de dez dias, conforme determina a Constituição Federal. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que participou da reunião no Palácio do Jaburu, garantiu que a votação ocorrerá na noite da segunda-feira 19 ou na manhã da terça-feira 20. O parlamentar classificou a decisão de “muito contundente, dura e num momento extremo”. “Como o governador disse que era o único caminho, parece que, nestas condições, a forma de restabelecer a ordem é essa”, afirmou Maia, na manhã da sexta-feira 16. A pauta da segurança pública tende a ganhar espaço no Congresso Nacional, dificultando ainda mais os planos do governo de votar a reforma da Previdência Social ainda em fevereiro. O próprio presidente da Câmara já vinha sinalizando as dificuldades para angariar os 308 votos necessários à aprovação das novas regras de aposentadorias.

Intervenção: o presidente Temer assina o decreto ao lado do governador Luiz Fernando Pezão (à dir.) e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (Crédito:Beto Barata/PR)

ABALO ECONÔMICO A insegurança pública no Rio de Janeiro vem gerando prejuízos à economia local há muitos anos. Nem mesmo os investimentos gerados pelos Jogos Olímpicos, em 2016, conseguiram melhorar o quadro social fluminense. Enquanto a taxa de desemprego no Brasil encerrou 2017 em 11,8%, o Rio de Janeiro registrava 15%. Professor da PUC-RJ e morador da capital fluminense, o economista José Márcio Camargo lamenta a situação caótica da segurança pública e afirma que os danos à economia podem ser irrecuperáveis. “Se uma empresa decide investir em outro Estado por causa da violência, é um dinheiro que nunca mais voltará”, afirma Camargo. Em sondagem feita pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), 47% dos empresários do Estado apontaram a influência do tema nas decisões de local para novos investimentos, acima da média registrada no Brasil, de 35%.

O principal temor é quanto ao roubo de cargas na região. Em 2017, foram 10.599 ocorrências desse tipo, um caso a cada 50 minutos e um aumento de 7,3% em relação ao ano anterior. O prejuízo ao setor produtivo foi de R$ 607 milhões. Diante de um avanço de mais de 20% de roubos de cargas no primeiro semestre, as transportadoras criaram uma taxa emergencial para as entregas feitas na capital fluminense, elevando o custo do produto em 1,5%. Empresas restringiram a entrega de mercadorias em algumas regiões. Moradores de Realengo, na Zona Oeste, por exemplo, são obrigados a retirar mercadorias compradas em e-commerce nas agências de Correios.

Os empresários normalmente evitam falar mal de um mercado específico para não gerar antipatia dos moradores aos seus produtos ou serviços. Na prática, no entanto, o Rio de Janeiro vem sendo preterido por causa dos custos diretos ou indiretos provocados pela violência. No ano passado, a gigante francesa L’Oréal anunciou o fechamento, até o fim de 2018, de sua fábrica no bairro da Pavuna, na zona norte do Rio. A produção será transferida para a unidade de Vila Jaguara, em São Paulo. Oficialmente, a empresa não diz se a insegurança pública pesou na decisão, mas o fato é que a unidade fabril, inaugurada em 1967, terá suas atividades encerradas.

Sem comando: flagrante de movimentação de cargas roubadas na zona Norte do Rio de Janeiro. Diante de aumento de ocorrências desse tipo, transportadoras criaram taxa extra para entregas na capital do Estado (Crédito:Reprodução/Rede Globo e Jose Lucena/Futura Press)

Diante do crescente desafio de segurança, o comércio se mobilizou perante aos órgãos públicos, dividindo custos para bancar um adicional de mais de 500 policiais em regiões mais críticas da cidade. Em reuniões com a Polícia Federal na região fluminense, pediram para aumentar o efetivo a partir de transferências de outros Estados. “A intervenção não é boa, mas não há alternativas, o Rio de Janeiro tem um problema de desordem urbana”, afirma Aldo Gonçalves, presidente da CDLRio e do Sindilojas. “A tendência é que a economia melhore em todo o País, mas o Rio de Janeiro é ponto fora da curva.” Uma pesquisa feita pelo Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro apontou gastos de R$ 1,2 bilhão do comércio com aparatos de segurança, como câmeras e vigilantes. Cerca de 20% dos 750 empresários ouvidos no levantamento disseram ter sido vítimas de roubo, furto ou assaltos nos seus estabelecimentos comerciais em 2017. O número foi mais do que o dobro do registrado em 2016.

O setor de turismo também contabiliza perdas. Estimativas feitas pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) indicam um prejuízo de R$ 657 milhões entre janeiro e agosto de 2017, com impacto mais concentrado em bares e restaurantes. Nas contas da entidade, a cada aumento de 10% na criminalidade a receita das empresas ligadas à atividade turística recua em média 1,8%. “Estamos à mercê de um governo que não tem mais autoridade para chefiar as forças militares do Estado”, afirma o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Rio de Janeiro, Carlos Monjardim. “Para o comércio, a intervenção federal é uma boia. Não é o salvamento total, mas vai manter a economia funcionando até a troca de governo.”