16/02/2018 - 18:00
No dia 12 de setembro do ano passado, a empresária Luiza Trajano viveu uma situação inusitada na sede da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Radiante, a presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza anunciou a abertura de 60 lojas no País, numa clara demonstração de confiança na recuperação econômica. Indagada se a capital fluminense receberia alguma unidade, Luiza Trajano, constrangida, explicou que a tia dela Luiza, fundadora da rede e hoje aos 91 anos, nunca aceitou abrir lojas no Rio de Janeiro. “Minha tia, quando viajava com empresários do varejo para o Rio, ficou impressionada com a quantidade de roubos de carga, e morre de medo”, afirmou a empresária.
Nos últimos meses, o quadro de insegurança piorou muito e levou o presidente Michel Temer a decretar, na sexta-feira 16, intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. “Chega! Basta! Não vamos aceitar que matem o nosso presente e não vamos deixar que assassinem o nosso futuro”, afirmou Temer, ao anunciar o decreto. A presença das Forças Armadas traz uma esperança à população de que a situação melhore, mas os danos à economia fluminense já são visíveis e, em muitos casos, irreversíveis. Quatro dias antes, na segunda-feira de Carnaval, a escola de samba Beija-Flor desfilava na Sapucaí com um enredo repleto de críticas sociais. Uma das alegorias da escola de Nilópolis protagonizou cenas simuladas de assaltos, arrastões, policiais mortos e vítimas de balas perdidas.
Campeã de 2018, a Beija-Flor retratou cenas que se repetiam, na vida real, do lado de fora do sambódromo e em vários pontos do Rio de Janeiro – a atriz Juliana Paes, rainha de bateria da Grande Rio, foi assaltada a caminho do desfile. Enquanto isso, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) estava em viagem à Europa e o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), sem um plano de ação preparado para o maior evento turístico do ano, admitia falhas no planejamento e clamava por ajuda do governo federal. “Não estávamos preparados”, disse Pezão, na quarta-feira 14. “Eu acho que houve um erro nosso, não dimensionamos isso.” A decisão sobre a intervenção federal na segurança pública foi tomada em uma reunião em Brasília, na noite da quinta-feira 15. Atendendo ao pedido do governador do Rio, o presidente Temer decretou a ação que, na prática, transfere ao Exército o controle sobre as polícias e o Corpo de Bombeiros.
O interventor escolhido é o general Walter Souza Braga Neto, do Comando Militar do Leste (CML). É necessária ainda a aprovação do decreto pelo Congresso Nacional em um prazo de dez dias, conforme determina a Constituição Federal. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que participou da reunião no Palácio do Jaburu, garantiu que a votação ocorrerá na noite da segunda-feira 19 ou na manhã da terça-feira 20. O parlamentar classificou a decisão de “muito contundente, dura e num momento extremo”. “Como o governador disse que era o único caminho, parece que, nestas condições, a forma de restabelecer a ordem é essa”, afirmou Maia, na manhã da sexta-feira 16. A pauta da segurança pública tende a ganhar espaço no Congresso Nacional, dificultando ainda mais os planos do governo de votar a reforma da Previdência Social ainda em fevereiro. O próprio presidente da Câmara já vinha sinalizando as dificuldades para angariar os 308 votos necessários à aprovação das novas regras de aposentadorias.
ABALO ECONÔMICO A insegurança pública no Rio de Janeiro vem gerando prejuízos à economia local há muitos anos. Nem mesmo os investimentos gerados pelos Jogos Olímpicos, em 2016, conseguiram melhorar o quadro social fluminense. Enquanto a taxa de desemprego no Brasil encerrou 2017 em 11,8%, o Rio de Janeiro registrava 15%. Professor da PUC-RJ e morador da capital fluminense, o economista José Márcio Camargo lamenta a situação caótica da segurança pública e afirma que os danos à economia podem ser irrecuperáveis. “Se uma empresa decide investir em outro Estado por causa da violência, é um dinheiro que nunca mais voltará”, afirma Camargo. Em sondagem feita pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), 47% dos empresários do Estado apontaram a influência do tema nas decisões de local para novos investimentos, acima da média registrada no Brasil, de 35%.
O principal temor é quanto ao roubo de cargas na região. Em 2017, foram 10.599 ocorrências desse tipo, um caso a cada 50 minutos e um aumento de 7,3% em relação ao ano anterior. O prejuízo ao setor produtivo foi de R$ 607 milhões. Diante de um avanço de mais de 20% de roubos de cargas no primeiro semestre, as transportadoras criaram uma taxa emergencial para as entregas feitas na capital fluminense, elevando o custo do produto em 1,5%. Empresas restringiram a entrega de mercadorias em algumas regiões. Moradores de Realengo, na Zona Oeste, por exemplo, são obrigados a retirar mercadorias compradas em e-commerce nas agências de Correios.
Os empresários normalmente evitam falar mal de um mercado específico para não gerar antipatia dos moradores aos seus produtos ou serviços. Na prática, no entanto, o Rio de Janeiro vem sendo preterido por causa dos custos diretos ou indiretos provocados pela violência. No ano passado, a gigante francesa L’Oréal anunciou o fechamento, até o fim de 2018, de sua fábrica no bairro da Pavuna, na zona norte do Rio. A produção será transferida para a unidade de Vila Jaguara, em São Paulo. Oficialmente, a empresa não diz se a insegurança pública pesou na decisão, mas o fato é que a unidade fabril, inaugurada em 1967, terá suas atividades encerradas.
Diante do crescente desafio de segurança, o comércio se mobilizou perante aos órgãos públicos, dividindo custos para bancar um adicional de mais de 500 policiais em regiões mais críticas da cidade. Em reuniões com a Polícia Federal na região fluminense, pediram para aumentar o efetivo a partir de transferências de outros Estados. “A intervenção não é boa, mas não há alternativas, o Rio de Janeiro tem um problema de desordem urbana”, afirma Aldo Gonçalves, presidente da CDLRio e do Sindilojas. “A tendência é que a economia melhore em todo o País, mas o Rio de Janeiro é ponto fora da curva.” Uma pesquisa feita pelo Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro apontou gastos de R$ 1,2 bilhão do comércio com aparatos de segurança, como câmeras e vigilantes. Cerca de 20% dos 750 empresários ouvidos no levantamento disseram ter sido vítimas de roubo, furto ou assaltos nos seus estabelecimentos comerciais em 2017. O número foi mais do que o dobro do registrado em 2016.
O setor de turismo também contabiliza perdas. Estimativas feitas pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) indicam um prejuízo de R$ 657 milhões entre janeiro e agosto de 2017, com impacto mais concentrado em bares e restaurantes. Nas contas da entidade, a cada aumento de 10% na criminalidade a receita das empresas ligadas à atividade turística recua em média 1,8%. “Estamos à mercê de um governo que não tem mais autoridade para chefiar as forças militares do Estado”, afirma o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Rio de Janeiro, Carlos Monjardim. “Para o comércio, a intervenção federal é uma boia. Não é o salvamento total, mas vai manter a economia funcionando até a troca de governo.”