Briga comercial com a Europa. Cargas confiscadas pelos Estados Unidos. Produtos retidos na China. Esses fatos parecem fazer parte de um roteiro de filme de espionagem, mas narram os desafios enfrentados desde o início da quarentena pela empresa de medicina diagnóstica Dasa, para garantir equipamentos de proteção individual (EPIs) e insumos a mais de 800 unidades laboratoriais e hospitais distribuídos por 14 estados e o Distrito Federal. O maior grupo de medicina diagnóstica da América Latina – com atuação ainda na Argentina e no Uruguai – é detentor de 40 marcas de laboratórios no País, como Delboni Auriemo, Lavoisier e Salomão Zoppi, e da Rede Ímpar, que reúne sete hospitais em três capitais: Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Com faturamento de R$ 7,1 bilhões no ano passado, a holding estuda investir no aumento dos atendimentos e exames domiciliares, para ampliar também os testes de Covid-19 e recuperar a demanda. “O momento pede mobilização e agilidade. A gestão diária dessa crise reforça a importância de oferecer medicina diagnóstica embasada em rigorosos critérios técnicos e científicos”, afirma o CEO da Dasa, Carlos de Barros.

As metas estabelecidas pela diretoria são proporcionais às dificuldades encontradas pela Dasa desde o início da pandemia. Na semana que antecedeu a implantação da quarentena (que começou no dia 23 de março), os clientes lotaram as unidades. Uns para realizar exames de rotina, outros com suspeita de contaminação pelo coronavírus. Diante desse cenário e para seguir as diretrizes traçadas pelo comitê de crise montado um mês antes, a empresa optou pelo fechamento de 40% dos estabelecimentos e viu dobrar a procura por exames residenciais. Com isso, o atendimento presencial despencou 70% nas semanas seguintes, percentual que diminuiu para 40% a 50% em maio.

O vice-presidente médico Emerson Gasparetto revela que a Dasa suspendeu momentaneamente os investimentos e optou por uma revisão estratégica, que inclui o direcionamento de capital para a coleta domiciliar e não mais para a abertura de novas unidades. “Aconteceu, sim, uma repriorização”, diz Gaspsaretto. “Teremos de investir melhor em estruturar a plataforma digital para apoiar os serviços de coleta domiciliar.” Ele diz que a provável alteração no plano não implica em corte de pessoal. No início da crise, a empresa afastou os colaboradores com mais de 60 anos e doenças crônicas e adotou o home office para grande parte da equipe.

“A gestão diária dessa crise reforça a importância de oferecer medicina diagnóstica com rigor técnico e científico” Carlos de Barros Ceo da Dasa (Crédito:Divulgação)

O infectologista Renato Grinbaum, com doutorado em clínica médica e professor da Universidade Cidade de São Paulo, lembra que o cenário pós-pandemia é imprevisível, mas já provoca mudanças de comportamento nas pessoas, como constatado pela Dasa. Dentro dessa perspectiva, ele acredita ser uma oportunidade interessante a disponibilização de serviços e ferramentas que atendam a esse tipo de demanda. “Filas e salas de espera são ambientes que as pessoas evitarão sempre que puderem. Pagarão pelo espaço individual”, observa Grimbaum.

SEGURANÇA Apesar de a Dasa reavaliar as prioridades, Emerson Gasparetto reforça as medidas adotadas para garantir a segurança dos pacientes e dos colaboradores durante o atendimento presencial. A companhia direcionou 71 unidades para realização dos testes diagnósticos de Covid-19 – e que realizam também todo o portfólio de exames – e criou dez centros para atender exclusivamente clientes de medicina fetal, cardiologia, geriatria, neurologia, oncologia e pediatria em São Paulo.

A empresa já constatou retomada dos exames pelos pacientes oncológicos, cardiopatas e diabéticos que tinham abandonado as suas investigações diagnósticas. “Atrasar três, quatro meses em diagnóstico de câncer de mama, por exemplo, pode ser letal”, diz. Hoje, a diretoria tem como principal desafio obter insumos para o processamento de testes de RT-PCR (um dos principais para diagnóstico da Covid-19), em que se detectam rastros genéticos do coronavírus. Apesar de ter capacidade de processar 6 mil exames por dia (com preços a partir de R$ 180), a Dasa não atinge metade do volume por falta de material. A empresa concorre com os Estados Unidos e países da Europa.

“Cargas de insumos foram confiscadas, outras não saíram da China. Remessas de EPI ficaram presas nos Estados Unidos. Mas chegamos num volume de testes diários que acredito estar atendendo a esse momento de crise”, afirma o vice-presidente médico. A empresa ainda ampliou o estoque dos testes sorológicos, que detectam imunoglobulinas IGM e IGG e mostram se o organismo está criando anticorpos. A confirmação revela que o indivíduo já foi exposto ao coronavírus.

APOIO A Dasa fechou parceria com o Ministério da Saúde para a realização de 3 milhões de testes de RT-PCR, por seis meses, para pacientes do Sistema Único de Saúde. A capacidade inicial é de 30 mil exames por dia. Cerca de 200 pessoas trabalham no centro emergencial de diagnóstico erguido em Alphaville, na Grande São Paulo, próximo ao centro de produção da Dasa. A companhia disponibiliza, de forma gratuita, os profissionais e a infraestrutura para o processamento dos exames e insumos cedidos pelo governo federal. A iniciativa poderá ser ampliada para até 10 milhões de testes, dependendo da disponibilidade de equipamentos e da adesão de outras empresas. “A expectativa é de que outros empresários do setor se integrem à mobilização e contribuam para ampliarmos, juntos, a capacidade produtiva e o acesso aos exames para o maior número de brasileiros, num momento tão desafiador para a saúde global”, destaca Gasparetto.

O executivo lembra, ainda, que a companhia fechou unidades, perdeu receita com a queda de demanda, fez parcerias com o governo federal e não poupou recursos na aquisição de EPIs para os 30 mil colaboradores, além de 5 mil médicos. “Posso dizer que a nossa empresa estava saudável, com bom caixa antes da crise, o que nos permitiu fazer o que é melhor para os pacientes e os colaboradores”, afirma. Outro impacto se dá no hábito dos clientes. Segundo Gasparetto, a Covid-19 promoveu a transformação digital da saúde, ao, por exemplo, acabar com o receio das pessoas de pegar o resultado do exame pela internet ou de fazer uma consulta virtual.