O cultivo de uvas garantiu o sustento da família Miolo desde que o patriarca Giuseppe emigrou da Itália para o Brasil, em 1897. Natural do Vêneto, ele se estabeleceu em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, onde plantou seu primeiro parreiral em um terreno identificado como Lote 43, na região que hoje é conhecida como Vale dos Vinhedos (RS). Só noventa anos mais tarde é que seus descendentes entrariam no negócio de vinhos – e o momento era tão crítico para o setor que diversas vinícolas ficaram pelo caminho. Corria o ano de 1989, e a Miolo iniciou a produção de vinho para sobreviver, já que faltava comprador para suas uvas. Com apenas 30 hectares de videiras, a cantina vendia vinho a granel para ser engarrafada por outras empresas. O primeiro rótulo próprio foi o merlot Reserva Miolo da safra 1990, que chegou ao mercado em 1992.

De lá para cá, a holding Miolo Wine Group se cristalizou entre as líderes do segmento no Brasil e avançou para o status de player global. Presente em 30 países, o grupo possui mais de 1000 hectares plantados e quatro unidades de produção. Juntas, elas perfazem 10 milhões de litros por ano, envasados em cerca de 120 rótulos, que ocupam as mais variadas faixas de preço — de R$ 20 até mais de R$ 400. Em 2019, a previsão é faturar R$ 140 milhões, crescimento de 20% em relação ao ano anterior.

Além dos grandes volumes, a marca se notabilizou pela qualidade, com uma coleção invejável de prêmios no Brasil e no exterior. O mais recente foi para o enólogo português Miguel Ângelo Vicente de Almeida, que trabalha na Miolo há 15 anos. Ele acaba de ser eleito “Personalidade de 2019” no Wines of Brazil Awards.

Prestígio: a sede da empresa, no Lote 43, onde tudo começou (à esq.), e um de seus espumantes que fazem sucesso na França: investimento e estratégia para competir globalmente (Crédito:Divulgação e Augusto Tomasi)

OS PRIMEIROS 200 ANOS Uma frase atribuída à baronesa de Rothschild afirma que produzir bons vinhos não é difícil – o problema são os primeiros 200 anos. Pois a Miolo, em três décadas, saiu da posição de modesta estreante na vinificação para se tornar um exemplo de sucesso no mercado global de vinhos finos. Por trás dessa ascensão espetacular está o empenho do enólogo e empresário Adriano Miolo, 50 anos, diretor-superintendente da empresa que leva seu sobrenome. Formado em enologia em Bento Gonçalves e com especializações em Mendoza (Argentina) e Bordeaux (França), ele vem conduzindo cada etapa do processo de expansão do grupo. Uma de suas primeiras decisões foi a de contratar o consultor francês Michel Rolland, mundialmente conhecido por ter ajudado a definir os estilos de mais de uma centena de vinícolas.

Em dez anos de cooperação com Miolo, Rolland aportou o conhecimento necessário para os voos mais ambiciosos da empresa. em paralelo à busca de know-how, Adriano atraiu parceiros investidores, caso das famílias gaúchas Lovara (do setor de móveis) e Randon (líder nacional em carrocerias e implementos rodoviários), além do locutor esportivo Galvão Bueno, uma das grandes estrelas da TV Globo. Cada um a seu modo, esses nomes que hoje estão ligados à história do vinho brasileiro entraram no ramo por influência da Miolo, especialmente de Adriano.

Com novos parceiros de taças foi possível incorporar novas empresas e explorar novos terroirs — a combinação de solo, clima e cultura. Depois de ter construído a reputação do Lote 43, onde tudo começou, batizando com ele seu primeiro rótulo de alta gama, a Miolo ajudou a tornar o Vale dos Vinhedos a única denominação de origem (DO) para vinhos finos no Brasil. De lá, a empresa avançou para Candiota, na Campanha Meridional, quase na divisa com o Uruguai.

Do sul ao nordeste: Vinhedo da Almadén (acima) e instalações da vinícola Terranova, na Bahia: de 30 a 1 mil hectares em 30 anos (Crédito:Divulgação)

Ao adquirir a centenária Quinta do Seival, a Miolo ampliou seus vinhedos em cerca de 200 hectares, onde hoje são produzidos 1,3 milhão de litros por ano. O então promissor terroir provou a que veio quando a Miolo decidiu elaborar seu vinho ícone, o Sesmarias — lançado apenas em safras especiais, com seis castas distintas e tiragens limitada a 6 mil garrafas. Mais que um produto exclusivo, o Sesmarias resume o esforço da Miolo para extrair a melhor bebida dentro do limite de cada terroir específico. “Com o Michel Rolland nós tivemos a oportunidade de iniciar um processo de trazer conhecimento para dentro de casa, treinando nossas equipes e formando o pessoal tanto nos vinhedos quanto nas cantinas”, diz Adriano. “O que buscamos desde então foi amadurecer esse conhecimento, trazendo senioridade para os nossos projetos”. Prova disso é que um dos espumantes da Miolo se tornou sucesso de vendas na França.

A evolução contínua foi confirmada pela safra 2018. Com as condições climáticas que se mostraram as melhores da história no País (conforme atestou a última Avaliação Nacional de Vinhos, promovida há 26 anos pela Associação Brasileira de Enologia, em Bento Gonçalves), a safra 2018 permitiu às vinícolas brasileiras mostrarem o quanto são capazes de elaborar vinhos de excelência. E, embora o clima tenha sido generoso para todos, a Miolo foi a que melhor soube aproveitar o bom momento, lançando novos produtos obtidos a partir de técnicas inéditas no Brasil.

É o caso da colheita noturna, método que ressalta os aromas e o frescor das variedades brancas por não submeter a uva recém-colhida ao calor do verão na Campanha, e que foi colocado em prática no Seival. Outras inovações, aplicadas na vinificação, contribuíram para produzir vinhos memoráveis, como atestam avaliações e prêmios já recebidos no Brasil e no exterior. “A safra 2018 nos ajudou a atingir um nível de qualidade que jamais havia sido obtido em 30 anos de Miolo”, afirma Adriano. “O que nós conseguimos hoje se deve à evolução do todo: desde a base, o manejo do vinhedo, a seleção das uvas, até o investimento tecnológico que fizemos nas cantinas”.

Posicionamento: nova identidade visual marca a chegada de produtos inovadores como o Riesling Johannisberg Single Vineyard 2018 (acima), da Campanha Central (foto maior) (Crédito:Divulgação)

A safra histórica chega ao mercado em novos produtos e rótulos redesenhados. Há mudanças em todo o portfólio, desde os vinhos da Almadén, vinícola inaugurada em 1973 em Santana do Livramento (RS), na Campanha Central, até os da Terranova, no Vale do São Francisco (BA). Adquirida pela Miolo em 2010, a Almadén deu ao grupo uma marca já reconhecida no mercado, tanto doméstico quanto internacional, já que ela nasceu na Califórnia (EUA). A aquisição permitiu à Miolo incorporar 600 hectares de vinhedos (450 em produção) e injetar 4 milhões de litros ao volume negociado pelo grupo a cada ano. Outros 200 hectares estão no Nordeste.

Da Terranova também saem 4 milhões de litros/ano, entre espumantes e vinhos jovens. As duas unidades são estratégicas para que a Miolo possa combater, no quesito preço, a forte concorrência dos importados que chegam ao Brasil custando até R$ 20.
Ter escala e produtos mais acessíveis é bom, mas não basta. “Há um consumidor de vinho no Brasil que procura qualidade, independente da origem”, afirma Adriano. “Só que boa parte dos bebedores de vinho baseia suas escolhas no preço e no status que o importado representa”. Ainda que essa parcela tenda a aprimorar o que sabe sobre a bebida e com isso amplie o leque de compras, incluindo os nacionais, a briga pelo bolso do consumidor é hoje desleal para quem produz no Brasil.

Com uma estratégia comercial que se mostrou bem-sucedida, o Chile passou a liderar o mercado brasileiro. Vinte anos atrás, o consumidor preferia o vinho importado de categoria premium e se abastecia com o nacional para o dia-a-dia, pelo qual pagava na faixa de R$ 25 a R$ 30. Os grandes produtores chilenos perceberam isso e atacaram a base da pirâmide, onde está o maior volume. “Eles inundaram nossas gôndolas com vinhos baratos que vendem bem por custar menos do que os nacionais”, diz Adriano. “Hoje, a participação dos importados chega a 90% do mercado brasileiro”.

Adriano Miolo, diretor superintendente da Miolo Wine Group: “O que buscamos agora é trazer senioridade para nossos projetos. A safra 2018 nos ajudou a atingir um nível de qualidade que jamais havia sido obtido em 30 anos de Miolo” (Crédito:Divulgação)

Como reverter esses números? “Se você souber a resposta, pode me contar”, brinca ele. Uma solução é reduzir a carga tributária. “Quando uma garrafa sai da nossa cantina a um custo de R$ 10 ela precisa ser faturada a R$ 20, pois 50% do preço é imposto”. Outro problema, que impacta quase todo o empresariado brasileiro, é o custo financeiro. “As empresas que precisam buscar dinheiro no mercado encontram taxas de financiamento muito mais altas que qualquer competidor do Cone Sul ou de outros países”. Adiando ainda cita a questão trabalhista como um fator que encarece o produto nacional frente aos demais. Se a solução para reduzir o custo do dinheiro e dos encargos relativos à mão de obra ainda não estão no horizonte, ao menos uma boa notícia no âmbito fiscal deu novo ânimo aos produtores de vinho do Rio Grande do Sul.

Uma antiga demanda do setor foi atendida pelo atual governo. No dia 14 de maio, ao discursar na abertura da Feira Nacional do Vinho, em Bento Gonçalves, o governador Eduardo Leite anunciou o fim da substituição tributária (ST) na cobrança do ICMS de vinhos e espumantes. Desde 2009, o ICMS-ST obriga as empresas a recolher o imposto antes que recebam pela venda. “A medida faz parte de uma lógica de enfrentamento à crise fiscal que também procura resolver questões de Estado, promovendo uma agenda de desenvolvimento para permitir que o setor produtor faça o que faz de melhor: produza”, afirmou o governador.

Com a mudança no regime tributário, a partir de setembro, quem produz não precisará antecipar o imposto de toda a cadeia. “Com a retirada da ST, a indústria vai pagar apenas o imposto que incide sobre ela. Em vez de vender por R$ 20 o vinho que custou R$ 10 para ser produzido, eu venderei a R$ 13,50. Essa é a mais bela notícia para o setor nos últimos dez anos”, afirma Adriano. Ele irá comemorar a boa-nova no mês em que a jornada da Miolo completa 30 anos. O brinde será com taças do sofisticado espumante Íride, criado especialmente para a celebração e cujo nome homenageia uma das “nonas” da família. Ela estaria orgulhosa de ver um de seus descendentes no comando de uma vinícola que conquistou o mundo.