Relator do processo que apurou o uso da contabilidade de hedge pela Petrobras, o diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Henrique Machado foi contra a visão da área técnica da autarquia sobre o uso de dívidas com prazo superior ao do objeto de hedge, isto é, as exportações da petroleira. No voto que prevaleceu na CVM, ele também rebate a ideia de que a Petrobras não poderia usar uma dívida contraída antes da existência do contrato de exportação a ser protegido. A interpretação do colegiado foi que a falta de efetividade da estratégia de hedge da estatal não foi comprovada.

Para os técnicos da CVM, a confirmação de que a Petrobras usou dívidas antigas na contabilidade de hedge reforçaria o entendimento de que o foco da estatal seria proteger a dívida de variações cambiais, não suas exportações. Mas Machado entendeu que não faria sentido econômico uma companhia ter que contrair novos empréstimos para garantir suas exportações futuras, quando já tem dívidas para isso. Ou seja, no caso da contabilidade de hedge em que se usa a dívida como proteção ao câmbio seria de sua essência o uso de instrumento anterior ao objeto a ser protegido.

O diretor destacou que caso prevalecesse o entendimento da área técnica, para cada contrato de exportação a companhia teria que contrair uma dívida posterior de igual (ou muito semelhante) valor e maturidade, como um derivativo. Como esse recurso teria como foco mitigar o risco das exportações futuras, não poderia ser usado nas operações da empresa. “Tenho, portanto, visão diametralmente oposta àquela esboçada no ofício de refazimento. A contabilidade de hedge aproxima a informação contábil da realidade econômica da companhia, além de eliminar a volatilidade nos resultados contábeis. Trata-se da essência do hedge natural decorrente das operações comerciais da Petrobras, retratada pelo cash flow hedging accounting”, diz Machado.

A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM sustentava também no processo que a Petrobras teria designado instrumentos e objetos de hedge com vencimentos descasados, uma vez que as dívidas teriam prazo posterior à realização das exportações. Isso tornaria as relações de hedge inefetivas e não seria permitido pelo item 75 do CPC 38, norma contábil que rege o tema. Segundo o dispositivo, “a relação de hedge não pode ser designada para uma parte somente do período de tempo da duração do instrumento de hedge”.

A Petrobras reconheceu ter indicado, de fato, dívidas com vencimento diferente do objeto de hedge, mas diz que esta diferença não teria interferido nos testes de efetividade. Primeiro porque não existiria requerimento no CPC 38 de que o vencimento do objeto de hedge obrigatoriamente coincidisse com o do instrumento de hedge. Segundo porque seria presumido, durante todo o prazo da relação de hedge, uma proteção cuja efetividade, esta sim, poderia ser eventualmente afetada por algum descasamento entre os vencimentos do instrumento e do objeto de hedge.

Na visão da estatal não há proibição legal de que o vencimento dessas dívidas seja posterior ao prazo de realização das exportações a serem protegidas, desde que a mesma dívida seja usada como instrumento de hedge até seu vencimento. A Petrobras se vale da redesignação para viabilizar isso. Na medida em que as exportações “hedgeadas” se realizam, passa a usar aquela mesma dívida, não vencida, para proteger outro contrato de exportação.

De acordo com a empresa, caso de relações de hedge nas quais o risco a ser protegido é o de variação na taxa de câmbio spot, descasamentos nos vencimentos do instrumento de hedge e do objeto de hedge não poderiam gerar falta de efetividade, pois a taxa spot é a corrente na data de fechamento de balanço e, assim, seria a mesma para qualquer momento futuro. Desta forma, o efeito de sua variação sobre o valor de uma exportação futura seria da mesma magnitude e de sentido inverso ao efeito de sua variação sobre uma dívida de mesmo valor, ainda que a dívida vença após a exportação.

A Petrobras argumentou que a situação seria diferente caso o instrumento de hedge fosse um derivativo para proteger o risco da variação na taxa de câmbio futura (“forward”), porque essa taxa poderia variar para diferentes taxas no futuro. Assim, se o derivativo vencesse após uma exportação, por exemplo, diferentes taxas de câmbio forward poderiam resultar em falta de efetividade da relação de hedge.

Machado acompanhou o entendimento da estatal de que não havia vedação ao uso de dívida com prazo superior ao da exportação protegida. Ele destacou que os instrumentos de dívida são designados para relações de hedge durante toda a extensão de sua maturidade, ainda que os fluxos de exportações tenham periodicidade inferior. Ao final de uma relação de proteção, o instrumento de hedge é redesignado para uma nova relação, considerando a integral maturidade da dívida.

Em relação ao argumento da área técnica de que a Petrobras estava usando dívidas vencidas para realizar o hedge, a conclusão foi que é permitido usar dívidas renovadas ou substituídas por outras com melhores condições como instrumento de proteção. Negar isso seria engessar a empresa e não refletiria sua real situação financeira, já que a renegociação de dívidas faz parte do dia a dia das empresas.