Em decisão favorável à Petrobras, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu por maioria que a petroleira não terá que reapresentar seus balanços financeiros desde 2013. Contrariando a interpretação de sua área técnica, a instância máxima do órgão regulador do mercado de capitais considerou que as práticas adotadas pela estatal para proteger suas exportações futuras de variações cambiais, a chamada contabilidade de hedge, estão de acordo com as normas vigentes.

O diretor relator do processo, Henrique Machado, refutou praticamente todos os pontos levantados contra a petroleira. Entre outras coisas, ele considerou ser incontroverso que uma companhia pode adotar instrumentos de hedge para a cobertura de exportações futuras altamente prováveis, independentemente de ser importadora ou exportadora líquida.

Machado considerou que o hedge natural das importações seriam as vendas de derivados no mercado doméstico. Resumindo, o repasse das altas do dólar e do petróleo para os preços dos combustíveis ao consumidor. O relator concluiu que, embora a Petrobras revele preocupação com seu elevado endividamento na Nota Técnica em que justifica a adoção da contabilidade de hedge, não é possível concluir que ela desvirtuou a essência econômica das operações.

O caso veio a público no dia 8 de março, quando a Petrobras informou ao mercado que a área técnica da CVM determinara “o refazimento, a reapresentação e a republicação” das demonstrações financeiras anuais completas de 2013, 2014 e 2015, além do refazimento e republicação dos respectivos formulários DFP e ITR. Segundo fato relevante divulgado naquele dia, a decisão visava contemplar os estornos dos efeitos contábeis decorrentes da aplicação da contabilidade de hedge.

Desde 2013 a Petrobras adota a contabilidade de hedge para proteger suas exportações futuras projetadas dos efeitos da variação cambial com o uso de sua dívida líquida dolarizada. No mercado esse é o chamado hedge natural, por dispensar a utilização de derivativos. Analistas apontavam que caso fosse obrigada pela CVM a eliminar os efeitos da contabilidade de hedge de seus últimos balanços, a Petrobras poderia registrar lucro líquido em 2016 e, em função disso, ter que efetuar o pagamento de dividendos. O Itaú BBA chegou a estimar em R$ 4,6 bilhões a remuneração potencial aos acionistas referente ao exercício.

Como antecipou o Broadcast, após apreciar o recurso da estatal a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) e a Superintendência de Normas Contábeis (SNC) ratificaram seu entendimento de que a norma contábil estava sendo usada de forma irregular pela petroleira. Os técnicos da CVM afirmavam que a petroleira desvirtuou a essência econômica da contabilidade de hedge, migrando de uma política de proteção de risco para um mecanismo de diferimento de perdas cambiais com as dívidas.

Em sua análise, a SNC e a SEP afirmavam que a verdadeira preocupação da companhia seria a de não refletir imediatamente no resultado financeiro as perdas cambias em função de seu endividamento em dólar. A SEP e a SNC questionavam também pontos como o uso de dívidas vencidas e de outras com prazo de vencimento superior ao das próprias relações de hedge como instrumento de proteção, a inversão entre objeto e instrumento de hedge.

O voto de Machado foi acompanhado pelo diretor Pablo Renteria, com a ressalva de que a documentação apresentada pela estatal a respeito da adoção da contabilidade de hedge poderia ser mais detalhadas. Ele considerou, entretanto, que como não houve distorções contábeis relevantes, uma falha formal não justificaria o refazimento das demonstrações financeiras.

Às vésperas de deixar a CVM, o presidente Leonardo Pereira foi voto vencido. Apesar de ter sido contrário ao recurso da Petrobras, ele entendeu que diante do longo tempo decorrido desde a adoção dessa política de hedge pela companhia, a Petrobras poderia realizar ajustes nas próximas informações financeiras a serem divulgadas em 2017, em lugar de ter que reapresentar todos os balanços desde 2013.