A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou R$ 950,5 milhões em multas a infratores do mercado de capitais em 2020. A cifra é 8,7% inferior ao recorde de 2019, quando a autarquia superou a marca de R$ 1 bilhão em penas pecuniárias. As medidas de restrição e distanciamento social impostas pela covid-19 levaram a uma queda de 35,7% no número de casos julgados. No ano passado, o colegiado do órgão regulador bateu o martelo em 63 processos sancionadores, contra 98 em 2019.

No auge da pandemia, a CVM adotou o home office e ficou dois meses e meio sem realizar julgamentos. No primeiro trimestre, apenas 11 casos foram decididos. A partir de maio foram iniciadas as sessões virtuais e, em agosto, a autarquia regulamentou a realização de depoimentos por videoconferência. O órgão regulador do mercado de capitais fechou 2020 com um estoque de 134 processos sancionadores a serem julgados, apenas dois a mais que em 2019. O resultado interrompeu três anos seguidos de queda.

“O impacto teria sido grande se o estoque tivesse aumentado muito em 2020. O que não conseguimos foi derrubar a quantidade de processos. Não podemos esquecer que além de meses sem julgar, a CVM passou praticamente um ano com um diretor a menos”, diz o superintendente de Processos Sancionadores da autarquia, Guilherme Aguiar.

A referência é a vaga deixada pelo diretor Carlos Rebello no fim de 2019, mas somente preenchida em novembro de 2020, com a chegada de Alexandre Rangel. Em 2021, o problema se repete com duas cadeiras vazias no colegiado após a saída dos diretores Henrique Machado e Gustavo Gonzalez. A indicação de novos nomes depende do governo e até agora não ocorreu. Apesar disso, Aguiar acredita que haverá condições para voltar a enxugar o estoque de casos em 2021, com a operação remota já consolidada.

Desde o lançamento de seu planejamento estratégico, em 2013, a CVM estabeleceu metas para acelerar a tramitação de processos. A obrigação de as áreas técnicas limparem os estoques de casos antigos significava, de início, uma transferência massiva de processos sancionadores para o colegiado. O estoque em análise pela cúpula da CVM saiu de 65, em 2013, para 183 em 2017. A partir da criação de uma força tarefa, em 2018, a trajetória passou a ser descendente.

No quarto trimestre de 2020 foram aplicados R$ 24,4 milhões em multas em 21 julgamentos na CVM, envolvendo 42 acusados. O volume de multas no ano foi puxado pelo resultado de um único processo. A autarquia multou em R$ 771 milhões os administradores financeiros acusados de uma fraude que drenou quase meio bilhão de reais da Rio Previdência. Entre os casos mais relevantes julgados está o processo em que os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, foram multados em R$ 1,1 milhão por uso do jatinho da companhia para fins particulares.

O último trimestre de 2020 foi marcado pelo julgamento de uma leva de processos envolvendo a Petrobras. Derivados das irregularidades reveladas pela Operação Lava Jato, os casos analisaram a conduta de ex-administradores da estatal na aprovação de obras superfaturadas da refinaria Abreu e Lima e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Foram aplicados R$ 1,6 milhão em multas e penas de inabilitação centradas nos ex-diretores Paulo Roberto Costa e Renato Duque, criminalmente condenados. A ex-presidente da República Dilma Rousseff e outros integrantes do conselho da estatal foram absolvidos.

No total, 140 participantes do mercado foram multados, 14 inabilitados, 13 advertidos, 5 proibidos de atuar no mercado e 110 absolvidos pela CVM em 2020. Os dados fazem parte do Relatório de Atividade Sancionadora, divulgado nesta segunda-feira, 29. Além disso, ao longo de 2020 foram iniciados 83 procedimentos administrativos investigativos pela CVM. A autarquia terminou o ano com 259 processos com potencial sancionador – ou seja, de gerar condenação – em andamento nas sete áreas técnicas da autarquia.

Acordos

No relatório, a CVM destaca que mesmo com a suspensão de prazos processuais por causa da pandemia, o colegiado apreciou 74 propostas de Termo de Compromisso, uma “discreta redução” em relação aos 80 processos de 2019. Para a autarquia, isso sinaliza que, não fosse o cenário atípico em razão da covid-19, o número de termos de compromisso apreciados em 2020 teria superado o patamar de 2018 (89).

Para fechar um acordo, a CVM leva em conta pontos como o potencial de economia processual, gravidade da conduta, a possibilidade de correção das irregularidades e de indenização de prejuízos. Os termos firmados em 2020 envolveram 44 participantes do mercado, somando R$ 44,6 milhões, contra R$ 66,2 milhões nos 48 acordos assinados em 2019.

Os acordos também ajudam a reduzir os processos na fila de julgamento, já que os extinguem. A partir da edição da Instrução 607/19, que consolidou as regras da atividade sancionadora da CVM, o órgão regulador passou a se valer também de instrumentos alternativos como as stop orders (suspensão de ofertas) e os ofícios de alerta para tentar corrigir infrações sem chegar à abertura de um processo sancionador.