Em decisão unânime, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu a União Federal da acusação de tomar decisões prejudiciais à Petrobras e se omitir diante da reiterada inadimplência da Amazonas Energia, subsidiária da Eletrobras, com a petroleira. Acionista controladora da estatal, a União teria permitido a repactuação de uma dívida bilionária em termos desvantajosos para a companhia. Em mais um julgamento envolvendo sociedades de economia mista, o colegiado do órgão regulador do mercado de capitais entendeu não haver provas suficientes de ingerência ou omissão do governo na renegociação dos créditos.

A dívida decorre de contratos de compra e venda de gás fechados em junho de 2006. A Petrobras fornecia gás à Companhia de Gás do Amazonas (Cigás), que revendia o produto à Amazonas Energia para geração de energia termelétrica. Sem receber recursos de fundos setoriais e investimentos da Eletrobras, da qual é subsidiária, a Amazonas Energia parou de pagar a Cigás em janeiro de 2011. O contrato previa que nesse caso os créditos seriam repassados à Petrobras.

Em dezembro de 2014 a Amazonas Energia reconheceu uma dívida de R$ 3,26 bilhões com a petroleira, referente ao fornecimento de gás entre fevereiro de 2013 e novembro de 2014. A empresa se comprometeu a pagar a dívida em prestações mensais, em dez anos, com valores atualizados pela taxa Selic.

Para a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM, responsável pela acusação, a renegociação foi prejudicial à Petrobras, que deveria ter cobrado a dívida em juízo. A União teria se beneficiado porque com a negociação se eximiu de aportar recursos em fundos setoriais que iriam para a Amazonas Energia. Além disso, os ganhos para a Eletrobras na negociação em detrimento da Petrobras a favoreceriam, já que sua fatia na elétrica é maior que na petroleira.

O diretor Henrique Machado, relator do caso, destacou que cabe aos administradores conduzir o dia a dia da companhia e as negociações com terceiros. A responsabilização imediata do controlador poderia incentivar sua intervenção nas negociações da companhia, indo na contramão das melhores práticas de mercado.

Também acompanhou a tese da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no sentido de que a renegociação foi benéfica à Petrobras, já que não havia um contrato formal de fornecimento de gás à Amazonas Energia. Esse “cenário de risco e insegurança” teria levado a petroleira a repactuar a dívida. Com a repactuação a Petrobras começou a receber imediatamente, reforçando seu caixa, e passou a ter um contrato passível de execução judicial se necessário.

“Admitir a ingerência do controlador no processo de decisão negocial pressupõe uma influência sua sobre os administradores, que tem o dever de atuar no interesse da companhia, não podendo, ainda que para a defesa dos interesses dos que o elegeram, faltar com esses deveres”, disse o diretor.

No caso da Petrobras, a CVM entendeu que houve atuação proativa da diretoria e do conselho de administração para resolver o problema com a Amazonas Energia. A proposta de negociação da dívida da subsidiária da Eletrobras e seu parcelamento vinham sendo aventados meses antes do fechamento do acordo. Isso enfraqueceu a hipótese de omissão da União como controladora.

A ação dos administradores da petroleira diferencia o caso do processo em que o governo de São Paulo foi condenado a multa de R$ 400 mil por omissão na solução de um impasse entre as controladas Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (Emae) e a Sabesp. Captações de água feitas pela Sabesp faziam com que a Emae deixasse de arrecadar cerca de R$ 120 milhões em receitas por ano. A companhia ficou anos sem receber nada e ainda assim o controlador manteve a postura passiva.

Por outro lado, a diretoria da CVM considerou que não houve ingerência da União, que só participou do processo de negociação quando convocada pela diretoria da Petrobras, para atuar como garantidora da dívida e atendendo aos interesses da própria petroleira. O presidente da CVM, Leonardo Pereira, acompanhou o voto do relator.

“É evidente que a inadimplência da Amazonas gerou prejuízos à Petrobras, mas não ficou evidente que isso ocorreu por deliberada omissão da União. Não se comprovou atuação intencional ou coordenada de representantes da União para que a Petrobras deixasse de adotar medidas para fazer cumprir as obrigações convencionadas nos contratos”, afirmou em seu voto o presidente da CVM, Leonardo Pereira.