Até algumas décadas atrás, afirmavam ter um inimigo comum e lutavam para conquistar seu próprio Estado. Hoje, os curdos do Iraque veem Israel normalizar suas relações com países árabes com um sentimento agridoce.

Agora que os Estados Unidos reconciliaram Israel com os Emirados Árabes Unidos e Bahrein, chegou o momento dos voos comerciais entre Tel Aviv e Dubai e não mais dos slogans históricos da causa palestina.

Em Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, as pessoas estão surpresas que Israel tenha estendido a mão para seus inimigos árabes históricos em vez de seus colegas curdos, regularmente acusados de serem “agentes” sionistas por causa de sua luta pela independência.

“Está tudo bem que os países árabes escolham a normalização com Israel”, diz Himdad Najat, um professor de inglês de 38 anos.

“Mas os curdos têm um vínculo afetivo com os judeus em decorrência das injustiças sofridas por esses dois povos”.

Cerca de 30 milhões de curdos do Iraque, do Irã, da Síria e da Turquia reivindicam, em vão, um Estado próprio há mais de um século. Os judeus, perseguidos por séculos, conquistaram o deles em 1948.

No coração de um Oriente Médio resolutamente hostil, o jovem Estado de Israel buscou primeiro aliados não árabes. Um deles foram os curdos do Iraque, que não deixaram de querer se libertar do poder de Bagdá, que justamente envia tropas a todas as guerras contra Israel.

Nas décadas de 1980 e 1990, Israel enviou ajuda humanitária e militar diretamente aos curdos que lutavam contra Saddam Hussein.

E através do norte curdo, quase todos os judeus do Iraque foram capazes de alcançar Israel por mais de um século.

– Esperança e intercâmbio tecnológico –

Em 2017, os curdos do Iraque realizaram um referendo de independência rejeitado por todo o mundo, exceto por Israel.

Nabaz Rachad é um dos que fizeram campanha pelo Sim, o que lhe rendeu críticas de seus amigos árabes, que o acusaram de “querer criar um segundo Israel”.

Para este homem, os recentes acordos de normalização no Golfo são “pura hipocrisia”. Mas podem estabilizar uma região devastada por guerras e, sobretudo, “como curdo”, este iraquiano de 35 anos vê “uma esperança”.

“Quando vejo que um novo país é criado ou reconhecido, fico com a esperança de que os curdos um dia terão seu Estado”, disse ele à AFP.

No Iraque, os curdos já têm autonomia, com forças de segurança próprias e controle de suas fronteiras. Mas em questões diplomáticas, dependem completamente de Bagdá.

“Se uma embaixada israelense for aberta em Bagdá, no dia seguinte um consulado será aberto em Erbil”, assegura Rebwar Babakye, chefe do comitê de Relações Exteriores do parlamento curdo.

Para este político, o Iraque deve normalizar suas relações com Israel “o mais rápido possível”. “Israel é o líder regional em pesquisa científica. Isso poderia ajudar os países árabes a se desenvolverem por meio de programas de intercâmbio”, comentou à AFP.

O Iraque, um dos principais detratores da normalização das relações dos países árabes com Israel na época de Saddam Hussein, evitou falar quando os Emirados e Bahrein anunciaram que reconheciam Israel.

A questão da normalização das relações com Israel continua a ser uma questão muito delicada neste país no qual forças favoráveis ao Irã, inimigo ferrenho de Israel, dominam a cena política.

Para o pesquisador Hiwa Othman, Israel perdeu seu atrativo para os curdos. Antes, segundo Othman, era um emissário privilegiado por interceder junto aos Estados Unidos. Mas “hoje, os americanos estão em Erbil e os curdos não precisam mais de um intermediário, portanto, um relacionamento político com Israel não é necessário”.

Acima de tudo, ao contrário do Bahrein ou dos Emirados, os curdos não podem tomar decisões sem passar por seus grandes patrocinadores e vizinhos, Turquia e Irã, ferozes inimigos da normalização, mas também da independência curda.