Num memorável verão de princípios do século 19, um grupo de veranistas ingleses encontrava-se entediado por causa dos invariáveis dias cinzentos e chuvosos que se sucediam no cantão francês da Suíça. Neste grupo seleto estavam, dentre outros, o grande poeta Lorde Byron, seu colega Percy Shelley e a jovem esposa deste, Mary. Aborrecidos por não poderem desfrutar das alegres caminhadas pelos verdes campos e florestas, emoldurados pelas sublimes montanhas sempre nevadas dos Alpes e entrecortados pelos bucólicos lagos de águas cristalinas, resolveram organizar um concurso de contos ou poemas de terror. Quem narrasse a história mais horripilante seria o vencedor. Foi assim que nasceu um dos romances mais extraordinários e icónicos da literatura universal: Frankenstein ou o Prometeu Moderno.

Conforme nos conta a própria autora, no prefácio de uma de suas edições (a primeira ocorreu em 1816, quando Mary tinha pouco mais de 20 anos), a imagem de uma criatura monstruosa e inerte que se levantava de forma aterrorizadora e que inspiraria todo um gênero literário, com inúmeros desdobramentos em outras artes, principalmente no cinema, veio-lhe em uma visão noturna, entre o sono e a vigília. O que poucos sabem, entretanto, é que Frankenstein não é o nome da terrível criatura, mas sim do seu criador, um jovem médico, cheio de ideais e boas intenções.

Victor Frankenstein, depois de perder a mãe ainda jovem e inspirado pelo sonho de, por meio da ciência, dominar o segredo da vida e vencer a morte, lança-se num projeto de grandes ambições, cujo objetivo era o “bem da humanidade”. Abandonando sua família e sua terra natal em Genebra, Frankenstein se muda para Ingolstadt, na Alemanha, para estudar e pesquisar na então prestigiosa universidade local. Orientado, a princípio, por sábios professores e instigado, sempre, por uma férrea obstinação, o jovem cientista mergulha de cabeça em sua obra, sem perder, por um instante sequer, o foco na meta. Trabalhando entre o necrotério e o lúgubre laboratório, onde montava a sua fantástica criatura com as “melhores peças anatômicas que podia encontrar”, Frankenstein, desligando-se do mundo e das relações, conseguiu, por fim, atingir sua meta; alcançou o sucesso. Entretanto, logo percebeu que nem sempre o sucesso é sinônimo de realização. Quando finalmente sua criatura toma vida e se levanta, de forma ameaçadora, Frankenstein foge apavorado, sem pensar nas consequências trágicas de sua atitude. Abandonada e sem referências, a criatura de Frankenstein acaba por se tornar uma ameaça não só para seu criador, mas para toda a humanidade.

Anos mais tarde, depois de experimentar dolorosas experiências, Victor Frankenstein, ao narrar sua história para um ambicioso explorador que o resgata nas águas gélidas do Ártico, para onde o havia levado a encarniçada perseguição à sua monstruosa criatura, pondera o quão desumanizadora pode ser uma vida inteiramente dedicada a um só objetivo, por mais nobre que possa parecer a princípio. “Se o objetivo ao qual nos dedicamos tem a tendência de enfraquecer-nos as emoções e destruir nosso gosto pelos prazeres simples da vida, então esse objetivo é certamente inadequado ao ser humano”. Em tempos de hipervalorização de metas e resultados, há que se perguntar o quão desumanizadora tal atitude pode ser. O mundo corporativo precisa conhecer Frankenstein e ouvir com muita atenção suas lições para não correr o risco de produzir monstros.