Demorou, mas começou. Só que timidamente. E fatiada. A tão aguardada Reforma Tributária chegou à Câmara dos Deputados na quarta-feira (21) pelas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes, na esteira da maior crise econômica da história do País. Mas o embrionário ajuste na complexa estrutura de impostos brasileira tem gerado polêmica antes mesmo de nascer. Isso porque a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá PIS, Cofins e quase uma centena de regimes especiais que os compõem, estabelece uma cobrança única de 12% – de 5,8% para bancos, planos de saúde e seguradoras. A alíquota é considerada alta demais, principalmente pelo setor de serviços, que hoje paga 3,65%. Temas como ICMS, ISS, a nova CPMF, Imposto de Renda e reoneração da cesta básica estão de fora. Tudo isso ficará para depois, diz a equipe econômica. O time de Guedes achou melhor recortar a proposta em quatro partes sem apresentar um cronograma para as outras três.

O resultado é uma lambança que desapontou até a quem agradou. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia a PL 3.887 como “muito positiva” e que “traz avanços substanciais para o sistema tributário.” No entanto, o presidente da entidade, Robson de Andrade, reivindica mudanças mais abrangentes para que o sistema tributário deixe de ser o maior entrave à competitividade. “O setor industrial apoia uma reforma tributária ampla”, afirmou Andrade, em nota. “Com a inclusão de outros impostos das esferas federal, estadual e municipal, resultando em um IVA Nacional.” Mas nos setores mais diretamente impactados, a reação foi menos polida. A Confederação Nacional de Serviços (CNS) –aguarda uma compensação via desoneração da folha de pagamentos. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que o setor será mais onerado – sairá de PIS-Cofins de 4,65% para 5,80%, alta de 24,7% – e que isso refletirá no spread bancário.

Segmentos poderosos da economia defendendo seu lado numa proposta de reforma é do jogo. Ninguém com conhecimento das contas federais poderia supor redução da carga tributária. Mas ao não chegar completa o xadrez fica numa zona cinzenta perigosa. E, como a reforma da Previdência, desfazer o nó caberá ao Congresso. A PL 3.887 recebeu apelo de urgência por parte do presidente, que está com o discurso (público) alinhado ao de Guedes. Ambos reconhecem o atraso na apresentação do projeto. “Por circunstâncias políticas, nos atrasamos”, afirmou o ministro, ao entregar a proposta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). “Sempre houve extraordinária boa vontade do Senado e da Câmara, mas é a política que dita o ritmo das reformas”, disse – como se seu cargo e de seu chefe não fossem cargos políticos.

O ponto nevrálgico e mais controverso do projeto nesta fase 1 envolve o setor de serviços. As atividades com lucro presumido, como clínicas médicas e salões de beleza, terão o imposto mais do que triplicado, de 3,65% para 12%. O segmento está sob o chamado regime cumulativo, que não permite adesão ao sistema de créditos e débitos. Além disso, essas empresas têm como principal fator de custo a mão de obra. O governo afirma que o impacto não deverá ser tão grande, já que a maioria das empresas do setor poderá transferir o custo para quem está adquirindo o serviço e ao consumidor final. Em suma: você.

De acordo com Vanessa Canado, assessora especial do ministro Paulo Guedes, isso deve fazer com que as negociações de preços entre as empresas não sejam contaminadas pela taxação, dentro de um conceito conhecido como “neutralidade tributária”. Um fator que joga a favor da proposta do governo é que boa parte das empresas de serviços – e 50% do total de CNPJs no País – estão enquadradas no regime de tributação do Simples, que não sofrerá nenhuma mudança.

BANCOS Proposta de reforma tributária apresentada pelo governo é tida como branda com os bancos e instituições financeiras. (Crédito:Alex de Jesus)

Há outro agravante, porém. No Congresso já tramitam duas Propostas de Emendas à Constituição. A 110, do Senado, e a 45, na Câmara, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) – que cria um imposto que unifica PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. “A gente esperava algo maior, com tributação de dividendos, redução da folha de pagamentos e criação de um imposto único nacional, o chamado IVA”, afirmou Filipe Richtter, especialista em gestão tributária e sócio do escritório Veirano Advogados. “A ideia de simplificar e unificar é bem-vinda, mas a forma como a proposta está apresentada vai aumentar substancialmente a carga sobre muitos setores, o que está na contramão do compromisso do governo.”

Entre os pontos considerados positivos da parte 1 da reforma estão a definição de uma regra geral de cobrança da CBS sobre a receita bruta das empresas, e na sistemática “por fora” – que não inclui o próprio tributo em sua base. A equação não é simples, mas ainda assim é vista como simplificação. Haverá um mecanismo de débitos e créditos que transforma o tributo embutido no preço de um bem ou serviço, declarado na nota fiscal, em um crédito a ser abatido do imposto a recolher pelo vendedor na ponta. “A uniformização de alíquotas implicará na simplificação tributária, bem como a não cumulatividade ampla, cujo resultado deverá ser uma diminuição do contencioso sobre o conceito de crédito”, disse o economista e professor Alexandre Evaristo Pinto, coordenador do MBA da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

A polêmica final é o que muitos consideram um afago aos bancos. O setor financeiro, incluindo seguradoras e as operadoras de planos de saúde, terão alíquota de apenas 5,8%. A Febraban rebate. Diz que o segmento já paga alíquota de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido maior do que qualquer outro – 20%, contra 15% das demais instituições financeiras e 9% do restante da economia – e que a alíquota sobre as rendas dos bancos é a maior do mundo, de 45% (20% de CSLL e 25% de IRPJ). Quando o jogo chega com um quarto das regras às claras, como a reforma tributária de Guedes chegou, o salve-se quem puder tende a crescer. Agora é um vai que é sua, Congresso.