Na Argentina, agora é assim. Quer um hambúrguer? A carne é Marfrig. Quer abastecer o carro? O combustível é Petrobras. Quer uma cerveja? Só dá Ambev. Não é à toa, portanto, que a candidata à Presidência e atual primeira-dama, Cristina Kirchner, tenha vindo ao Brasil tratar de negócios às vésperas da eleição de 28 de outubro. E nada melhor do que falar diretamente com a matriz. Na quarta-feira 3, numa passagem por Brasília na qual encontrou o presidente Lula, Cristina sentou-se à mesa com nomes como José Sérgio Gabrielli, Jorge Gerdau, Roberto Setubal e Marcelo Odebrecht. Todos eles presidentes de empresas que, na última década, levaram para a Argentina mais de US$ 10 bilhões. Atentos aos passos da candidata, os 16 empresários presentes à reunião cobraram de Cristina garantias para esses investimentos. DINHEIRO apurou que o nível mais tenso da reunião ocorreu quando a senadora foi questionada sobre os dados econômicos da Argentina. Instada a comentar a inflação argentina, apurada em 17% por consultorias econômicas, a senadora rebateu e apresentou o dado oficial do governo: inferior a 10%. A expressão de incredulidade foi geral. ?É muita cara-de-pau?, comentou um empresário ao fim do encontro, fazendo referência às denúncias de maquiagem nos dados oficiais. Ainda assim, Cristina não se fez de rogada. ?Podem confiar e continuar investindo?, disse.

E não precisa nem de um pedido oficial. O Grupo Brasil, que reúne os investidores brasileiros na Argentina, estima que já são quase 400 empresas instaladas do outro lado da fronteira. O lance mais recente foi feito pela Marfrig, no final de setembro, ao abocanhar 70% do frigorífico Quickfood, ícone do mercado argentino, por US$ 200 milhões. Agora, a Marfrig divide o mercado de lá com a Friboi, que também em 2006 comprou a Swift Armour por outros US$ 200 milhões. ?As empresas brasileiras têm mostrado um furor impressionante na expansão sul-americana?, analisa Ricardo Schefer, do Centro de Estudos Macroeconômicos da Argentina, o Cema. Apenas para citar outros exemplos: a Ambev controla a tradicional cervejaria Quilmes; a Coteminas está injetando US$ 40 milhões numa fábrica de tecidos em Santiago del Estero, no nordeste do país; a Gerdau controla a laminadora Sipar e está prestes a fechar a compra da Acer-Brag e a Camargo Corrêa desembolsou US$ 1 bilhão para ficar com a Loma Negra, a maior fábrica de cimentos de lá. ?Aumentamos a presença da nossa marca na região e criamos uma cadeia própria de produção?, diz Humberto Junqueira, diretor da fábrica argentina Loma Negra. Mas quem encabeça a ?invasão brasileira? é a Petrobras, que controla a empresa de energia Perez Companc, comprada por US$ 1 bilhão. Durante o encontro em Brasília, José Sérgio Gabrielli apresentou oficialmente o interesse da estatal nos ativos que a Esso tem na Argentina. Cristina Kirchner apenas ouviu. Seu marido, Néstor Kirchner, já demonstrou preferência pela PDVSA, de Hugo Chávez.

O interesse de investidores brasileiros pela compra de empresas argentinas deve-se a dois fatores. O primeiro é a valorização do real em relação ao dólar e ao peso, o que provoca um fenômeno no qual empresas semelhantes na Argentina e no Brasil custam até 30% a menos do outro lado da fronteira. Na opinião do economista Dante Sica, da consultoria Abeceb.com, as companhias estão sendo vendidas a preço de mercado. Mas em peso. Para ele, os investidores brasileiros não estão de olho ainda na expansão de seus negócios e na internacionalização das empresas. É onde entra o segundo fator de interesse. ?A Argentina, por sua proximidade geográfica e cultural, vira a primeira experiência fora do Brasil para muitas empresas daqui?, diz Paulo Skaf, da Fiesp. Em sua apresentação aos empresários brasileiros, Cristina Kirchner garantiu que a Argentina está num processo de ?reindustrialização?, de ?aprofundamento da competitividade?, e hoje tem bases econômicas sólidas. Grande parte disso deve-se à força das empresas que se instalaram por lá. As brasileiras, é claro.