As tensões entre Venezuela e Brasil estão acirradas desde que os venezuelanos foram suspensos do Mercosul, no ano passado, após forte apoio do governo brasileiro. Desde então, as farpas entre os países ficaram mais fortes, principalmente as vindas de Caracas, que classifica o governo Temer de “golpista” e “fascista”. Em dezembro, o embaixador do Brasil no país, Ruy Pereira, que assumiu o posto em 2013, durante o mandato de Dilma Rousseff, foi expulso e declarado persona non grata. O embaixador da Venezuela em Brasília, Gerardo Maldonado, recebeu o mesmo tratamento.

No fim de 2017, o ativista brasileiro Jonatan Moisés Diniz foi acusado de ser um espião americano e liderar ações contra o governo de Nicolás Maduro. Ele foi detido e ficou alguns dias incomunicável, o que acirrou ainda mais o clima de animosidade entre os países. Mas, nos últimos dias, os venezuelanos têm surpreendido. Diniz foi solto no dia 7 e na quarta-feira 10, o país pagou US$ 262,5 milhões de uma dívida de US$ 537,1 milhões com o Brasil. “A Venezuela não quis dar o calote porque reconhece o Brasil como importante parceiro comercial”, diz Carolina Pedroso, pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp. “Mas não pagar a dívida inteira também é uma forma de mostrar seu descontentamento com o país e de tentar barganhar.”

Em meio ao caos: população enfrenta barreira policial nos protestos diários no país (à esq.). Para comprar os poucos produtos à venda nos supermercados, é preciso levar maços de dinheiro (à dir.) (Crédito:Carlos Becerra/Bloomberg via Getty Images e AFP Photo / Juan Barreto)

A dívida é referente a uma garantia dada pelo Tesouro Nacional venezuelano às empresas brasileiras que exportam para o país. Nesse caso, só recebem aqueles exportadores que fizeram negócio dentro do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), um acordo em que o vendedor receba pelo produto ou serviço exportado. Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correia possuem grandes projetos de infraestrutura na Venezuela realizados por meio do CCR. O pagamento de parte da dívida ocorreu com base nos Direitos Especiais de Saque do Fundo Monetário Internacional (FMI), recurso usado apenas em casos emergenciais. “Vejo esse pagamento como uma pressão dos bancos credores e do governo brasileiro ao FMI, que contraíram enormes dívidas com o financiamento de obras e serviços na Venezuela”, diz Mauro Laviola, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil. “Mas as exportações de bens de consumo ainda devem continuar no vermelho.”

A crise política e econômica na Venezuela se intensifica a cada dia. O país encerrou 2017 com uma inflação de 2.616% e uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 15%. A estimativa é que, nos últimos quatro anos, a recessão tenha provocado um encolhimento de 35% do PIB. As projeções para este ano são ainda piores. Segundo a consultoria financeira Ecoanalítica, a inflação pode chegar a 7.000% em 2018. Os sinais de que o dinheiro perdeu o valor já estão nas ruas. A população tem levado maços de notas para realizar as compras dos poucos produtos que ainda estão disponíveis nas prateleiras.

De vítima a vilão: Diniz afirmou que premeditou sua prisão e pode ter aberto nova crise diplomática (Crédito:Divulgação)

Hoje, é preciso 440 bolívares para comprar US$ 1. Na quinta-feira 10, protestos, saques e pilhagens no estado de Mérida, no sudoeste de Caracas, deixou quatro mortes e 15 feridos. O Brasil é um importante parceiro comercial venezuelano e responsável por ajudar a evitar a escassez de abastecimento. Mas, no ano passado, as exportações brasileiras registraram queda de 63,2%. “O pagamento da dívida sinaliza que a Venezuela quer retomar o diálogo e o comércio com o Brasil”, diz Mônica Rodriguez, consultora de comércio internacional da Barral M.Jorge.

O problema, agora, é contornar a crise diplomática instalada por Jonatan Diniz. De vítima do governo Maduro, que já causou a morte de mais de 100 pessoas nos protestos, o brasileiro passou a ser o vilão. O ativista afirmou, em vídeo gravado na cidade catarinense de Balneário Camboriú, que premeditou a sua prisão na Venezuela para chamar a atenção para a ONG Time to Change the Earth. “Se fui pra lá e fui preso, é porque eu incitei ser preso”, diz ele. “Eu, sozinho, não teria nenhuma voz, mas eu indo para a cadeia aconteceu exatamente o que estava nos meus planos.” A declaração de Diniz fez a Comissão dos Direitos Humanos publicar uma nota dizendo que a atitude dele é “egoísta, vaidosa, irresponsável, desnecessária e desrespeitosa”. Ainda não se sabe os estragos que o ativista provocou, mas eles podem ir além da relação Venezuela-Brasil e chegar justamente naqueles que ele tentou proteger, que estão mergulhados numa crise sem fim.