Dez anos após a pior crise financeira em quase um século, a economia global avança e espera um crescimento sólido em 2018 e no próximo ano.

No entanto, alguns poucos especialistas preveem outra crise iminente semelhante à de 2008, com riscos variados para a atual estabilidade econômica global e que incluem a turbulência nos mercados emergentes, o florescimento de conflitos comerciais e a ameaça de uma desaceleração na China.

Veteranos da crise de 2008 e choques econômicos anteriores não têm certeza do que desencadeará o próximo colapso.

“Citando Tolstoi, todo mercado feliz é o mesmo, mas todo mercado em crise é diferente à sua própria maneira”, afirmou Nicholas Colas, da DataTrek Research, em uma nota de 15 de agosto.

Entre as principais preocupações, a turbulência na economia turca após uma queda de sua moeda reavivou o medo de um “contágio” entre economias emergentes como Argentina, Rússia, Argentina, China e África do Sul.

Todos esses países são grandes detentores de dívidas denominadas em dólares norte-americanos que se tornaram mais caras à medida que os aumentos das taxas de juros do Federal Reserve fizeram o dólar subir.

O conflito comercial é outra fonte de crescente desconforto depois que o presidente americano, Donald Trump, impôs tarifas sobre as importações da maioria dos principais parceiros comerciais, incluindo China, União Europeia, Canadá e México.

Representantes desses países estão em vários estágios, tentando barganhar seu caminho para novos termos de troca e evitar uma guerra comercial que trava o comércio global.

Os observadores do mercado estão especialmente preocupados com as perspectivas em relação à China, a segunda maior economia do mundo e um país que vem experimentado uma desaceleração do investimento e o enfraquecimento do crescimento das vendas no varejo nos últimos tempos.

E alguns especialistas estão preocupados não apenas com a crise, mas com a resposta à crise.

O especialista em risco político Ian Bremmer, do Eurasia Group, destacou os ataques cibernéticos como uma fonte potencial de turbulência em uma nota de julho, em que questionou se os poderes globais de hoje em dia responderiam tão bem quanto em 2008, ou depois dos ataques de 11 de setembro de 2001.

“Há estabilidade política mais do que suficiente no mundo de hoje para lidar com as manchetes do dia”, disse Bremmer. “Mas, quanto à próxima crise, eu ficaria menos confiante”, completou.

Nos Estados Unidos, Bremmer afirmou que Trump e o Congresso se culpariam um ao outro, enquanto que, nos países europeus, já desconfiados de Trump, poderiam se voltar para o protecionismo, ou buscar fortalecer alianças com a China às custas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições internacionais.

– Estouro da bolha –

O fracasso do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008 foi o catalisador que causou violentas ondas de choque nas finanças globais.

“Foi bem feio”, lembra Kenny Polcari, um corretor institucional da O’Neil Securities, que trabalha em Wall Street desde 1985.

“Havia uma sensação de pesar. Não se podia imaginar que isso fosse acontecer”, completou.

A causa imediata do desastre foram as hipotecas do tipo “subprime”, de baixa qualidade, distribuídas à vontade pelos bancos e outros credores a consumidores em meio a um período de baixas taxas de juros e outras políticas americanas para incentivar a compra da casa própria.

“Os bancos encorajaram as pessoas a assumir o máximo de dívida possível”, explicou Gregori Volokhine, presidente da Meeschaert Capital Markets.

“Mesmo se você não tivesse muito dinheiro, os bancos tornavam muito fácil o empréstimo para comprar uma casa”, acrescentou.

Mas o mercado se transformou em 2004, quando o Fed começou a elevar as taxas de juros e focou nos tomadores de empréstimos subprime, que subitamente tiveram de enfrentar pagamentos mais elevados.

De certa forma, o marco zero da crise financeira se localizou nos bairros da Flórida, representados no filme “A Grande Aposta”, onde houve uma profusão de despejos.

À medida que os investimentos ligados a essas hipotecas tóxicas se tornaram inúteis, os mercados investiram no esforço maciço dos formuladores de políticas globais para tentar evitar uma depressão semelhante à que se seguiu ao crash da Bolsa de 1929.

– Multas, não prisão –

Os principais passos incluíram a recapitalização federal de US$ 700 bilhões em empréstimos através do “Programa de Alívio de Ativos Problemáticos” (“Trouble Asset Relief Program”), parte da resposta dos Estados Unidos que evitou uma crise pior, mas que virou alvo de deboches como se fosse um passe livre para os figurões de Wall Street.

Os banqueiros responderam agressivamente, dando início a um período de taxas de juros baixíssimas e estímulos que ainda persistem em algumas economias importantes.

A crise também levou ao resgate dos títulos das gigantes automotivas americanas Chrysler e General Motors, que emergiram da falência em 2009.

Os legisladores americanos promulgaram a lei de reforma do banco Dodd-Frank, de 2010, que reforçou a supervisão das grandes instituições bancárias e criou uma nova agência para representar os interesses dos consumidores.

Como resultado, “o setor bancário é o setor mais regulado hoje depois dos serviços públicos”, disse Steve Eisman, gerente de portfólio da Neuberger Berman.

Algo que não aconteceu: condenações criminais de banqueiros que foram os arquitetos da crise do subprime.

Grandes bancos pagaram bilhões de dólares para acertar as despesas que os investidores tiveram pelos títulos ligados a empréstimos subprime. Mas nenhum grande CEO do setor bancário foi preso, algo que ainda irrita muita gente.

“Esta é uma indústria muito poderosa, e eles vão fazer de tudo para garantir que não sejam responsabilizados de qualquer forma”, explicou Maurice Weeks, vice-diretor do Action Center on Race e do Instituto de Economia.