Quando a gente não quer resolver um problema, a gente cria um comitê, um departamento ou um ministério.” Foi com essa frase, explorando sua sabedoria popular, que “seu” José, porteiro do prédio onde residi havia muitos anos, na bela Ipanema, no Rio de Janeiro, se queixava do síndico. O gestor do condomínio tinha decidido criar uma comissão de cinco moradores para estudar um problema de vazamento, originado na caixa d’água localizada em uma das coberturas do edifício. Subi o elevador sorrindo e pensando no que ele havia insinuado.

Ao abrir a porta, a cozinheira que trabalhava no meu apartamento perguntou por que eu estava sorrindo, emendando prontamente outra pergunta: “o time do senhor, o Vasco da Gama, ganhou ontem?”.

Contei para ela o que “seu” José havia me dito. Aí, ela foi contundente: “Pois é, esse governo vai acabar criando um Ministério do Feijão, querendo mais empregar outro político do que resolver o problema da fome que assola o País”.

Recentemente, essa lembrança surgiu vívida em minha memória quando li a notícia de que algumas empresas estão criando cargos, em vez de estruturar a solução para alguns desafios que as afligem.

A mais curiosa dessas iniciativas é a criação do “Departamento de Felicidade”, incluindo a contratação do profissional responsável pelos programas voltados ao bem-estar dos funcionários. Está sendo criado, até mesmo, o cargo de “Gestor da Felicidade”, inspirado no “Chief Happiness Officer” (CHO). Será que felicidade é responsabilidade de um cargo ou é missão de todos numa empresa? Como gosto de dizer, trata-se de uma responsabilidade de todos, do porteiro ao presidente.

Tenho transformado essa linha de pensamento em uma provocação, ao perguntar a empresários e dirigentes que pensam em criar o “Departamento de ESG” ou uma “gerência ESG” dentro de um departamento já existente. Mais uma vez, os compromissos de uma empresa com sustentabilidade ambiental, atuação social, diversidade, comunidades onde atuam e boas práticas de governança devem ser parte da atitude cotidiana de todos e não parte do job description de um cargo especifico.

Há pouco tempo, recebi um pedido de proposta para criar um Departamento de Transformação Digital em uma grande empresa nacional. Deu muito trabalho explicar ao possível cliente que a transformação digital deve ser encarada como pilar da cultura da empresa e não como missão de um órgão ou diretoria. Mais uma vez, trata-se de um conjunto de competências e atitudes de todos que precisa ser desenvolvido gradativamente por meio de um digital up skilling. De forma alguma, essa questão pode ser trabalhada apenas com um novo cargo.

Nessa conversa também foi importante deixar claro que a transformação digital transcende em muito a tecnologia. Não se resume apenas a ferramentas de TI ou de manejo de aplicativos. Trata-se de um modelo mental, um mind set.

No final, combinamos que, em vez de criar um novo cargo, iríamos começar um programa de transformação digital, pilotado pelo diretor comercial, que atua na linha de frente da empresa, sob a supervisão direta do próprio CEO que, mensalmente, reportaria os progressos na reunião do Conselho de Administração.

Poderia me estender aqui, citando exemplos de tentativas equivocadas de tratar inovação como objeto exclusivo de um departamento, mas é desnecessário alongar essa lista.

O importante é questionarmos a tendência que temos em fragmentar a dinâmica dos desafios de uma empresa em cargos, “departamentalizando” ações e responsabilidades. A consequência tem sido a “feudalização” de áreas, com baixo grau da tão necessária integração.

As evidências apontam, de forma inequívoca, como líderes mais eficazes e inspiradores, aqueles “construtores de pontes” e integradores, articulam de forma sistêmica a solução dos desafios de uma empresa. Esse movimento é justamente oposto aos líderes que “constroem paredes”, por meio de departamentos estanques.

Os líderes eficazes precisam estimular a criação de soluções integradas, considerando visão do conjunto e mudança de atitudes. Isso privilegia o compromisso com senso de propósito, postura de dono e, ainda, favorece o engajamento com a ação e iniciativas resolutivas.

Concluo prestando uma homenagem ao “seu” José. Ele nunca frequentou uma escola de administração, mas possui simplicidade de percepção que tem muito a ensinar a todos nós, gestores e líderes, nessa arte de integrar soluções, caminho mais apropriado do que a ilusão da criação de cargos e departamentos para equacionar os desafios que impactam nossas empresas.

*  César Souza é cofundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige” (Best Business 2019) é também coautor do recém-lançado “Descubra o Craque que Há em Você” (Buzz,2020)