O candidato Anthony Garotinho tem um sonho, quase um plano. Ele quer ser eleito presidente do Brasil para fazer a economia ?crescer, crescer, crescer?. Na segunda-feira 17, durante um almoço empresarial em São Paulo, o ex-governador do Rio expôs essa visão a uma audiência ressabiada com os espasmos do mercado financeiro que haviam levado o País de volta ao FMI. ?Tudo o que o Brasil precisa é liderança e um projeto de crescimento?, disse o candidato do PSB. ?É a única forma de tirar o País da crise e honrar seus compromissos.? Nos quatro meses que faltam até a eleição, o líder evangélico vai percorrer o País martelando essa mensagem de otimismo e simplicidade. Com ela, mais os quatro minutos a que terá direito no horário eleitoral a partir de 20 agosto, espera emergir do terceiro lugar em que se encontra nas pesquisas (com 13% das intenções de voto) e chegar ao segundo turno. ?Vou ganhar a eleição para construir um País para todos os brasileiros, não apenas para os banqueiros?, afirma.

Se a promessa de crescer é central ao projeto Brasil Esperança de Garotinho, e as críticas à gestão econômica de FHC são essenciais ao seu posicionamento político, a terceira perna do tripé do candidato é muito mais polêmica ? uma visão ácida e negativa do papel dos bancos na economia nacional. Garotinho, até mais do que Ciro Gomes, ataca os banqueiros frontalmente. Na semana passada afirmou que interessa à banca manter o País em crise para seguir se beneficiando de taxas de juros elevadas. ?Eles são os talebancos?, acusa. ?Fazem um terrorismo que mistura economia com política para que o País continue mergulhado na crise que está e eles continuem tendo seus lucros fantásticos.? Radical no discurso, o ex-militante do Partido Comunista e do PT não é ingênuo. Denuncia os bancos, mas, ao mesmo tempo, lembra que na condição de prefeito e governador jamais rompeu contratos e promete que honrará as dívidas externa e interna do País. ?O mercado pode olhar Lula com algum receio, mas Garotinho não?, afirma. ?Eu fui testado e aprovado. Nunca dei calote.? Não deu, é verdade, mas ameaçou. Quando assumiu o governo do Rio, em 1998, ameaçou declarar moratória da dívida de R$ 21 bilhões do Estado com a União. Era uma tática negocial que resultou, mais tarde, em um acordo de renegociação da dívida do qual o candidato ainda se gaba. Mas será que, uma vez presidente, ele jogaria duro assim com os detentores dos R$ 640 bilhões em títulos da dívida pública nacional? ?Vou chamar para renegociar, mas não de forma unilateral?, explica. ?Vou dialogar com o mercado e mostrar a eles o melhor caminho.? Isso na dívida interna. A externa, diz Garotinho, é privada e de longo prazo. Não oferece problema.

Onde quer que se apresente, o ex-prefeito de Campos repete alguns pontos essenciais do seu projeto de governo. Como os demais candidatos, trata-se de uma plataforma econômica centrada na questão do crescimento, feita sob encomenda para um País cansado da estagnação e assustado com a perspectiva de tornar-se uma Argentina. A essência do projeto Garotinho é a seguinte:

? Fazer a reforma tributária para desonerar a produção e estimular investimentos e emprego. A idéia é que mais gente e mais empresas paguem menos impostos. Garotinho se elegeu governador do Rio prometendo reduzir impostos para atrair empresas para o Estado e não conseguiu.

? Quer juros menores para ampliar o crédito e aumentar o investimento. Seu plano é reduzir os juros 0,25% ponto porcentual por mês.

? Organizar as cadeias produtivas para estimular a produção de alguns setores-chave (como químicos e eletroeletrônicos), com efeito sobre o mercado de trabalho e as exportações.

? Criar um ministério da exportação para ?vender o Brasil? e resolver o problema da dependência externa. A idéia é tirar o Itamaraty do circuito e entregar o projeto exportação aos empresários.

? Um amplo plano de urbanização e moradia para resolver o problema social e o déficit habitacional, além de estimular rapidamente a economia.

? Criação de escolas técnicas para tornar a mão-de-obra brasileira mais competitiva.

? Fortalecimento do mercado interno através da elevação do salário mínimo, com conseqüente aumento do poder de compra da população. Garotinho quer um salário de R$ 400 em dois anos. ?O candidato não fez as contas direito dos impactos das suas propostas nas contas públicas?, critica o economista Raul Velloso. ?Se ele aumentasse o salário mínimo de R$ 200 para R$ 400 o impacto no déficit público seria de R$ 23 bilhões.? Mas não adianta tentar discutir essa questão em detalhes com Garotinho. Como quase todos os políticos, ele tem algumas idéias e noções gerais para a economia, que não resistem ao exame dos detalhes. Se passarem pelo crivo das urnas terão de ser melhor elaboradas. Não há nada de errado nisso, desde que as teses gerais que ele encampe não estejam divorciadas da realidade. Na questão do salário mínimo, por exemplo, existe da parte do candidato a justa preocupação de ampliar o poder de compra da população de baixa renda ? mas Garotinho sabe que isso terá implicações pesadas sobre a Previdência Social. ?Dos 71 milhões de brasileiros economicamente ativos, apenas 29 milhões contribuem para a Previdência?, diz ele. ?Se forem feitas mudanças, haverá espaço para ampliação de salários.? Talvez suas contas não fechem, mas não há candidato algum apresentando contas fechadas a essa altura da campanha. Todo mundo tem planos, intenções e sonhos.

O caso de Garotinho talvez seja um pouco pior porque ele vem de uma experiência de gestão muito peculiar ? a do Rio de Janeiro dos petrodólares. Quando governador, ele fez um arranjo (elogiadíssimo) com a União, pelo qual antecipou o recebimento de royalties da Bacia de Campos. Esse dinheiro, cerca de R$ 10 bilhões ? acrescidos da crescente arrecadação de ICMS sobre combustíveis ?, deram à sua gestão uma folga de caixa que de forma alguma estará disponível para o próximo presidente da República. ?A economia do Rio de Janeiro está muito ligada ao petróleo e melhorou muito antes do Garotinho?, avalia o Luiz Roberto Cunha, economista da PUC. Essas ressalvas não constrangem o ex-governador. ?Quando assumi me disseram que o Estado quebraria em três meses?, costuma dizer. ?O fato é que eu impedi que quebrasse.? Em tempo: a atual governadora do Rio, Benedita da Silva, do PT, alega ter herdado do seu antecessor um déficit de R$ 2,3 bilhões.

Essa questão das heranças é espinhosa, sobretudo porque Garotinho tem usado como mote de campanha a acusação de que FHC está deixando aos brasileiros uma verdadeira bomba-relógio. ?O eleitor tem de votar sabendo que o governo que José Serra representa deixou o País à beira de um colapso, do caos?, diz ele. E enumera: o País cresceu no governo FHC como nos anos da década de 80, a perdida; em 1994 era a oitava economia do mundo, hoje é a 11ª; a carga tributária saltou de 25% para 34% do PIB; a dívida interna foi decuplicada; a taxa de juros é a segunda mais alta do planeta e o déficit de transações correntes só é fechado com a ajuda do FMI.

Sem continuidade. Com uma avaliação tão negativa da gestão FHC, Garotinho, coerentemente, se esquiva de qualquer compromisso de continuidade. ?Se prevalecer o continuismo que Serra propõe, não tenho a menor dúvida que caminharemos para uma situação dificílima?, diz o candidato. Claro, ele rechaça a permanência de Armínio Fraga no BC e diz que a meta de inflação será apenas ?um indicador a mais? da política monetária. Não é isso que o mercado financeiro quer ouvir, e mesmo os industriais manifestam reservas em relação ao discurso do ex-aliado de Leonel Brizola. O presidente da Fiesp, Horácio Piva, chegou a dizer que Garotinho tinha apenas boas intenções e prometia a felicidade para todos. Talvez a percepção sobre o candidato fosse diferente se ele mostrasse ao mercado alguns economistas sérios como ministros, mas ele se recusa. Diz que tem nomes, mas que o mercado os usaria para especular. Na verdade ele parece não ter ninguém, ainda. Garotinho ergue o estandarte econômico da sua campanha com
meia dúzia de conceitos de bom senso, convincentemente amarrados pelo discurso fluente do ex-radialista. Os economistas do mercado gostariam de ver mais consistência macroeconômica, mas o povo brasileiro, que vai eleger o próximo presidente, importa-se menos com isso. O País já teve bons presidentes que não sabiam nada
de economia, como Juscelino, e presidentes bem piores que escreveram livros sobre o assunto. Garotinho ao menos sabe que o Brasil precisa crescer. Às vezes parece mais do que sabe o próprio presidente Fernando Henrique.

“FHC VAI DEIXAR O CAOS”

Biô Barreira 
Anthony Garotinho: ?Os talebancos usam a fragilidade da economia para fazer terror?
 

Quem são os talebancos?
São os que se aproveitam da fragilidade da economia brasileira, criada ao longo do governo Fernando Henrique, para
lançar desconfianças sobre os candidatos
da oposição e sobre os projetos de
mudança para o nosso País, como os
bancos vêm fazendo.


José Serra disse que quem faz
terrorismo é a oposição.

Pois ele é o candidato que tenta fraudar a consciência da população, porque não assume a responsabilidade de tudo o que o governo do qual fez parte provocou no País.

O sr. acha que o governo está deixando uma bomba-relógio?
Sem dúvida o próximo presidente da República terá imensas dificuldades. Mas se tiver coragem de mudar os rumos da
economia e fizer o País voltar a crescer, há chances para o
Brasil. O eleitor tem de votar sabendo que o governo deixou o
País à beira de um colapso.

Ao alardear números ruins o sr. não estaria contribuindo para aumentar a sensação de instabilidade?
Não estou inventando nada. O governo por acaso quer que a população vote desconhecendo a realidade? Quer transformar os brasileiros em Alice, aquela que vivia no país das maravilhas?

No seu governo haverá Armínio no BC?
Em hipótese alguma.

O sr. está disposto a fazer algum gesto conciliatório
para o mercado?
Não faremos nenhum tipo de hostilidade em relação ao
mercado financeiro, mas a lógica não pode ser a de um
país servindo aos bancos.

As instituições que o sr. chama de talebancos estão
rolando a dívida pública.
Elas terão de rolar a dívida em condições que possibilitem
ao País sobreviver.

Isso não é uma sugestão de calote?
Eu nunca dei calote. Fui o melhor negociador da dívida do Rio.
Jamais rompi qualquer contrato.

Mas o sr. quer chamar uma renegociação de dívida?
Vou chamar, mas não de forma unilateral, impondo. Vou dialogar
com o mercado e mostrar que o melhor caminho para eles e para o País é um entendimento que possibilite reduzir as taxas de juros e alongar o prazo de pagamento.

O sr. promete ?crescer, crescer, crescer?. Como se faz isso?
Com políticas de estímulo aos setores que reagem mais rapidamente ? como construção civil e agricultura ?, além de organizar cadeias produtivas de setores como eletroeletrônico e químico, que podem trazer retorno muito rápido.

Para isso é preciso reduzir a taxa de juros. Como?
Reduzindo. A taxa de juros não é exclusivamente definida pelo mercado. O mercado sinaliza, mas o Copom é quem determina.

E a meta de inflação?
Nós não vamos trabalhar única e exclusivamente com metas de inflação. Vamos trabalhar com uma série de metas.

Mas qual é a prioridade, a meta de crescimento ou inflação?
Todas são prioritárias. Se trabalhar apenas com meta de inflação o País não cresce. Se não cresce, não tem como pagar a dívida.

Se o sr. tiver que escolher entre inflação e crescimento…
Não são incompatíveis. Pode-se trabalhar com inflação baixa e crescimento alto. A China é a prova disso.

O sr. tem um número para a taxa de juros?
Nós queremos descer 0,25 ponto porcentual por mês até alcançarmos um patamar compatível para a rolagem dos
títulos da dívida.

O sr. fala em estimular o mercado interno por
meio da elevação do salário mínimo, mas há o
impacto na Previdência…
Não se pode fazer a conta só de um lado, que só aumenta
a despesa. Na hora que se aumenta o salário também se
aumenta a receita.

O sr. terá base parlamentar para tocar uma Presidência? FHC teve problemas no Congresso…
FHC teve oportunidade de aprovar tudo e só não aprovou porque não quis. Quando se tem um projeto aprovado nas urnas pela sociedade não se tem dificuldade de aprová-lo.

É possível fazer uma reforma tributária em que o País ganhe e ninguém perca?
Se o País combater a pirataria, a sonegação e a informalidade e fizer uma ampliação da base de contribuintes, vamos voltar a uma carga tributária de 25% e arrecadar mais.

E o superávit primário de 3,75% do PIB?
Não adianta fazer superávit primário para queimar tudo em juros. Estamos vivendo no País do faz de conta.

O sr. falou em criar um Ministério do Comércio Exterior…
Tem que se colocar o comércio exterior nas mãos de quem sabe vender, não do Itamaraty. Os EUA têm 400 empresários orientando
a equipe do governo que está cuidando da Alca. Quais são os empresários brasileiros assessorando o governo?

O que o sr. levaria dos sete anos de FHC?
A estabilidade e a lei de Responsabilidade Fiscal, nada mais.

O que é liderança para o sr.?
Liderança é exercer o poder sabendo que às vezes vai desagradar, não é apenas ser bonzinho.

Quem serão os primeiros a serem desagradados?
Os bancos.