A modernização do agronegócio brasileiro ainda não chegou ao sistema financeiro. Cerca de 90% do dinheiro que vai para o campo sai de recursos públicos. Para mudar esse cenário, empresas privadas têm apostado na tecnologia. No início de setembro, a Minerva Foods anunciou um investimento de US$ 3 milhões na startup Traive, que usa inteligência artificial e análise de dados para oferecer crédito e seguros a pequenos produtores rurais.

Segundo o CFO da Minerva Foods, Edison Ticle, as novas tecnologias permitem determinar melhor o perfil financeiro do produtor e seu risco de crédito. “Há cerca de 3 milhões de pecuaristas que precisam de crédito e não o conseguem no sistema existente”, disse. Para Ticle, ao ter detalhes e informações com que os bancos não conseguiam trabalhar, as startups vão permitir a oferta capilarizada de crédito para os pequenos pecuaristas. E a Minerva passa a ter uma ferramenta importante para fidelizar fornecedores, estabelecendo um novo modelo de negócios. “Ganhamos nas duas pontas. Do lado dos produtores e na rentabilização da carteira da Traive, que vai crescer e fazer dinheiro”, disse Ticle.

Em 2019, a empresa criou um fundo de venture capital no valor de US$ 30 milhões para investir em até dez empresas que pudessem alavancar seus negócios. E já foram feitos quatro investimentos, que consumiram metade desses recursos. Os primeiros foram nas foodtechs americanas Amyris e Clara Foods, cujo foco é a produção de proteínas de forma alternativa. O terceiro foi na brasileira Shopper, especializada no varejo. Nas duas primeiras a Minerva deve colocar sua força de distribuição a serviço das novatas. Já na terceira, o projeto foi estabelecer uma operação de entrega de perecíveis. “Nós tomamos conta do açougue deles. Além disso, adicionamos a parte da governança. E com a Traive avançamos sobre nossa base de pecuaristas”, afirmou Ticle.

Segundo Rodrigo Yamamoto, analista da Levante Ideias de Investimento, sem crédito o pequeno produtor não consegue engordar o gado, o que reduz o seu ganho e também a oferta de proteína para os consumidores. “O produtor agrícola sempre esteve na mão de crédito oficial, mas agora há espaço para novas operações e os grandes nomes, como Minerva e JBS, estão saindo na frente”, disse.

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“Há cerca de 3 milhões de pecuaristas que precisam de crédito e não o conseguem no sistema existente” Edison Ticle CEO da Minerva Foods.

Lucas Novello, analista da Zahl Investimentos e ex-executivo do Banco do Brasil, afirmou que a demanda pelos recursos no setor agrícola é muito grande e o sistema financeiro não consegue proporcionar oferta à altura. “O crédito é um recurso subsidiado pelo governo e é cada vez mais escasso. Por isso é importante essa abertura para que outros entrem nesse mercado, como as fintechs”, afirmou.

MENOS RISCOS Para emprestar ou investir, o sistema financeiro e o mercado de capitais exigem garantias. Quando uma empresa do porte da Minerva, Marfrig ou JBS avaliza a operação, isso aumenta e muito a segurança. E, segundo Novello, ao assegurar a parte financeira a Minerva garante também a fidelidade dos parceiros, beneficiando toda a cadeia. “Não está financiando produtor, mas sim antecipando a compra de um produto”, disse.

Ao lado de outras ferramentas de financiamento do setor, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e os Fiagro, fundos dedicados a esses papéis, instrumentos como o da Minerva vão conseguir fornecer capital necessário para o agronegócio. A tecnologia também entra como componente importante e as startups trazem muita inovação, o que deve ajudar ainda mais o mercado de capitais a avançar nesse setor, afirmou o gerente de agronegócio da Valor Investimentos, Phillipe Luis.

Segundo ele, os produtores, mesmo os grandes, não atuavam de maneira profissional na concessão de garantias. Eles plantam bem, fazem bem sua atividade agrícola, mas a parte financeira ainda não evoluiu. “Agora está começando uma profissionalização do setor, com ferramentas importantes para que o Brasil eleve a produção em 40% para suprir a demanda mundial até 2025”, disse. Luis acredita que essas inovações trarão para as finanças do agronegócio algumas inovações que já beneficiaram outras áreas do mercado financeiro. “Existe uma grande distância entre a Faria Lima e o campo. O desafio sempre foi aproximar esses dois universos, e a tecnologia pode ajudar nisso.”