Proprietário de um posto de combustível na zona Sul de São Paulo, o empresário Antônio Carlos Cavizzolli gosta de máquinas desde a infância. Por paixão, dirige automóveis dos anos 1960. Por necessidade, opera maquininhas de cartão de débito e crédito. Seu posto possui várias, operadas pelas principais empresas de adquirência. Pelas regras do Banco Central (BC), Cavizzolli só precisaria ser cliente de uma adquirente. Desde 2012 estão em vigor as regras da chamada interoperabilidade, que exige que qualquer companhia do setor processe as transações de todas as bandeiras em funcionamento. Empresário sabe bem disso. Sua motivação para colecionar maquininhas com a mesma dedicação que coleciona automóveis vintage é outra. “Muitos clientes pagam com cartão de crédito e fica mais fácil antecipar os recebíveis assim.”

Em um país de juros altos, crédito escasso e petróleo com preços instáveis, empresários do setor de combustíveis como ele não podem se dar ao luxo de deixar dinheiro parado nem por um dia. Daí a diversidade das maquininhas. Lançado pelo BC em junho de 2021, o sistema de recebíveis de cartão de crédito deveria ter resolvido esse problema em um prazo curto. No entanto, algumas dificuldades operacionais retardaram a aplicação para pequenas e médias empresas. Considerando-se todos os segmentos, o Brasil tem uma demanda não atendida de R$ 3 trilhões em empréstimos todos os anos, segundo uma pesquisa conduzida pelo BC e pelo Banco Mundial.

Esse sempre foi o pilar mais fraco na concessão de crédito pelo sistema financeiro. As grandes corporações, que oferecem baixo risco de inadimplência, sempre foram recebidas com bandas de música pelos bancos. No caso das pessoas físicas, cujos limites de crédito são definidos por modelos estatísticos, a taxa de juros elevada compensa os riscos. Restam as empresas menores. Com fluxos de caixa menos previsíveis e informações menos precisas (em alguns casos, informalidade), a elas restam poucas fontes de financiamento. A mais comum é a antecipação de recebíveis, em especial os originados por vendas de cartão de crédito.

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“O sistema de registro de pagamentos deverá facilitar o surgimento de soluções de crédito” Otávio Damaso diretor de fiscalização do Banco Central.

Segundo o diretor de fiscalização do BC, Otávio Damaso, a solução já superou os obstáculos iniciais e está pronta para facilitar a captação de recursos pelos pequenos empresários, especialmente do varejo. “Só restam ajustes pontuais”, disse ele ao comentar o aniversário do sistema, no dia 7 de junho. “O registro de pagamentos deverá facilitar o surgimento de soluções de crédito.”

FINTECHS A avaliação de Damaso está correta. Nos últimos meses, dezenas de fintechs surgiram ou diversificaram suas atividades de modo a disputar uma fatia do mercado de empréstimos para pequenas e médias empresas. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), Sandro Reis, as fintechs estão melhor preparadas para lidar com esses clientes. Ele afirmou que o uso mais intenso de dados permite a essas empresas ter uma visão mais precisa da probabilidade de inadimplência dos clientes. “Muitos deles oferecem mais riscos do que os bancos estão dispostos a aceitar, mas as fintechs podem obter informações adicionais suficientes para conceder o empréstimo”, disse ele.

R$ 3 trilhões é a demanda não atendida por crédito no Brasil todos os anos

Um exemplo é a Repom, fintech ligada à empresa de tecnologia Edenred, de origem francesa. A fintech lançou um serviço de antecipação de recebíveis específico para caminhoneiros. Os transportadores autônomos podem antecipar o recebimento de seus fretes. Segundo o diretor da Repom, Vinícios Fernandes, cerca de 30% dos usuários anteciparam o dinheiro de uma só vez e 22% anteciparam de maneira parcelada. “As taxas são menores que as dos empréstimos consignados”, disse ele. Ao aplicar tecnologia e novas fontes de informação aos processos de concessão de crédito, as fintechs se propõem a facilitar e baratear os empréstimos, reduzindo o spread bancário — a salgada diferença entre os juros cobrados do tomador do crédito e as taxas magras oferecidas a quem investe nos bancos, fornecendo a matéria-prima dos empréstimos.