No comando do grupo que controlas as redes Casas Bahia, Ponto e Extra.com, o executivo aposta na concessão de crédito para permitir que mais brasileiros acessem o mercado de consumo.

A Via abandonou o Varejo, mas só no nome. A divisão ainda é crucial para alimentar e fortalecer o ecossistema de serviços no qual a empresa vem investindo desde o início da pandemia. Hoje, a operação logística se tornou uma das principais frentes do negócio, ao lado da concessão de crédito. E mesmo com as perspectivas de pico de inadimplência em 2022, a empresa mantém as apostas no relacionamento com a base de consumidores e no seu sistema de avaliação de risco para manter os índices (hoje de 4,7%), abaixo dos patamares do mercado. Roberto Fulcherberguer, CEO da companhia, tem evitado as discussões políticas e avalia que o cenário é positivo. “Torcemos para que tudo corra bem, mas, quando isso não acontece, seguimos focados no negócio.”

DINHEIRO — O que motivou a mudança do nome Via Varejo para apenas Via?
Roberto Fulcherberguer — Sabíamos que todo o nosso movimento de transformação nos levaria muito além do varejo. A Via deixou de ser o varejo concentrado em um determinado segmento e passou a ter a prateleira infinita. Adicional a isso, a gente vem remontando toda a nossa logística para ser aberta ao mercado. A Via já entrega em 100% dos municípios brasileiros. Chega a 2,5 mil municípios em até 24 horas. Movimentamos aqui um refrigerador, por exemplo, com a mesma facilidade que se movimenta uma fralda. E começamos agora a estender a nossa logística para o marketplace e oferecendo o serviço para outros players que não tenham relação nenhuma com ele. Entramos em uma logística de mar aberto. Isso vai além do varejo.

A privatização dos Correios pode impactar a operação da Via?
A nossa dependência dos Correios hoje é inferior a 5%. Então, tem pouco impacto. A gente vai avaliar a questão da privatização, dado que logística também é um negócio para nós.

O que essa reformulação significa para a empresa em termos de governança?
Atuamos em todas as frentes do ESG aqui na Via. A governança foi uma delas. Isso já vinha sendo construído, então não houve uma mudança de metas pela mudança da marca. A marca, na verdade, veio para traduzir exatamente o que a Via passou, deixando de ser um varejista convencional e para ser um ecossistema muito mais amplo. A gente vem crescendo bastante nossa plataforma de serviços financeiros e com a nossa fintech banQi. Ela nos leva para outro modelo de relação com o consumidor, que descola do varejo. É uma operação que nasce através e é impulsionada pelo varejo, mas que já começa a adicionar muitos clientes que nunca haviam se relacionado com a Via anteriormente. O cliente não precisa consumir nada conosco. Essa vertical de crédito também nos descola de ser o varejo tradicional. Esses atributos adicionais nos levaram a fazer a transformação.

A Via já definiu metas de crescimento para a frente de crédito?
Posso falar de números do segundo trimestre deste ano. O TPV (volume total de pagamentos, na sigla em inglês) do banQi está próximo de R$ 1 bilhão e já temos mais de 2,6 milhões de contas abertas. Estamos muito felizes com a evolução da jornada do empréstimo pessoal.

A previsão de aumento da inadimplência afeta a estratégia de empréstimo pessoal?
Antes de ter empréstimo pessoal, a companhia já financiava os consumidores. Nosso histórico de inadimplência é extremamente baixo e controlado. Mesmo com tudo o que aconteceu desde o início da pandemia, a nossa inadimplência sempre esteve sob controle e dentro dos índices que a gente entende como saudáveis. Não esperamos grandes impactos em termos de inadimplência. Obviamente, monitoramos isso de maneira recorrente. Começamos a oferecer no digital o mesmo modelo de concessão de crédito que tínhamos na loja. Aquele mesmo carnezinho que existia na loja passou a existir de maneira totalmente digital no nosso negócio on-line.

“A nossa dependência dos Correios hoje é inferior a 5%. A gente vai avaliar a questão da privatização, dado que logística também é um negócio para nós” (Crédito:Leila Melhado)

O que permite manter a inadimplência baixa?
O risco de inadimplência, teoricamente, era maior antes. No segundo trimestre, apostamos nos motores de crédito, retroalimentando com machine learning, para poder chegar no quarto trimestre já escalando essa concessão. Estamos experimentando níveis de inadimplência muito similares ao que temos na loja física. Em alguns casos, até menores. Mas as plataformas estão todas digitalizadas, então é muito rápido fazer essa análise e eventuais correções de rota.

E o que seria essa eventual correção de rota?
Temos um motor de crédito com 15 modelos e mais de 1,5 mil variáveis em cada um deles A correção de rota está implícita, pois é o modelo que diz se a gente vai conceder o crédito. Conseguimos criar um modelo automatizado humanizado.

E como humanizar o modelo de crédito baseado em inteligência artificial?
A construção do histórico de aprovação se deu no contato humano. Antes, uma pessoa estava na loja fazendo essa liberação. A base desse modelo é a humanização na concessão de crédito. Mas ele funciona hoje de maneira totalmente automatizada, então você pode nos adicionar infinitos parâmetros para a concessão.

Com um dos maiores bancos de dados de clientes do País, como a Via se adequou à LGPD?
Temos mais de 97 milhões de clientes nessa base. Desde o momento que foi definida uma data para a LGPD, começamos a atuar em todas as frentes. Estamos muito bem endereçados nessa questão. Usamos os dados na medida em que o consumidor autoriza.

Essa base de dados está sendo usada para a concessão de crédito?
Sem dúvida, essa base nos dá uma ferramenta para fazer a concessão de crédito. Esse conhecimento cria algumas personas. É fácil identificar o cliente que está chegando e em que persona que ele se enquadra para facilitar e acelerar a concessão de crédito. Hoje, ao fazer o login no nosso app, enquanto o consumidor está, por exemplo, pesquisando um televisor, eu já estou analisando para chegar à conclusão se temos crédito para essa pessoa e já estampo um banner com o crédito pré-aprovado conosco.

Como enxerga o crescimento da concorrência na frente de concessão de crédito e serviços financeiros?
O mercado é concorrido, mas temos pilares importantes. O crédito é uma barreira de entrada para as empresas porque não basta você ter dinheiro para operar nessa frente. A empresa pode perder muito dinheiro se não souber como fazer concessão de crédito no Brasil. E isso nós temos: capital, parceiros e mais de 60 anos em concessão de crédito. A Via é a via de acesso do brasileiro ao mercado de consumo.

Como a Via está preparada para a disputa de e-commerce com gigantes como Amazon e Magazine Luiza?
A barreira de crédito é fundamental nesse caso também. Hoje, só 10% do Brasil compra on-line. É um grupo formado, basicamente, por clientes que têm cartão de crédito e estão em grandes centros. É fácil fazer essa logística. À medida que o e-commerce se expande, começamos a lidar com consumidores que não possuem cartão de crédito. Na nossa plataforma, essa pessoa vai conseguir crediário digital. Além disso, a logística desses casos passa a ser mais complexa. Mas nós já temos uma estrutura que chega a 100% dos municípios brasileiros, tanto para categorias leves quanto pesadas.

Outro fenômeno no varejo hoje é o crescimento das plataformas de e-commerce internacionais. Esse avanço no Brasil é uma ameaça?
É visível que estão investindo muito em comunicação. A questão aqui é que não há uma grande qualificação, nem dos itens e nem do processo como eles chegam no Brasil. Não podemos oficializar itens que não pagam tributos e que podem não ser verdadeiros. Vamos passar por uma grande higienização dos marketplaces e isso vai afetar todos, tanto os players nacionais quanto os internacionais. O Brasil não vai conseguir conviver por tanto tempo com produtos falsos transitando pelos marketplaces. Já vemos as autoridades se empenhando nisso.Esse processo dificulta um pouco a operação para os players internacionais, mas são players fortes.

“A loja física deixou de ser o lugar de compra e passou a ser uma central de relacionamento com o consumidor. Vai ficar cada vez mais difícil entender o que é uma venda física e uma venda digital” (Crédito:Divulgação)

Qual o papel da loja física daqui em diante?
Ressignificamos a loja física, que deixou de ser o lugar de compra e passou a ser uma central de relacionamento com o consumidor. Vai ficar cada vez mais difícil entender o que é uma venda física e o que é uma venda digital. A nossa cabeça aqui na Via é preparar o consumidor para a jornada como, onde e quando ele quiser.

Como avalia o ritmo da agenda econômica do governo brasileiro durante a pandemia?
Este é um ponto em que não gostamos de nos posicionar. Estamos focados na agenda de transformação da Via. Os empresários brasileiros aprenderam a seguir em frente, sem olhar para o que acontece na política. Torcemos para que tudo corra bem, mas quando não acontece isso, seguimos focados no negócio e temos tido sucesso

A retração do PIB impacta as perspectivas da operação para o próximo ano?
Até agora, estamos experimentando crescimento na Via. Os últimos oito trimestres foram de crescimento. Seja pelo crescimento do próprio mercado seja pelo ganho em marketshare. No caso da Via, não há do que reclamar. Estamos em uma jornada de crescimento consistente.

O que puxa o crescimento de marketshare?
Não estávamos dando a melhor jornada para o consumidor. Resolvemos isso e adicionamos elementos novos. Para a jornada digital, por exemplo, trouxemos o crédito. Também melhoramos muito o nível de serviço da nossa operação logística.

Há uma expectativa de retomada dos patamares de consumo no País?
É difícil fazer essa previsão agora, dado o momento em que estamos. No caso da Via, seguimos crescendo de maneira consistente. Se o tamanho da pizza não aumentar, vamos ter que aumentar a nossa fatia.

O que poderia estimular o consumo?
Crédito é uma necessidade. Precisamos facilitá-lo para o consumidor. É uma jornada a que temos nos dedicado bastante.

Você já está no mercado há muito tempo. Está mais difícil fazer negócio no Brasil?
Não. O Brasil é difícil para quem não conhece o Brasil, para quem não tem um grande conhecimento do País. Fazer logística aqui é complexo. A questão tributária é complexa. A concessão de crédito é complexa. Mas, para nós, não está mais difícil fazer negócios no Brasil.