Empresas estatais sempre foram um assunto controverso, e mais ainda no Brasil. Quase sempre são associadas à má gestão, que ocorre por vários motivos. Dentre os principais as amarras da legislação e os objetivos estratégicos. As amarras legais e regulamentares multiplicam os controles e burocratizam os processos, o que eleva os custos e desacelera as decisões. Já os objetivos estratégicos são um problema mais difícil de solucionar.

Uma pitada de história. No Brasil, as empresas estatais foram a saída encontrada desde o Segundo Império para tentar acelerar o desenvolvimento econômico. A economia agrária, a falta de capital, infraestrutura e mão-de-obra qualificada eram entraves praticamente intransponíveis. Para supera-los a solução era o Estado usar seu poder econômico para atuar diretamente na produção.

Como resultado, muitas das estatais brasileiras foram obrigadas desde o início a ir muito além de suas chinelas. O melhor exemplo é o da Petrobras. A estatal petrolífera foi criada em 1953 na esteira da campanha “O Petróleo é Nosso”, no segundo governo de Getulio Vargas. Produzir petróleo é uma tarefa hercúlea, mais ainda no Brasil, com pouco capital, sem tecnologia e, para piorar, com as jazidas petrolíferas localizadas em alto mar. Como resultado, nos anos que se seguiram, a Petrobras foi chamada – nem sempre seguindo a vontade de seu corpo gerencial – a assumir tarefas alheias às prospecção e extração de petróleo.

O mesmo raciocínio vale para os bancos estatais. O Banco do Brasil foi fundado em 1808, ainda antes da Independência. Durante mais de século e meio, até 1976, ele funcionou como a maior instituição financeira brasileira, além de exercer as funções de Banco Central, por meio da Superintendência da Moeda e Crédito (Sumoc), e de regulador informal do sistema – incluindo-se aí o socorro aos bancos privados que ficavam pelo caminho devido à irresponsabilidade de seus controladores. Ainda hoje, o BB é um agente público essencial à economia brasileira, por ser o principal operador financeiro do agronegócio. E não é preciso falar mais nada.

Já a Caixa Econômica Federal nasceu no Segundo Império. Foi fundada em 1861 como Caixa Econômica e Monte do Socorro. Seus fundadores tinham boas intenções. Ao ser um banco com a garantia do governo imperial, a Caixa seria um depositário seguro para os pequenos poupadores, incluindo-se aí os escravos que economizavam para comprar suas cartas de alforria. A Caixa é, hoje, o banco com mais capilaridade. Está em todas as cidades do País, diretamente ou por meio dos agentes lotéricos. Tem mais de 70% do crédito imobiliário, e permite a milhões de brasileiras e brasileiros pagar suas contas, receber benefícios e proteger suas suadas economias.

Se os números dos bancos estatais não são tão pujantes quanto os de seus concorrentes de varejo, isso não se deve apenas às amarras gerenciais e à contaminação política das indicações de diretoria. A causa também é a necessidade deles preencherem as imensas lacunas da economia brasileira, especialmente na base da pirâmide. Por isso, é preciso lamentar quando Caixa Econômica e Banco do Brasil se tornam instrumentos rasteiros de política partidária, transformando-se em parte do aparelho repressor do Estado.

Ao longo das últimas semanas, os presidentes da Caixa, Pedro Guimarães, e do BB, Fausto Ribeiro, pressionaram seus pares do setor privado para não assinarem um documento inofensivo defendendo a isonomia entre os Três Poderes. Para o governo Bolsonaro, quaisquer atitudes além da sujeição e da vassalagem são imperdoáveis. Daí o uso político desses bancos e a justa punição. Na quarta-feira (8), o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), Lucas Furtado, apresentou um pedido à presidente da corte, a ministra Ana Arraes, para que o TCU afaste temporariamente Guimarães e Ribeiro de seus cargos. Furtado entendeu que houve abuso de poder dos presidentes dos bancos públicos na briga entre eles e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) que repercutiu até semana passada. O pedido é para que tanto Guimarães quanto Ribeiro fiquem afastados dos cargos até que o tribunal decida sobre a questão. Qualquer que seja o resultado, que o pedido sirva de advertência. A missão dos bancos estatais é importante demais para que seus presidentes se transformem em guarda-costas da imagem do chefe do Executivo.

Cláudio Gradilone é editor de Finanças da DINHEIRO