Em todas as propostas de reforma tributária formuladas até agora, existem pontos que parecem vantajosos para empresários e economistas, e outros que causam divergência. Há pelo menos sete candidatas para a reforma. Já estão avançadas em tramitação uma apresentada pelo deputado Baleia Rossi com base no trabalho do economista Bernard Appy, que é defendida pela Câmara, e outra que foi apresentada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly, abraçada pelo Senado. Para os próximos dias, o governo federal ainda promete apresentar a sua proposta, encabeçada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. Outra que deve chegar à mesa nos próximos dias é elaborada por governadores. E ainda correm por fora outras sugestões, que incluem uma do Instituto Brasil 500, feita por empresários, e outra do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que ajudou a nortear a proposta do governo.

As duas primeiras contam com uma vantagem óbvia, que é o fato de terem avançado em tramitação em pelo menos uma comissão da Câmara. Essa vantagem é boa a ponto de Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso, defender na última semana que o governo federal nem encaminhe um texto próprio à Câmara. Mesmo que não fosse assim, a proposta preparada pelo Ministério da Economia ainda tem uma outra grande desvantagem. Guedes e Cintra têm defendido um imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da antiga CPMF, o que causa urticária nos empresários. Isso pode trazer muitas resistências ao projeto. Na segunda-feira 12, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, declarou que a única certeza é que a aprovação de uma nova CPMF não acontecerá “sob hipótese nenhuma”. Também o presidente, Jair Bolsonaro afirmou no mesmo dia que já pediu para a CPMF ser retirada da proposta do governo. “Determinei que não existirá nova CPMF”, afirmou. “Nós vamos é fundir impostos.” Dois dias depois, o presidente afirmou que “o Cintra por enquanto está muito bem”, desmentindo informações de que seria ele demitido em função de uma suposta perseguição da Receita Federal a seus filhos — e, claro, por defender a CPMF.

Dois passos na frente: proposta de reforma do deputado Baleia Rossi (acima) já passou por duas comissões da Câmara (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

SIMPLIFICAÇÃO A preferência de Cintra por um imposto sobre movimentação financeira é conhecida. Ao mesmo tempo que Maia e Bolsonaro discursavam contra a CPMF, o secretário da fazia declarações favoráveis a esse formato de tributo. Para ele, um imposto do tipo substituiria a contribuição previdenciária, desonerando a folha de pagamento. Também permitiria baixar a alíquota do imposto sobre valor agregado (IVA), que unificará diferentes impostos para simplificar as cobranças, e que existe em todas as propostas já apresentadas. O difícil será convencer alguém que uma nova CPMF traga benefícios a qualquer parcela da sociedade que não seja o próprio governo. “Um imposto como a CPMF é o melhor tributo possível para governos, mas não é bom para a população”, diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

É simples entender esse raciocínio. O imposto sobre movimentação financeira não exige esforços de cobrança o governo. A ele cabe apenas receber a alíquota já cobrada pelos bancos, sem precisar montar aparatos de declaração e de checagem de informações financeiras dos cidadãos. Depois, é só gastar a receita recebida. Já para a população há muitas desvantagens. Uma das maiores delas é o imposto ser cumulativo, sendo cobrado a cada transação feita dentro de uma cadeia. O imposto incide a cada venda, mesmo realizada entre empresas. Dessa forma, um produto e serviço que chega ao consumidor só depois de passar por intermediários ou distribuidores, ou que depende de uma cadeia de suprimentos longa, sofrerá impostos em cascata. “A antiga CPMF chegou até taxa de 0,38%, o que causava o efeito de pesar 1,08% no preço final do produto”, diz Olenike. “Membros do governo dizem que o novo imposto teria tarifa em torno de 2%. Isso poderia levar o consumidor final a pagar quase 7%.”

Bernard Appy, diretor do centro de cidadania fiscal: “Com a diminuição da Selic, esse tipo de tributo tem efeitos desastrosos” (Crédito:Divulgação)

DESBANCARIZAÇÃO Um peso tributário tão alto se justifica pela sugestão de que a proposta atual seria de um imposto com incidência tanto sobre quem paga quanto sobre quem recebe a transação. A antiga CPMF era paga apenas pelo pagador. Se o imposto for cobrado entre transações bancárias, o efeito seria ainda maior. “A empresa que recebe um débito, por exemplo, pagaria o imposto duas vezes, se depois utilizasse o dinheiro para remunerar um funcionário. E depois a pessoa que transferir o mesmo dinheiro para uma aplicação financeira poderia pagar de novo”, afirma o especialista em tributação. Dessa forma, o imposto incidiria três vezes sem nenhuma criação de valor adicional. E um dos princípios tributários deve ser taxar a criação de valor. “A experiência da CPMF no Brasil não foi tão ruim porque a alíquota era baixa num contexto de juros altos”, disse Appy, em entrevista ao portal Terra. “Com a diminuição da taxa Selic, esse tipo de tributo tem efeitos desastrosos. Você pagaria mais impostos do que juros em certos empréstimos.”

Ainda há discussões de que o tributo tem efeito regressivo, penalizando quem ganha menos. O rico e o pobre pagariam os mesmos 2% sobre a compra do pãozinho. Isso aumenta uma bem conhecida distorção tributária brasileira: o excesso de impostos sobre o consumo. Por aqui, segundo o IBPT, cerca de 60% da carga está sobre o consumidor. Em países desenvolvidos, a regra está em taxar mais a renda, criando faixas de alíquotas mais pesadas para quem ganha mais. Como se não fosse o bastante, um imposto sobre movimentação financeira ainda pode incentivar a desbancarização. Ainda mais se o tributo atingir, na prática, mais de 5% do valor de um produto ou serviço. “Todos impostos têm vantagens e desvantagens”, afirma José Marcio Camargo, economista da PUC-RJ. “Se um imposto sobre movimentação é simples e não exige declaração, ele tende a gerar ineficiências de alocação.”

A antiga CPMF vigorou entre 1997 e 2007. Apesar de ser prometida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso como um imposto temporário, que deixaria de ser cobrada em 1999, ela foi sendo prorrogada por uma década. O imposto anterior também tinha uma meta original clara. Serviria para custeio da saúde pública, da Previdência Social e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. No entanto, continuou sendo utilizada até mesmo pelos governos seguintes de Luiz Inácio Lula da Silva para cobrir rombos dos gastos governamentais. Dilma Rousseff, depois de eleita em 2010, também defendeu a recriação do imposto, que poderia se chamar Contribuição Social para a Saúde (CSS). De má fama, ninguém defende mais um imposto com o nome de CPMF, mas a ideia de governos utilizarem impostos sobre movimentação financeira para arrecadar de forma mais fácil continua a ressurgir de tempos em tempos no Brasil.