Com mais de dois meses de duração (começou em 27 de abril), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 entra em uma nova fase, como afirmam os senadores que conduzem a investigação. Com 32 assinaturas favoráveis, a comissão deve ser prorrogada por mais 90 dias para mergulhar nos escândalos revelados na última semana que indicam superfaturamento no contrato de compra da vacina Covaxin.

A CPI adiou o depoimento de Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, e convocou nesta quinta-feira (1) Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, que intermediaria a venda da vacina AstraZeneca. Em seu depoimento, Dominguetti acusou o governo de pedir US$ 1 de propina a cada dose de imunizante vendida.

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A empresa admitiu, em nota divulgada à imprensa nesta quarta-feira (31), que Dominguetti intermediou a negociação com o governo, embora não tenha vínculo empregatício com a Davati e atue como vendedor autônomo. No entanto, a Davati nega conhecer as denúncias apresentadas. Já a AstraZeneca publicou nota afirmando não ter representantes comerciais no Brasil.

O planalto, por sua vez, defende-se das acusações de irregularidades na compra da AstraZeneca e também da Covaxin. O governo compraria 20 milhões de doses do imunizante indiano, no valor de R$ 1,6 bilhão – a aquisição não foi finalizada devido à repercussão das denúncias. O próprio presidente Bolsonaro chegou a declarar que não tem como saber o que acontece nos ministérios.

Entenda as denúncias e os personagens envolvidos na trama.

Luiz Paulo Dominguetti x Roberto Ferreira Dias

Policial militar em Minas Gerais, o cabo Dominguetti responde a 37 processos judiciais. Ele diz que se encontrou com representantes do Ministério da Saúde em um shopping em Brasília, onde teria ouvido o pedido de propina na aquisição da vacina AstraZeneca. A denúncia de Dominguetti derrubou Roberto Ferreira Dias, acusado de pedir a propina, da diretoria de Logística do Ministério da Saúde nesta terça-feira (30).

Luis Ricardo Miranda

Servidor concursado e coordenador de importação no Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Miranda identificou e denunciou irregularidades no contrato de compra da Covaxin na CPI. Ele afirma que sofreu pressões atípicas de superiores para aprovar a compra. Na CPI, reafirmou as suspeitas e ainda declarou que apresentou as desconfianças ao presidente Jair Bolsonaro, em 20 de março. Dias depois disse que seu acesso aos sistemas internos do Ministéro da Saúde foi bloqueado.

Luis Claudio Miranda

Irmão de Luiz Ricardo e deputado federal até então da base aliada ao governo, Luis Miranda (DEM-DF) era youtuber e ganhou fama com dicas de empreendimento. Alertado pelo irmão, procurou Bolsonaro para fazer a denúncia e disse ter ouvido do presidente que pediria investigação à Polícia Federal, o que não foi feito.

Miranda chegou à CPI com colete à prova de balas e, assim como o irmão, estão sob proteção policial. Ambos foram contestados publicamente pelo Ministro da Secretaria Geral da República, Onyx Lorenzoni: “vão se entender não só com Deus, mas com a gente também”.

O deputado é acusado de fraude em seus negócios no Brasil e nos Estados Unidos. Uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, mostrou denunciantes que teriam sido fraudados por Miranda. O deputado, que já se livrou de outras denúncias na Justiça, nega as acusações.

Ricardo Barros

O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) é líder do governo na Câmara e acusado de ser o chefe do suposto esquema de corrupção que superfaturaria US$ 1 para cada dose de vacina da Covaxin. Segundo Miranda, o presidente Bolsonaro teria citado Barros como responsável pelo caso ao ouvir as denúncias. Barros, que apoiou os últimos cinco presidentes, teve seu mandato de deputado federal cassado em 2018 por compra de votos, mas a sentença foi anulada depois de três meses.

Barros nega as acusações.

Francisco Maximiano

Sócio da Precisa Medicamentos, Maximiano é figura central na trama. Sua empresa representa a Bharat Biotech, indiana que fabrica a Covaxin, e intermediaria a compra da vacina. Documentos da CPI comprovam que a empresa brasileira cobrou urgência do Ministério da Saúde na tramitação do contrato. Outro indicativo de corrupção seria que uma terceira empresa, a Madison, com sede em Singapura, receberia parte dos pagamentos, segundo o relato dos irmãos Miranda. A Precisa nega irregularidades e diz que a compra seguiu os padrões da Bharat Biotech para comércio internacional.

Maximiano também é presidente da Global Gestão de Saúde, investigada por fraude na compra de remédios durante a gestão de Ricardo Barros na Saúde (governo Temer). Barros teve sigilo bancário e telefônico quebrado pela CPI e deve depor à comissão nas próximas semanas. O parlamentar pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ficar em silêncio durante a sessão, mas a corte ainda não se manifestou.

Jair Bolsonaro

O presidente é, por enquanto, alvo de suspeitas de prevaricação – soube do esquema de corrupção, mas nada fez. Segundo Miranda, ele teria prometido acionar a PF para investigar e não o fez. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) apresentaram ao STF uma notícia-crime contra o presidente, que nega todas as acusações.

Eduardo Pazuello

O general da ativa era o ministro da Saúde no momento em que a compra da Covaxin foi negociada. Luis Claudio Miranda disse que conversou com Pazuello, que teria reconhecido corrupção em sua pasta, mas que não poderia agir. O atual secretário de Assuntos Estratégicos já havia sido demitido do ministério e aguardava a nomeação de Marcelo Queiroga quando houve o encontro entre os irmãos Miranda e o presidente. Pazuello já depôs, mas alguns senadores desejam reconvocá-lo após as últimas denúncias.

A ex-mulher de Pazuello teria procurado a CPI para falar sobre o ex-marido e sua atual namorada, que trabalha no Ministério da Saúde, segundo o colunista Lauro Jardim, de O Globo.

Alex Lial Marinho

Ex-coordenador do Ministério da Saúde, o tenente-coronel teria sido o responsável por pressionar Luis Ricardo Miranda a aprovar a compra da Covaxin. Também teve sigilo fiscal, telefônico, telemático (digital) e bancário quebrados, embora não tenha data definida para seu depoimento na CPI.

Élcio Franco

Ex-secretário executivo da Saúde, o coronel era o chefe de Alex Marinho e número 2 da pasta sob o comando de Pazuello. Franco depôs na CPI em 9 de junho e apareceu ao lado de Lorenzoni na coletiva de imprensa em que acusaram os irmãos Miranda de fraude no documento de compra apresentado pela Precisa – como a própria empresa admitiu, os invoices (propostas de compra) eram verídicos e eram diferentes pois foram alterados ao longo da negociação para evitar, por exemplo, o pagamento antecipado pelas doses de vacina.