Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de 10% a 20% dos pacientes que foram infectados pelo coronavírus podem desenvolver a chamada covid longa, caracterizada por sintomas que aparecem três meses após o tratamento e pode durar 60 dias. A condição é tão debilitante que um paciente britânico decidiu pagar mais de 40.000 libras (R$ 257.600) para viajar ao exterior e ter o sangue “lavado”, em um procedimento conhecido como aférese, que não tem comprovação de eficácia nesse caso.

Esse é um dos casos relatados em uma investigação divulgada pelo periódico científico British Medical Journal (BMJ) na última terça (12/7). São milhares de pacientes que estão viajando para clínicas particulares no Chipre, na Alemanha e na Suíça para fazerem o tratamento de filtragem de sangue que normalmente é recomendado para quem tem distúrbios lipídicos e não respondem aos medicamentos.

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Em entrevista ao jornal britânico The Telegraph, o pesquisador Shamil Haroon, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que estuda covid longa, afirma que tratamentos experimentais como a aférese devem ser usados apenas em ensaios clínicos.

“Não é surpreendente que pessoas que anteriormente eram altamente funcionais, que agora estão debilitadas, não podem trabalhar e não podem se sustentar financeiramente, procurem tratamentos em outros lugares. É uma resposta completamente racional a uma situação como essa. Mas as pessoas podem falir acessando esses tratamentos, para os quais não há evidências suficientes de eficácia”, comenta Haroon.

Na aférese, agulhas usadas em transfusão são colocadas em cada braço para que o sangue passe por um filtro, onde os glóbulos vermelhos são separados do plasma. Este é filtrado antes de ser recombinado com os glóbulos vermelhos e devolvido ao corpo por outra veia.

O relato do BMJ mostra o caso da psiquiatra holandesa Gitte Boumeester, que mora em Almelo, que gastou mais de 50.000 euros (R$ 272.500) para fazer esse tratamento no Chipre.

O empresário britânico Chris Witham, de 45 anos, que vive em Bournemouth, está há tempos com covid longa e decidiu gastar cerca de 7.000 libras (R$ 45.150) com aférese na Alemanha no ano passado. “Eu teria vendido ou dado minha casa para melhorar, sem pensar duas vezes”, comenta o empresário ao periódico científico.

O problema é que nenhum desses dois pacientes obteve melhora nos sintomas da covid longa. Apenas seis pessoas contatadas pelo BMJ disseram acreditar que o tratamento ajudou de alguma forma.

Em fevereiro do ano passado, a médica Beate Jaeger começou a tratar com aférese esse tipo de paciente em sua clínica em Mulheim, na Alemanha, depois de ler relatos de que a covid longa estaria associada a problemas de coagulação do sangue.

Em conversa com o BMJ, a médica afirma que já tratou milhares de pessoas em sua clínica e que, embora aceite que o procedimento seja experimental, a pandemia deixou os pacientes desesperadamente doentes e sem condição de esperar pelos testes clínicos.

É o caso do pneumologista britânico Asad Khan, que mora em Manchester. Para ele, os especialistas deviam considerar a prescrição off-label (foram da recomendação autorizada) de certos medicamentos, como anticoagulantes, após conversarem com o paciente sobre riscos e benefícios. “Precisamos sair dessa adesão servil às diretrizes […] Vamos pensar fora da caixa e oferecer tratamento teste aos pacientes e ver se eles se beneficiam disso”, comenta Khan ao BMJ.

Ele realizou nada menos que 21 sessões de aférese na clínica de Beate Jaeger em Mülheim. Somadas a outros tratamentos, como anticoagulação tripla e osteopatia craniana, Asad Khan teria gasto cerca de 40.000 libras (R$ 257.600).