A previsão de recursos para a ciência brasileira em 2019 é “simplesmente calamitosa”, dissea o jornal O Estado de S. Paulo o presidente da Financiadora de Inovação e Pesquisa* (Finep), Marcos Cintra. A proposta orçamentária enviada à agência para o ano que vem prevê apenas R$ 746 milhões para financiamentos não reembolsáveis, que são recursos destinados ao suporte da pesquisa científica em instituições públicas – incluindo universidades e institutos nacionais de ciência e tecnologia.

Isso é 35% a menos do que o valor previsto no orçamento deste ano, de R$ 1,15 bilhão, do qual apenas R$ 700 milhões deverão ser executados de fato – em função dos limites de empenho e contingenciamentos aplicados pelo governo no decorrer do ano. “Isso significa que vamos começar 2019 com o mesmo valor que está sendo executado neste ano, que já é baixíssimo; e ainda sujeito a todas as limitações que normalmente ocorrem ao longo do exercício”, afirmou Cintra; querendo dizer que, se o valor inicial será R$ 700 milhões, então o que poderá ser gasto de fato será certamente bem menos do que isso.

Isso é menos da metade, também, do que a Finep precisa no ano que vem só para pagar a primeira parcela de compromissos já assumidos nos editais de anos anteriores, no valor de R$ 1,6 bilhão. Tradicionalmente, a agência faz dois desembolsos a cada ano. Juntando as duas parcelas, segundo Cintra, o valor deve passar de R$ 2,5 bilhões.

“Ações novas em 2019, não teremos nenhuma”, avisa ele. “Pode ser que a gente nem comece a liberar os recursos dos editais lançados neste ano, que já foram muito poucos.”

Os impactos disso para o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do País serão muito negativos, segundo ele. “Não só deixaremos de avançar como perderemos muito do esforço que foi feito no passado”, afirma Cintra. “A ciência é uma atividade muito dinâmica; não é como a construção de uma ponte ou estrada, que você para por um tempo e depois recomeça do mesmo ponto onde parou.”

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A notícia da Finep chega na esteira de duas cartas públicas divulgadas pelos presidentes das duas outras principais agências federais de fomento à ciência no Brasil – Capes e CNPq – denunciando o risco do corte de bolsas e investimentos em 2019, que tiveram grande repercussão nos últimos dias. No caso da Capes, os recursos previstos só seriam suficientes para pagar bolsas até agosto. (O presidente Michel Temer disse depois que “não deixará faltar” recursos.) No caso do CNPq, para não cortar bolsas, será necessário zerar os investimentos em pesquisa no ano que vem.

Quem define esses orçamentos são os ministérios aos quais as agências de fomento estão atreladas – MEC e MCTIC, respectivamente -, com base nos montantes reservados a cada pasta no orçamento federal, que é definido pelo Ministério do Planejamento.

Orçamento ministerial

O orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) em 2019, de R$ 3,75 bilhões**, corresponde a pouco mais de um terço do que a pasta tinha disponível cinco anos atrás (próximo de R$ 10 bilhões), em valores corrigidos pela inflação. Nessa comparação, é preciso levar em conta ainda que o número de pesquisadores cinco anos atrás era menor do que o atual, e que em 2016 o MCTIC foi fundido com o Ministério das Comunicações, deixando de ser uma pasta “puro sangue” de ciência e tecnologia. Ou seja, no final das contas, a redução “per capita” de recursos para o setor é ainda mais drástica do que pode parecer inicialmente. Segundo o CNPq, há cerca de 200 mil pesquisadores no Brasil.

“Os valores disponibilizado para o MCTIC e o universo de institutos vinculados são suficientes para o custeio das atividades em 2019, e investimentos do sistema de ciência e pesquisa demandam novos recursos”, declarou o ministério, em nota.

Os valores ainda não são definitivos, pois o orçamento final da União só será votado em dezembro.

FNDCT contingenciado

A Finep, mais especificamente, é uma empresa pública vinculada ao MCTIC, responsável pela gestão e aplicação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Nesse caso, portanto, o orçamento dela é definido pela arrecadação do FNDCT e não pelo Tesouro Nacional. O fundo é grande, mas seus recursos são frequentemente e significativamente contingenciados pelo governo para manutenção do superávit primário.

A arrecadação do FNDCT prevista para 2019 é de R$ 5,5 bilhões, dos quais R$ 3,5 bilhões (65%) deverão ser contingenciados, e só os R$ 746 milhões já mencionados serão liberados para financiamentos não reembolsáveis. “É um patamar elevadíssimo de contingenciamento”, diz Cintra. Esses recursos não reembolsáveis são destinados principalmente à compra de equipamentos e manutenção de infraestrutura laboratorial nas universidades e institutos de pesquisa (gastos estruturais que, normalmente, não são cobertos por outras agências de fomento).

No caso de financiamentos reembolsáveis (para fomento à inovação tecnológica no setor privado), o orçamento previsto no FNDCT para 2019 é de R$ 1,5 bilhão. Um valor adequado, segundo Cintra. “Nesse caso não há problema nenhum. O problema mesmo está nos recursos não reembolsáveis.”

Cintra reconhece que há uma limitação de recursos, resultante da situação econômica do país, mas diz que os recursos disponíveis estão sendo mal administrados pelo governo. “Governar é escolher”, diz ele, que é economista e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. “Uma área tão estratégica como ciência e tecnologia não pode ser tratada como outra área qualquer. Não dá para passar a régua e cortar tudo igual.”

Os recursos do FNDCT, a princípio, não poderiam ser contingenciados, e isso está sendo questionado judicialmente.

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*Originalmente conhecida como Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep mudou seu nome em julho para Financiadora de Inovação e Pesquisa.

**Mais R$ 1,35 bilhão do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que são recursos destinados a alguns projetos específicos, como o acelerador de partículas Sirius e o Reator Multipropósito.