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Dinheiro para a Internet não acabou. Há R$ 2 bilhões sobrando. Faltam bons projetos

 

Assim que a Nasdaq colocou a língua de fora, não faltou quem afirmasse que os cofres não se abririam tão cedo para novos lances na Internet. É verdade, a ressaca existe, mas ela não é tão profunda como parece. Ainda há dinheiro, muito dinheiro diga-se, para investimentos na rede. Segundo cálculos da CL Convergence, associação da Trevisan Associados com o banqueiro Luiz César Fernandes, os fundos de investimentos têm em caixa cerca de R$ 2 bilhões para investir em empresas pontocom ou em companhias que orbitam em torno delas. A diferença é que se trata de um dinheiro exigente, chato até, que só se atira aos braços dos empreendedores quando sabe que será bem tratado. ?Antes colocava-se dinheiro em 10 companhias, esperava retorno em apenas uma e ficava sem nada no final?, diz Fernandes. ?Hoje a procura é por investimentos seguros.?

Há diversos sinais de que os donos do dinheiro estão muito mais criteriosos na hora de abrir a mão. Nos últimos oito meses, segundo a CL Convergence, apenas US$ 80 milhões entraram no País para alimentar negócios da Web. Além disso, observe-se a atitude de alguns grandes investidores. Criada em março de 2000, a Invent, incubadora de Internet, analisou mais de 1.200 projetos. Apenas quatro saíram do papel. Nos empreendimentos nos quais o ABN Amro coloca dinheiro, os donos só podem abandonar o barco com a concordância do banco. A exigência faz parte dos contratos. O Opportunity mantém cerca de US$ 100 milhões à espera de oportunidades para aumentar seu atual portfólio de negócios na rede. Até agora, não as encontrou. ?Hoje, antes de investir, os interessados fazem três perguntas?, diz Bruno Laskowsky, diretor da A. T. Kearney, uma das principais consultorias do País. ?A primeira é se aquela empresa de Internet agrega valor aos negócios da chamada Velha Economia e não apenas substitui um modelo.? A seguir, segundo Laskowsky, questionam se a tecnologia utilizada, mesmo que seja inovadora, não se tornará rapidamente obsoleta. Terceira e última questão: a empresa tem gente talentosa para o desenvolvimento do negócio? Como não perdê-la? ?Obter respostas positivas para essas perguntas é como encontrar um diamante em estado bruto?, diz ele. ?Basta lapidá-lo e você terá uma fortuna na mão.?

 

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Senhores do capital: Com a queda da Nasdaq, empresas pontocom ficaram baratas. Caçadores de negócios, como Rodrigues, Waddington e Abreu, aproveitam para aumentar seu portfólio

 

O ABN Amro segue esse roteiro na prospecção por novos negócios. Nos últimos seis meses, desembolsou US$ 37 milhões para comprar participações médias de 10% em três empresas da Nova Economia: a Conectiva, representante brasileira do Linux, a Pégasus, de infra-estrutura para redes, e a Tecto, especializada em catálogos eletrônicos. Para chegar a esses nomes, a equipe de private equity do ABN analisou mais de 100 projetos. Este ano, outros quatro investimentos semelhantes devem ser concretizados. A caça é por uma integradora, uma empresa de desenvolvimento de softwares e, quem sabe, uma na área de biotecnologia. ?O foco não é por empresas pontocom?, diz Marcos Matioli, responsável pelo private equity do ABN. ?Queremos negócios de tecnologia que sejam uma ponte para a economia real.? A Tecto, por exemplo, é uma produtora de catálogos técnicos impressos. O dinheiro vindo do banco servirá para colocar seus 30 mil itens na Internet. A meta para esses investimentos é de uma valorização anual de 25%. No prazo de três a cinco anos, o ABN quer vender suas participações. ?Nosso aporte de capital deve servir para uma forte arrancada dessas companhias, não para o fluxo de caixa?, diz Matioli. ?Por isso, queremos negócios com grande potencial de expansão.?

Para entender a lógica de Matioli, observe a trajetória da Conectiva. A empresa tem registrado índices de crescimento anual de 150%, desde que foi criada em 1996, em Curitiba, por sete ex-funcionários do Banco do Brasil. Em 2001, suas receitas devem bater em R$ 25 milhões. Sua carteira de 200 clientes abriga bancos como o HSBC e o Banrisul. O bom desempenho atraiu parceiros como a Intel, maior fabricante de processadores do mundo, e o fundo Latintech Capital, além, é claro, do ABN. ?Ao contrário de outras empresas de tecnologia, estamos trabalhando no azul?, afirma Luiz Eduardo Fraga, diretor-financeiro.

Isso explica o assédio de grandes investidores sobre a Conectiva. ?Hoje, os investidores trabalham para ter retorno num prazo de 12 a 18 meses?, diz o consultor Jaques Rosenvaig, da VP Web, especializada na análise de projetos para a Internet. ?Antes faziam investidas na rede com visão estratégica, sem pensar em período de retorno.? Há um detalhe importante nessa mudança de postura. Antes, existia muito dinheiro para pouco projeto e todos queriam fincar um pé na Nova Economia, sob o risco de ficar para trás da concorrência ? mesmo que, para isso, aceitassem projetos sem grande consistência. Agora, a situação está invertida. Quem esperou está colhendo bons frutos.

 

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Dono de uma companhia rentável: Azevedo escolheu o sócio entre 20 bancos. Ficou com o JP Morgan

 

Ao ser criada, a Invent esperava chegar ao final de 2000 com cerca de 10 empresas pontocom, que consumiriam boa parte dos R$ 40 milhões reservados para investimentos na rede. Com a derrocada da Nasdaq, tirou o pé do acelerador. ?Estávamos com oito projetos com papel assinado?, diz Roberto Waddington, presidente da Invent. ?Exercemos nosso direito de não continuar.? Waddington não revela números, mas diz que perdeu 5% do que havia desembolsado até então. ?Ou melhor, ganhei 95% do que seria investido no total?, diz ele. Em dezembro do ano passado, a Invent só havia entrado em quatro empreendimentos, os sites Mundo Mídia, Olé, Via Global e Central de Desejo. Juntos, esses investimentos consumiram R$ 9 milhões. O desembarque dos demais projetos só foi possível graças a uma política de cautela adotada em relação aos empreendimentos. Por exemplo: o dinheiro é liberado em etapas, vinculadas ao cumprimento de metas. Caso haja algum tropeço, a Invent pode desistir do negócio. Outro ponto da política cautelosa: Waddington contrata a Kroll, considerada a melhor empresa de investigações do mundo, para fazer um relatório sobre o futuro sócio. Para evitar constrangimentos, entrega um calhamaço com informações sobre ele próprio, também preparado pela Kroll. ?Se vamos ser sócios, temos de ser transparentes?, diz ele. Passado o momento mais crítico da crise pontocom, a Invent está partindo para as compras. Recentemente, o site Olé, voltado para esportes, adquiriu um concorrente, o Seutime.com. ?Ao mesmo tempo, crescemos e tiramos um concorrente da jogada?, afirma Waddington. Há um outro negócio nesse mesmo setor prestes a sair do forno, que Waddington não revela.

São oportunidades típicas que surgiram a partir da queda da Nasdaq. ?As empresas jovens, mesmo com potencial, chegaram a uma encruzilhada?, diz Laskowsky, da A. T. Kearney. ?Ou entravam num estado vegetativo ou cresciam. E, para crescer, precisavam de dinheiro.? A Tesla, produtora de sites de São Paulo, é um caso clássico. Criada por três sócios em 1995, com apenas US$ 2 mil para a aquisição de um notebook, ela se especializou na integração de sistemas e na criação de páginas para a Web. ?Nunca tivemos prejuízo e sempre prevemos um bom desempenho, já que as empresas da Velha Economia precisavam de quem fizesse esse trabalho?, explica o co-presidente Carlos Vicente de Azevedo. A companhia sempre foi assediada por bancos, mas somente agora aceitou um parceiro. ?As encomendas cresceram muito e, como não tínhamos dinheiro para bancar o avanço, aceitamos um sócio?, afirma Azevedo. Donos de uma companhia que dobrou seu faturamento entre 1999 e 2000, para US$ 3 milhões, os fundadores deram-se ao luxo de escolher o sócio. Cerca de 20 bancos foram peneirados. O eleito foi o norte-americano JP Morgan. O montante, porém, foi mantido em segredo. ?Vamos utilizar os recursos para ampliar nossa área de atuação. Abriremos filiais no Rio de Janeiro e Brasília até o final do ano?, diz Azevedo. Com clientes como Unilever, Itáu Seguros e Sé Supermercados, a Tesla terá de triplicar o quadro de 106 funcionários, a fim de bancar a expansão.

Negócios como esses revelam uma das marcas registradas desta nova fase do mundo da Web. ?Isso virou jogo de cachorro grande?, diz Fernando Rodrigues, diretor do Banco Opportunity, um dos ?cachorros grandes? do mundo pontocom. Há cerca de 2 anos, o banco de Daniel Dantas formou um fundo de US$ 100 milhões para participar desse mercado. Já consumiu US$ 50 milhões em cerca de 10 projetos. Outros dois estão engatilhados, segundo Rodrigues ? um de comércio eletrônico, um em telefonia. ?Não há outro caminho senão ganhar escala?, diz ele.

É o mesmo princípio que norteia a Promon IP. Criada em abril de 2000, a empresa quer ser reconhecida ?como uma integradora de soluções nessa área?, nas palavras do diretor-geral Rodrigo Abreu. Segundo ele, existem cerca de 150 companhias disputando esse mercado no Brasil. ?Vão sobrar de 20 a 25 em três anos?, diz. ?Para sermos uma delas, precisamos ganhar músculos.? Daí a fome revelada pela Promon IP em tão pouco tempo de vida. Desde seu nascimento, já incorporou três companhias, a 2PG, a Intex e a Webra. Por conta disso, o quadro de pessoal saltou de 90 para 350 funcionários. A temporada de compras ainda não acabou, garante Abreu. Ou seja, dinheiro para a Internet existe. O que ele quer são projetos consistentes e rentáveis, como o mundo dos negócios exige desde sempre. Talvez a Nova Economia esteja chegando à maturidade.

 

Colaborou Lázló Varga