Como manda a cartilha da conhecida velha política, integrantes da equipe do governo e protagonistas do Congresso querem acelerar a aprovação de projetos considerados prioritários antes das eleições municipais, em novembro. O objetivo é nobre, mas a motivação nem tanto. A ideia, ao que tudo indica, é que os discursos de palanque de candidatos ligados a partidos governistas ganhem mais sustância e, assim, ajudem a ampliar a base de suporte ao Executivo a partir do ano que vem. A corrida contra o relógio tem o apoio declarado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tem a ambição de se reeleger seduzindo, principalmente, apoio da base bolsonarista. “O que poderia ter sido debatido e aprovado ao longo do ano será, agora, feito às pressas para atender aos anseios políticos do Congresso e do presidente”, afirmou o cientista político pela Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando de Souza.

Entre os projetos principais, 11 se destacam. Entre eles estão as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo e dos Fundos Públicos, a Lei de Recuperação Judicial e Falências, Lei do Gás e a autonomia do Banco Central. “O governo Bolsonaro é ineficiente sob o ponto de vista legislativo. Envia projetos de lei, medidas provisórias, edita decretos, mas não tem muita capacidade de aprová-los”, disse Souza.

Essa incapacidade é expressa em números. Nos seus primeiros 600 dias, o governo Bolsonaro enviou 42 propostas legislativas ao Congresso, mas havia conseguido aval para apenas cinco delas. Alem disso, das 11 primeiras medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo Bolsonaro, sete perderam a validade por não terem sido votadas a tempo. “O governo tem certo desinteresse pelas próprias propostas que envia ao Legislativo”, afirmou o especialista da FGV.

Uma das ideias em pautas agrada especialmente ao ministro Paulo Guedes, alvo de fritura pública quase diária por parte do presidente da República. Essa proposta é o projeto de lei que acaba com a preferência da Petrobras no regime de partilha de pré-sal, e a possível privatização da estatal PPSA. O time do governo também pretende acelerar outros dois projetos relativos ao setor elétrico. O primeiro, uma medida provisória que altera regras para reduzir tarifas de energia. O segundo, sobre o marco regulatório que permite, por exemplo, que o cliente possa fazer a portabilidade da conta de luz entre as distribuidoras de energia. Há também um projeto de lei que trata do incentivo à navegação de cabotagem e o Marco Legal das Ferrovias.

Uma preocupação que alimenta a pressa na aprovação dos projetos é o crescente desgaste entre Bolsonaro e Guedes. Alguns parlamentares temem que a desidratação do poder do superministro prejudique alguns projetos liberais no campo econômico, entre eles pautas como as reformas tributária e administrativa. “Queremos muito que o governo preserve as ideia que o elegeu, de um estado mais eficiente e liberal”, afirmou o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ). “O governo perdeu nomes importantes, Paulo Uebel e Salim Mattar, e esperamos não perder o Paulo Guedes e o Waldery (Rodrigues, secretário especial de Fazenda), que são nomes importantes.”

Renda Brasil: nem começou e já acabou

Em tom de chilique, o presidente Jair Bolsonaro colocou uma pedra sobre o programa Renda Brasil, uma nova roupagem do Bolsa Família de governos petistas. Em vídeo transmitido na internet, Bolsonaro mandou “enterrar” o programa e desautorizou integrantes da equipe econômica a pronunciar o nome da iniciativa que ele, semanas atrás, celebrou. O recado foi disparado após o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, ter concedido entrevista sobre o tema e confirmado a ideia de congelar os benefícios previdenciários por dois anos, especialmente aposentadorias, pensões, auxílio doença e salário-família.

A nova discordância entre o Ministério da Economia e Bolsonaro ganhou ressonância depois de as propostas terem sido consideradas impopulares demais. “Sobre o Renda Brasil, eu falei ontem que está suspenso. Vamos voltar a conversar. A proposta que chegou para mim não irá para o Parlamento. Não podemos tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Não podemos fazer isso”, afirmou Bolsonaro no vídeo, visivelmente contrariado. Mesmo com suspensão, horas depois o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento da União para 2021, disse que foi autorizado pelo presidente a incluir despesas com um novo programa social em seu relatório. A fala colocou em dúvida a, até então, morte do Renda Brasil.