A quebra no monopólio da Petrobras no setor de exploração e produção de petróleo (E&P) está provocando uma revolução nas costas brasileiras. Os dois leilões de concessões de áreas para exploração de petróleo, patrocinados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), e o programa de parceria com a Petrobras já atraíram 35 empresas, sendo 28 estrangeiras. Uma terceira licitação está marcada para meados de 2001. Além disso, em agosto vence o prazo de três anos do primeiro lote de concessões. Resultado: o Brasil entrará em uma fase de investimentos sem precedentes no setor de exploração e produção de petróleo. A Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) calcula que serão gastos R$ 100 bilhões entre 2001 e 2010. Nunca, desde a criação da Petrobras, o setor apresenta tantas e tão promissoras perspectivas quanto para 2001.

O principal ingrediente dessa onda de otimismo é o terceiro leilão da ANP, que promete ser ainda mais bem-sucedido do que os dois anteriores. Um indicador: no início de dezembro, David Zylbersztajn, diretor geral da Agência Nacional de Petróleo, encerrou o road show da terceira rodada em seis países: Brasil, Austrália, Cingapura, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. ?Foi um sucesso. Só em Houston, no Texas, 200 executivos participaram do encontro?, conta Zylbersztajn. Ano passado, o evento da segunda rodada na mesma cidade atraiu 116 pessoas.

O interesse aumentou em função da quantidade e dos tamanhos das concessões. A ANP oferecerá 53 áreas, contra 27 do primeiro leilão e 23 do segundo. A extensão média é de 1.695 quilômetros quadrados, contra 4.895 km2 da anterior e 2.577 km2 da primeira. Outro ponto favorável é o maior volume de dados sísmicos já disponíveis para o setor ? informações fundamentais para atrair o interesse dos participantes que, assim, pagariam mais por lote. ?Dados não oficiais mostram que dois terços dos navios sísmicos do mundo estão no Brasil?, diz Henri Philippe Reichstul, presidente da Petrobras.

O novo leilão deverá confirmar o interesse das gigantes do setor, como Repsol-YFP, Esso-Mobil, Shell e BP Amoco. ?As grandes empresas continuarão investindo forte. Elas disputarão áreas próximas às quais já possuem concessões. Assim, podem reduzir os custos de logística?, afirma Carlos Eduardo Weight, analista da Consultoria Internacional de Petróleo e Gás Expetro. A Texaco, em processo de fusão com a Chevron, é uma que vai chegar com força total. Antes da união com a concorrente, ela já contava com sete blocos. As duas empresas têm hoje 11 áreas. ?Nós da Texaco estamos preparados para participar da terceira rodada?, afirma Antônio Pinho, vice-presidente de exploração e produção da Texaco Brasil.

A multiplicação de blocos vai facilitar, na opinião de analistas, a entrada das chamadas empresas independentes. São grupos que atuam exclusivamente no segmento de exploração e produção. Há centenas deles espalhados pelos Estados Unidos e Inglaterra, que ainda não fincaram suas bandeiras aqui. Alguns analistas arriscam nomes, como Occidental, Marathon e Koch. As três poderão seguir o caminho da também americana Santa Fé. A petrolífera chegou ao País, em 1998, com uma parceria com a Petrobras em quatro projetos. Este ano, levou, junto com a SK Corporation e a Odebrecht, a área 8 da Bacia de Campos, no segundo leilão. Ceci Leonard, presidente da empresa no Brasil, já se prepara para a terceira rodada. ?Estamos interessados. Vamos entrar com um parceiro?, afirma ela. Em dois anos de trabalho no Brasil, a Santa Fé se tornou a primeira empresa estrangeira a produzir petróleo offshore (marítima) no Brasil. Dois poços na bacia de Caraúna, no Rio Grande do Norte, são responsáveis por mil barris por dia. Até março de 2001, a empresa quer triplicar essa marca com a perfuração de outros dois poços. A operação ainda dá prejuízo. ?O lucro só virá com uma produção de seis mil barris por dia. Mas isso só deve acontecer depois de 2002?, diz Ceci.

Outra estrangeira, a Union Pacific Resources (UPR), também deve investir pesado na terceira rodada. Em julho, a empresa uniu-se à Anadarko, um das maiores companhias independentes do mundo. Só a Anadarko tem um orçamento mundial de US$ 1,5 bilhão. ?Agora, com a fusão, é um mundo novo. Devemos participar do leilão sem parcerias?, diz James Harvick, gerente de operações da UPR Petróleo Brasil.

Grandes e pequenas empresas brasileiras também estão confirmando presença no terceiro leilão. A Odebrecht Óleo & Gás já investiu US$ 15 milhões em oito concessões. ?Vamos estar na próxima rodada. O mercado brasileiro é muito promissor pela suas reservas e pelo mercado consumidor?, diz Roberto Ramos, diretor-superintendente da Odebrecht Óleo & Gás. Criado em agosto de 2000, o braço petrolífero do conglomerado baiano tem planos que vão além das nossas costas. Em cinco anos, a meta é chegar a 200 milhões de barris em reserva, produzir entre 30 mil e 40 mil barris/dia e expandir suas atividades para Angola. O petróleo da Odebrecht começa a jorrar provavelmente em 2003.

Se de um lado a ANP licitará novas áreas, na outra ponta as concessões de três anos vencerão em agosto de 2001. Nesses casos, estão contratos exclusivos da Petrobras e outros da estatal em parcerias com empresas privadas, que envolvem cerca de 70 blocos. Até lá, as petrolíferas terão que definir se desejam ou não continuar explorando as áreas. Isso significa que haverá uma intensa atividade de perfuração de poços nos primeiros sete meses do ano. ?O resultado das perfurações definirá quais campos são economicamente viáveis?, explica o consultor e advogado Jean-Paul Prates do escritório Prates & Carneiro Advogados, que assessora algumas das grandes operadoras estrangeiras. Essa atividade vai se traduzir em muito dinheiro. ?Só os investimentos das empresas parceiras deverão ser de US$ 550 milhões até agosto?, afirma Dirceu Abrahão, gerente geral de novos negócios da Petrobras.

O desembarque de novas empresas é intenso, fruto da abertura de mercado. A Petrobras e a ANP, no entanto, continuarão dando as cartas. ?Vamos investir US$ 5 bilhões em E&P e refino em 2001?, anuncia Reichstul. A estatal acaba de passar por uma reestruturação interna. Sua organização utilizará o conceito de unidades de negócio. Cada gerente cuidará de um grupo de ativos ou de apenas um, dependendo do seu tamanho. Grandes campos como o de Marlin, por exemplo, terá um gerente exclusivo. Durante a reestruturação foi desenvolvido um sistema de pontuação que vai avaliar o desempenho dos gerentes em diversas áreas, como o financeiro e preservação do meio ambiente. ?Vai ter mais negócios e mais autonomia?, afirma Reichstul.

?Mais negócios? pode ser traduzido por mais parcerias. A Petrobras, cada vez mais, vai usar os seus ativos no Brasil para conquistar parte do filé mignon de outras áreas produtoras no mundo. O Golfo do México e o Oeste da África (Nigéria e Angola) foram eleitas como regiões de interesse. Ou seja, a empresa que tiver ativos nessas duas áreas terão mais chances de se tornarem sócias da estatal. ?Isso vai ajudar na escolha?, diz Reichstul. A Petrobras também aumentará a oferta de campos maduros. Este ano, a estatal organizou a primeira licitação com 73 unidades. São operações pequenas que não interessam à gigante brasileira, mas seriam rentáveis para companhias de porte menor. As áreas têm capacidade média de produção de 41 barris/dia de óleo e 2,2 mil metros cúbicos de gás/dia, que atraíram a atenção de 66 empresas. Dez não foram habilitadas pela ANP. As outras estão em fase de estudos para fazer os lances. O resultado sai ainda no primeiro trimestre de 2001. Esse mercado cria oportunidades de negócio sobretudo para as pequenas empresas. Fundada há cerca de um ano por ex-funcionários da Petrobras, a Starfish é um exemplo. A companhia possui participação de 7,5% em três blocos nos quais a Petrobras é operadora e quer ampliar sua atuação se capitalizando no mercado. ?Estamos estudando a terceira rodada e os campos maduros da Petrobras. Nosso objetivo é captar recursos com ações ordinárias no novo mercado da Bovespa?, afirma Wagner Freire, presidente da Starfish.

Essas promessas de investimentos no setor despertaram a atenção de fornecedoras internacionais. ?A maioria está atrás de parceiros locais para reduzir os seus custos?, informa Eduardo Rappel, presidente da Onip. Desde agosto, a Onip desenvolve um programa para aproximar empresas estrangeiras das brasileiras. Já existem cerca de 200 empresas nacionais e 22 multinacionais cadastradas. A Orteng, fabricante de painéis de controle, e a americana CCC estão criando uma subsidiária em Macaé, interior do Rio. A Valcont, do segmento de válvulas, fechou acordo com as italianas Lame e Sferova. A Rolls Royce, que produz equipamentos de embarcações, vai escolher uma parceria entre cinco candidatas. Rappel prevê mais negócios nos próximos doze meses. ?Esperamos, pelo menos, mais 50 empresas estrangeiras e dez novos acordos?.