(Corrige 10º parágrafo para esclarecer que a GreenYellow não é mais controlada pelo Casino)

Por Letícia Fucuchima

SÃO PAULO (Reuters) – Empresas de energia solar têm buscado arrendar terras rurais, muitas delas agricultáveis, para implantar suas usinas de geração fotovoltaica, criando nova oportunidade de renda para as fazendas brasileiras, que podem obter uma remuneração estável, de longo prazo, e até superior à obtida com cultivos em alguns casos.

O mercado de arrendamento de terras agrícolas para empreendimentos solares já existe há algum tempo no Brasil, mas deve ganhar tração com o crescimento acelerado dessa fonte de energia no país, que no campo permite uma renda extra a agricultores e pecuaristas.

Segundo especialistas, não há competição de área entre geração solar e os cultivos. Ao contrário, os negócios são complementares. E, quando efetivamente há um consórcio, são chamados de “agrivoltaics”.

Nos últimos anos, a geração distribuída –modalidade que envolve usinas menores, de até 5 megawatts– tem impulsionado os arrendamentos, normalmente de 10 a 20 hectares, que nesse caso são mais interessantes ao gerador do que a compra do terreno.

O modelo de arrendamento de terras para a solar, já praticado há vários anos por geradores de energia eólica no Nordeste, tem tido boa aceitação entre produtores agrícolas, afirmam empresas que operam nessa lógica, como Órigo Energia, GreenYellow, Sun Mobi e Apolo Renováveis.

Segundo as elétricas, um dos principais benefícios apontados pelos produtores é a estabilidade na remuneração, o que ajuda na gestão de fluxo de caixa entre safras e na garantia de recursos para custear outros cultivos.

“O valor do arrendamento para o solar é maior do que (o que se obtém com) a maioria das culturas em alguns Estados, isso atrai hoje o olhar do agricultor de pequeno e médio porte. E o grande produtor, que geralmente vai arrendar 5% ou 10% da fazenda para usina solar, ele busca uma receita que dê cobertura para os custos fixos”, explica Felipe Falcão, responsável pelo desenvolvimento de geração distribuída da Apolo Renováveis.

A Apolo Renováveis já tem cerca de 80 megawatts-pico em usinas de geração distribuída solar em desenvolvimento e deu início a uma nova carteira de projetos, que serão conduzidos no âmbito de uma parceria com a Omega Energia, disse Falcão.

Para esse segundo portfólio, o grupo está procurando 500 terrenos em quatro Estados –São Paulo, Goiás, Bahia e Pernambuco– para arrendamento. O objetivo é contratar áreas que totalizem entre 5 mil e 10 mil hectares até julho de 2023, pagando aos donos das terras valores mensais entre 5 mil a 22 mil reais.

Outra empresa que aluga terras agrícolas para suas usinas é a GreenYellow, empresa que era controlada pelo grupo francês Casino e agora tem a Ardian como principal acionista.

Com um portfólio de quase 200 MWp em usinas solares no Brasil, a GreenYellow possui contratos de direito de superfície assinados com 68 proprietários diferentes em todo o país.

“Sabemos que com relação a certas culturas não podemos competir em relação a valor. Porém, mesmo assim, há proprietários que preferem fechar com a gente do que ficar à mercê dos riscos da plantação”, afirma Marcelo Xavier, diretor-presidente da GreenYellow no Brasil.

Além da remuneração, outro atrativo está associado à questão de segurança das fazendas, já que a implantação de um projeto solar exige o monitoramento do terreno através de câmeras e outras formas de segurança do patrimônio, observou Guilherme Susteras, sócio da Sun Mobi, empresa com usinas no Estado de São Paulo.

Ele destaca ainda que o arrendamento para a energia solar pode ser uma forma de o agricultor aproveitar terrenos menos propícios ao cultivo agrícola ou onde ele é dificultado.

“Temos de tudo (entre os arrendatários)… até o cara que tem uma super fazenda, com gado, compostagem de lixo, plantação de soja. Ele tem um pedacinho de terra com um riacho passando no meio, dividia em duas subáreas, então ele preferiu arrendar para a fotovoltaica porque dava menos trabalho do que fazer algo para plantar coisa ali”, exemplifica.

Já a Órigo Energia, que tem 100 terras alugadas sob contratos de 30 anos no Sudeste e Nordeste, aponta que o arrendamento para a solar também é uma opção para que os proprietários complementarem a aposentaria ou a herança de seus herdeiros.

“Em muitos casos, evita-se o êxodo rural de famílias já desgastadas com as tentativas de produzir de maneira eficiente naquelas terras”, disse a empresa, que tem entre seus investidores a norte-americana Augment, o fundo TPG ART, a MOV Investimentos e a Mitsui.

“AGRIVOLTAICS”

Apesar de poder ser atrativa, a energia solar não deve concorrer em área com outros produtos agrícolas, na visão de Maciel Silva, diretor técnico adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Ele afirma que, mesmo no caso dos grandes empreendimentos solares, que às vezes também recorrem a arrendamentos, as áreas são inferiores às utilizadas para o cultivo agro.

“É difícil dar um cenário de perspectiva, porque não depende muito do produtor, ele é demandado nessa circunstância, não é uma iniciativa proativa dele (fazer o arrendamento)… O cenário depende muito de algumas questões, inclusive da demanda por essas fontes de energia”.

Camila Ramos, vice-presidente da associação Absolar, afirma que o cultivo agrícola e a solar podem conviver e gerar novas oportunidades de negócio aos produtores sob o que se chama de “agrivoltaics”.

Segundo ela, em algumas partes da Europa, as fazendas começam a aproveitar as usinas solares arrendadas para implantar cultivos associados a elas, por exemplo, cultivando frutas vermelhas abaixo dos painéis solares.

“Essas ‘berries’ precisam ser cultivadas em estufas. Em vez de construir uma estufa, ele faz esse telhado de painel solar, aí ele tem uma receita de geração de energia e mais uma infraestrutura para a produção agrícola”.

AGRO CONSUMIDOR

Além do arrendamento de terras, o agronegócio também tem crescido como uma importante classe consumidora de energia proveniente de usinas solares.

Segundo dados da Absolar, a geração distribuída para a classe rural alcançou pouco mais de 2 GW de potência em outubro deste ano, somando cerca de 112 mil sistemas de geração. Para se ter uma ideia do ritmo de crescimento, há quatro anos, a potência na classe rural somava apenas 47 MW, e havia menos de 3 mil sistemas.

Segundo Silva, da CNA, o interesse dos produtores agrícolas na energia solar vem devido à alta das tarifas no mercado regulado e também à maior qualidade do fornecimento de energia por parte desses sistemas de geração.

“(O crescimento da solar) é muito positivo do ponto de vista econômico e também ambiental… é uma tecnologia democrática”, acrescentou Silva, lembrando que há várias linhas de financiamento, inclusive do Plano Safra, pra quem deseja instalar usinas solares próprias.

(Por Letícia Fucuchima)

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