BRASÍLIA (Reuters) – A postergação do pagamento de precatórios pela imposição de um teto anual para essa conta fará com que as volumosas obrigações não pagas sejam corrigidas pela Selic à frente, com potencial impacto bilionário para as contas públicas.

O movimento, que constitui um pilar fundamental da PEC dos Precatórios, vai na contramão de estratégia adotada pelo Tesouro há poucos anos de antecipar em alguns meses, dentro de um mesmo exercício, o pagamento das derrotas definitivas sofridas pela União na Justiça mirando economizar com juros de correção monetária.

Para 2022, a conta total de precatórios é de 89,1 bilhões de reais. Ao limitar o espaço para quitar essa rubrica no ano que vem ao montante de precatórios de 2016 corrigido pela inflação, a PEC dos Precatórios reduzirá a fatura a 44,5 bilhões de reais.

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Os 44,6 bilhões de reais restantes serão jogados para 2023, ano que também será afetado pelos novos precatórios que ainda serão inscritos. Considerando uma Selic média de 7,85% em 2022, que consta na última grade de parâmetros do Ministério da Economia, a manobra fará com que os precatórios não pagos precisem ser corrigidos em 3,5 bilhões de reais.

O valor supera, por exemplo, os 3 bilhões de reais previstos no projeto de lei orçamentária de 2022 para o Programa Médicos pelo Brasil, que busca garantir atendimento em regiões onde há escassez desses profissionais através da formação e provisão de médicos para a atenção primária à saúde.

A conta da correção deverá ser ainda maior, já que a estimativa para a Selic, extraída pelo Ministério da Economia em setembro do boletim Focus, ainda não incorporava a aceleração da inflação com maior ímpeto e a consequente indicação do Banco Central da necessidade de um ciclo de aperto monetário mais duro.

À época, a Selic considerada pelos agentes econômicos para o fim de 2022 era de 7,65%. A taxa atual, de 7,75%, já supera esse patamar, e a perspectiva é de que feche 2022 em 11,00%, conforme pesquisa Focus mais recente.

Quanto mais alta a taxa básica de juros, maior será a necessidade de correção para os precatórios não pagos.

Em condição de anonimato, uma fonte do Ministério da Economia reforçou que os juros dessa correção são despesas primárias e fazem parte dos custos dos precatórios, razão pela qual o Tesouro buscava antecipar em alguns meses esse pagamento quando tinha caixa.

A antecipação foi publicamente perseguida na gestão da ex-secretária Ana Paula Vescovi, que assumiu o comando do Tesouro no governo do ex-presidente Michel Temer.

Atual diretora de Macroeconomia do Santander, Vescovi disse à Reuters que, para além dos encargos com correção, a PEC traz “grande prejuízo” para o país pelo fato de jogar para o futuro o pagamento de uma dívida líquida e certa, num país em que o Judiciário já é reconhecido por contar com várias instâncias recursais.

“O quanto foi acumulado de precatórios não pagos não é contabilizado nem como déficit e nem como dívida. De novo é uma acumulação de esqueletos, é um retrocesso em termos de transparência das contas públicas”, afirmou.

COMPENSAÇÕES

Para evitar a formação de um estoque impagável de precatórios, governo e parlamentares buscaram assegurar na PEC saídas para os precatórios não pagos, incluindo no texto a possibilidade de encontro de contas: contribuintes, Estados e municípios que tenham direto a precatórios poderão usá-los, por exemplo, para quitar obrigações que tenham com a União no âmbito da dívida ativa.

Outra possibilidade será o recebimento pelos credores, no exercício seguinte, do valor devido, desde que aceitem um desconto de 40% nesse pagamento.

Mas uma segunda fonte do governo ponderou que não é possível quantificar em que medida essas alternativas serão de fato utilizadas e qual será o impacto, portanto, sobre o volume de precatórios a sofrerem correção.

Vescovi elogiou o processo negocial que poderá ser aberto pelo encontro de contas e o fato de a PEC adotar o reajuste dos precatórios pela Selic, ante quadro atual em que a correção depende da natureza do precatório, podendo ser Selic ou IPCA mais 6% ao ano.

Ela pontuou que isso associa a atualização dos valores ao custo de captação do Tesouro, o que é positivo por compatibilizar todas as formas de tratamento da União em relação a seus credores e devedores.

Mas Vescovi frisou que a postergação dos pagamentos via PEC machuca a credibilidade e a percepção de segurança jurídica do país.

“A União tem muitas chances, até chegar em última instância, para recorrer, para se defender”, afirmou ela. “Sem dizer que a gente pode acumular valores altos para o futuro e isso vai cair no colo de alguém. Isso é postergação de pagamentos, obviamente.”

A PEC dos Precatórios ainda precisa ser votada em segundo turno pela Câmara dos Deputados para depois ser analisada, também em dois turnos, pelos senadores. Nas duas Casas, a proposta precisa da aprovação de pelo menos três quintos dos parlamentares.