Durante muitos anos, talvez décadas, a Natura produziu boas notícias. Fundada em 1969 como uma pequena fábrica de cosméticos no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, a empresa se tornou uma das admiradas do País por sua pegada sustentável e os seus produtos que valorizam a floresta amazônica. Os resultados corroboravam para a boa imagem que a empresa sustentava. Aí veio a crise. A mesma fórmula que dava certo começou a não funcionar mais. Seu modelo de negócio, baseado quase que exclusivamente na venda direta, passou a ser questionado por especialistas e analistas de mercado, que viam concorrentes aliando o porta a porta com as vendas no varejo tradicional.

No ano passado, a empresa passou a abrir suas lojas próprias, mas de maneira tímida: foram apenas dez em um ano. Como comparação, o rival O Boticário inaugurou cem no mesmo período. Essa letargia da Natura no varejo tradicional pode estar com dias contados. Na semana passada, a companhia anunciou que está na disputa com fundos internacionais para comprar a operação global da marca britânica The Body Shop, controlada pela francesa L’Oréal, que possui mais de três mil lojas. No Brasil, são 119 unidades, doze vezes o atual número da Natura.

DIN1016-natura3A união faz todo o sentido, na visão de especialistas. Ambas se consolidaram como marcas amigas da natureza – uma relação que atualmente vale ouro no mundo dos negócios. A The Body Shop surgiu na Inglaterra, em 1976, empunhando bandeiras sociais como o fim dos testes de cosméticos em animais. Trinta anos depois, a marca britânica acabou sendo incorporada pela gigante francesa L’Oréal por US$ 1,1 bilhão. “O discurso de ambas é convergente e as duas marcas são muito fortes”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. “A possível aquisição da The Body Shop seria uma volta da ousadia da empresa, que o mercado tanto pedia.”

Foi essa falta de ousadia que teria feito a empresa trocar duas vezes de presidente nos últimos três anos. Em 2014, saiu Alessandro Carlucci para a entrada de Roberto Lima, ex-presidente da Vivo. Dois anos mais tarde, Lima renunciou para a promoção de João Paulo Ferreira, então vice-presidente comercial. Desde então, a Natura vem tentando converter sua boa reputação em valorização da empresa. Sem sucesso. Enquanto suas vendas subiram de R$ 7 bilhões, em 2013, para R$ 7,9 bilhões, em 2016, no mesmo período seu valor de mercado despencou de R$ 25,6 bilhões para
R$ 12,9 bilhões.

Para especialistas, crescimentos tímidos, especialmente causados pela crise, além da lentidão para avançar em vendas em lojas físicas e na internet, jogavam contra a Natura. O receio da empresa em melindrar suas consultoras fez a Natura parar no tempo, de acordo com analistas de mercado. Da mesma forma, a The Body Shop não passa por um momento tranquilo. Sua receita no ano passado caiu 4,9%, a € 920,8 milhões. Nos últimos quatro anos, a sua margem Ebit (lucro antes de juros e impostos) caiu mais que a metade: foi de 8,6% para 3,7%. Isso, inclusive, afetou os planos de expansão da marca.

DIN1016-natura4Somente no Brasil, a meta da The Body Shop de abrir 500 lojas até 2019 foi trocada por um número bem mais modesto: 230 unidades, até 2023. Para o analista Elton Morimitsu, da Euromonitor, a Natura terá muito trabalho caso o negócio seja concretizado. “A The Body Shop vem sendo impactada negativamente e um dos desafios da Natura seria promover uma guinada nas operações da varejista, segmento em que ela não tem expertise”, diz ele. Um ponto positivo visto pelo mercado é o trabalho feito pela Natura com a marca australiana Aesop, de cosméticos mais refinados, adquirida em 2012. De 2013 a 2016, o faturamento da grife subiu 320%, a R$ 580 milhões.

A The Body Shop está sendo avaliada em cerca dc US$ 900 milhões. Segundo relatório do Itaú BBA, assinado pelo analista Thiago Macruz, a Natura precisaria fazer uma nova oferta de ações para ter dinheiro suficiente para fechar o negócio. Caso a aquisição seja concretizada, as vendas da Natura aumentarão em 37%, de acordo com os cálculos do analista Alexander Robarts, do Citi. Mais: 33% das suas vendas passariam a vir do varejo físico, ante os atuais 10%. “Além disso, seria uma forma de ter uma marca forte e que não concorreria diretamente com as suas consultoras”, afirma Tozzi, da AGR. Procuradas pela reportagem, a Natura , a The Body Shop e a L’Oréal não concederam
entrevista.