Com menos de 400 mortes por milhão de habitantes, Minas Gerais tem o melhor desempenho na comparação entre os Estados do Brasil. Embora questionem a qualidade dos dados locais, especialistas avaliam que a adesão satisfatória ao isolamento e a aplicação de multa para quem anda sem máscara em Belo Horizonte estão entre os fatores que evitaram mais vítimas do coronavírus. O que não significa dizer que Minas viva a pandemia sem sofrimento.

Para evitar a propagação do vírus, ainda hoje há pessoas “ilhadas” e sem contato nem com parentes. É o caso de um abrigo de idosos em Carmo do Cajuru, cidade de aproximadamente 24 mil habitantes que registrou três mortes e dois surtos de covid-19 – um em abril e outro em agosto. Com 49 internos de 48 a 90 anos, o local continua em isolamento há cinco meses. Um tapume posto na entrada parece lacrar o espaço. Lá só entram médicos, cuidadores e pessoal de limpeza.

No primeiro surto, quando aconteceram as três mortes, todos os funcionários tiveram de ficar trancados – foram 34 dias de confinamento. Hoje, mesmo com a situação considerada sob controle, ainda não há prazo para que os internos possam voltar a ver os familiares. “Eles sentem mais falta das atividades suspensas, como a missa e o forró”, conta Juliana Paula Esteves, diretora de Vigilância em Saúde de Carmo do Cajuru.

“O que me deixou preocupada não foi pegar a doença, mas a possibilidade de transmitir para um idoso acamado, o que poderia significar mais mortes. Não quis nem contar para eles”, diz a cuidadora Poliana Lopes Barbosa, de 34 anos, que contraiu covid em agosto, cumpriu a quarentena em casa e voltou a trabalhar. Colega dela, o enfermeiro Pedro Victor de Carvalho, de 23 anos, afirma sentir-se seguro com os equipamentos de proteção disponíveis. “Mas se fosse pelos meus pais, eu não estaria aqui”, admite.

Na semana passada, Minas ultrapassou a marca de 300 mil casos confirmados e mais de 7,4 mil mortes por coronavírus – número mais de 30 vezes superior ao da tragédia de Brumadinho. Para o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, impedir a transmissão do vírus é difícil, mas, ao contrário de outras unidades da Federação, o Estado conseguiu “evitar uma explosão de casos”.

Alta adesão

Na visão de Amaral, a taxa de óbitos mais baixa do País está relacionada principalmente à adesão da população ao “isolamento social precoce”. Nas primeiras semanas de medição, em março, o índice chegou a 60%. “Estudos apontam que esse porcentual é suficiente para evitar a explosão de casos, mas não a transmissão”, acrescenta o secretário. “Isso freou o vírus e nos deu tempo para preparar o sistema de saúde. Em julho, quando os casos aumentaram, a rede de atendimento já estava preparada.”

Segundo pesquisadores, o resultado de Belo Horizonte também tem forte impacto no balanço do Estado. Na capital, o uso de máscara de proteção é visto pela prefeitura como um dos principais trunfos – desde julho, quem for flagrado com nariz e boca descobertos está sujeito a multa de R$ 100. “Houve uma adesão importante após a multa. As pessoas foram se acostumando e, hoje, o uso de máscara na cidade é um hábito”, avalia Taciana Malheiros, subsecretária de Atenção à Saúde.

Medidas de distanciamento social, que entraram em vigor no dia 20 de março, também teriam sido fundamentais, segundo Taciana. “Ajudou a evitar a propagação do vírus enquanto preparávamos o sistema de saúde. Com isso, entre março e hoje, saímos de 101 leitos de UTI, voltados para doenças respiratórias, para 424”, diz. Atualmente, a taxa de isolamento oscila entre 43% e 45% ao longo da semana e vai a 50% aos domingos.

Outra aposta de Belo Horizonte foi conter a doença entre a população de rua e em abrigos para idosos, com esquema de transferência de casos suspeitos para área isoladas . Para moradores de vilas e favelas, foram distribuídos 2 milhões de equipamentos de proteção. De acordo com a subsecretária, 70% dos pacientes receberam ao menos atendimento inicial nos postos de saúde da prefeitura.

Problema persiste

Professor titular de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o infectologista Geraldo Cunha Cury diz que a relação de óbitos por milhão de habitantes é a forma mais adequada de avaliar o avanço da doença, mas pondera que o resultado não significa que o problema foi superado. “Minas está em situação melhor que outros Estados, mas não há situação confortável em um cenário de pandemia”, pontua. Para Cury, os cuidados precisam melhorar em cidades mais distantes como Uberlândia e Montes Claros.

Pesquisadores também contestam a qualidade dos dados de Minas. O epidemiologista Wildo de Araújo, da Universidade de Brasília (UnB), lembra que a região sul é um tipo de Estado, mas no norte as diferenças são muito intensas. Em São Paulo, o professor Paulo Lotufo, da Medicina da Universidade de São Paulo (USP), diz que a falta de testes também pode ser responsável por puxar as notificações para baixo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.