Cientistas brasileiros e americanos criaram um coquetel com anticorpos monoclonais (produzidos em laboratório) que, em testes com macacos, conseguiram impedir em até 100% a replicação do vírus zika.

O coquetel deve estar pronto para ser comercializado em larga escala daqui dois a três anos, muito provavelmente antes que seja criada uma vacina contra o zika. Os próximos passos serão a administração do coquetel em primatas gestantes e, na fase seguinte, em humanos.

O tratamento foi criado durante pesquisa liderada por cientistas americanos em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e com a Universidade de São Paulo (USP) e divulgada em artigo publicado nesta quarta-feira, 4, pela revista científica Science Translational Medicine.

“O método é altamente promissor para a prevenção de más-formações congênitas e efeitos adversos em olhos e membros, uma vez que o coquetel de anticorpos monoclonais poderia ser administrado em gestantes e prevenir a infecção do feto”, afirmou o imunologista David Watkins, da Universidade de Miami, líder do estudo.

“O trabalho apresenta um importante passo para o desenvolvimento de uma terapia de ação preventiva contra o zika”, completou Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC e também autora do estudo.

Para identificar os anticorpos com maior potencial contra o zika, primeiro foi coletado sangue de um indivíduo na fase aguda da doença. Células produtoras de anticorpos foram identificadas e delas foram extraídos, isolados e purificados 91 anticorpos. Durante testes in vitro foram selecionados os três que apresentaram as mais altas taxas de neutralização do vírus: os anticorpos monoclonais chamados SMZAb1, SMZAb2 e SMZAb5.

Esses anticorpos foram administrados em um grupo de quatro macacos Rhesus. No dia seguinte, os quatro primatas foram inoculados com o vírus zika isolado em 2016, por Myrna e sua equipe, de uma paciente do Rio de Janeiro.

“Para este estudo, utilizamos o vírus que estava circulando no continente e causando uma emergência sanitária internacional. Este fato dá mais precisão aos resultados”, afirmou Watkins.

Para comparação, outros quatro animais receberam a inoculação do vírus após a administração de um placebo, com outros anticorpos que não têm ação contra o zika.

Para acompanhar o impacto dos anticorpos durante os testes, amostras de sangue dos primatas foram coletadas aos 2, 3, 7, 14 e 21 dias após a infecção e submetidas à técnica de RT-PCR em tempo real, capaz de detectar e quantificar o material genético do vírus presente nas amostras. Os resultados evidenciaram que os anticorpos monoclonais específicos para zika foram capazes de evitar, em até 100%, a replicação do vírus nos quatro macacos que receberam o coquetel.

“Enquanto isso, no grupo que recebeu o coquetel placebo, observamos que todos os animais apresentaram alta taxa de infecção por zika.”

Os cientistas também aplicaram testes para detectar a ocorrência de moléculas específicas de defesa do corpo, produzidas em contato com algum tipo de microrganismo invasor. Testes sorológicos, aplicados 14 e 21 dias após a infecção, não evidenciaram no grupo que recebeu os anticorpos contra o zika nenhuma resposta específica contra a proteína NS1, produzida em casos de infecção pelo vírus.

“Se a taxa de produção do antígeno NS1 foi nula, é sinal de que o zika não conseguiu se replicar no organismo e invadir as celular dos animais”, explicou Myrna. “Este resultado evidencia que o zika foi completamente neutralizado pelo coquetel de anticorpos monoclonais. No campo científico, denominamos isso de proteção esterilizante, isto é, quando a resposta imune bloqueia totalmente a infecção pelo patógeno”, completou a imunologista.

Testes adicionais mostraram que os anticorpos monoclonais permaneceram ativos e em altas concentrações por quase seis meses no organismo dos primatas. “O coquetel poderia ser recomendado em casos de surtos da doença a gestantes, profissionais de saúde e demais indivíduos que precisem estar ou ir até as áreas endêmicas”, disse Watkins. “Com uma dose única, esses grupos estariam protegidos contra o zika. Para as mulheres grávidas, a administração do coquetel teria um ganho extra, uma vez que poderiam seguir a gestação de modo tranquilo.”

Já prevendo uma possível ocorrência de reação adversa do sistema imunológico em caso de infecção por dengue, que é da mesma família do zika, os especialistas realizaram modificações na estrutura genética dos anticorpos por pessoas com histórico de infecção por dengue. A descoberta está com pedido de patente depositado nos Estados Unidos.