Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) propôs que os recursos da ordem de R$ 2,5 bilhões previstos no polêmico acordo firmado entre a Força-Tarefa da Lava Jato no Paraná e a Petrobras sejam encaminhados ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A AGU citou “diversas nulidades no acordo”, que é alvo de uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo, sob a relatoria do ministro Alexandre Moraes. O ministro já suspendeu o trato entre procuradores do Paraná e a Petrobras, homologado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, e pediu informações a diversos órgãos.

Além da legalidade do acordo, que é questionada tanto pela PGR quanto pela AGU, a discussão gira em torno da destinação e da gestão do dinheiro envolvido. O acordo original, firmado entre a Petrobras e autoridades dos Estados Unidos, previa que 80% fossem encaminhados a autoridades brasileiras, mas não especificou qual. O Ministério Público Federal e a Petrobras firmaram acordo que criaria um fundo privado com administração de um conselho para administrar os recursos – o que foi questionado pela PGR e também pela Advocacia-Geral.

O advogado-geral da União, André Mendonça, apontou que não há uma norma específica prevendo a destinação de verbas após acordos como o firmado entre a Petrobras e as autoridades dos Estados Unidos. A conclusão dele, após extensa análise, é que a verba deveria ir para o Funpen, considerando que, de acordo com a lei, o fundo é constituído de “recursos confiscados ou provenientes da alienação dos bens perdidos em favor da União”. “Os recursos incorporados ao território nacional por força do acordo estrangeiro deveriam ser vertidos, em regra, ao Tesouro Nacional, sendo possível, pela excepcionalidade da situação, a destinação ao FUNPEN”, disse.

O Fundo Penitenciário Nacional é composto de diversas fontes de recursos, a exemplo de loterias, multas em sentenças criminais, custas judiciais recolhidas em favor da União. A AGU entendeu que os valores envolvidos no acordo se encaixam em uma das hipóteses prevista na lei que trata da composição do Funpen.

A aplicação do fundo deve se ser feita para: construção, reforma e ampliação de unidades penais; formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário; aquisição de material permanente, equipamentos e veículos especializados; formação educacional e cultural dos presos; e programas de assistência jurídica aos presos carentes.

Acordo

Entre os argumentos apresentados, Mendonça disse que os recursos estão relacionados a processos administrativos e cíveis, e não penais. Dessa forma, quem deveria cuidar do tema é a Controladoria-Geral da União (CGU), e não a Força-Tarefa da Lava Jato nem a 13ª Vara Federal de Curitiba. A AGU argumenta que a 13ª vara é “absolutamente incompetente para a homologação de acordo de natureza administrativa ou cível, o que representa o primeiro elemento inconstitucional do acordo impugnado”.

Para justificar a atribuição da CGU, a AGU aponta que o acordo firmado entre Petrobras e Estados Unidos cita que a supervisão do valor pago pela Petrobras às autoridades brasileiras seria realizada por entidades como o Tribunal de Contas da União e a Comissão de Valores Mobiliários. Assim, por “autoridades brasileiras”, deve-se entender a União, e não Ministério Público. “A autoridade brasileira legalmente designada para buscar as compensações devidas em favor da sociedade é a CGU”, diz a Advocacia-Geral da União.

“Percebe-se que o Ministério Público Federal pretendeu substituir-se à autoridade federal que seria legalmente habilitada para representar a União na celebração de acordo apto a cumprir a obrigação da Petrobras perante as autoridades estadunidenses”, afirmou o advogado-geral André Mendonça.

Segundo o advogado-geral, a “reversão dos recursos ao Tesouro Nacional é a solução que melhor reflete a natureza sancionatória da penalidade imposta à Petrobras nos Estados Unidos”. Em um primeiro momento, como não há uma lei que trate diretamente desse tipo de acordo, a AGU cita que uma solução seria considerar a verba como receita normal a ser incorporada ao orçamento da União.

O documento cita que seria possível interpretar como destino dos recursos o Fundo de Direitos Difusos, mas ele estaria sujeito a contingenciamento de verbas. Mas as peculiaridades do caso, segundo André Mendonça, recomendaria o envio ao Fundo Penitenciário Nacional.

Extrapolação

“Os termos do acordo impugnado extrapolam as funções constitucionais e legalmente atribuídas ao Ministério Público. Isso porque, como ressaltado anteriormente, o Ministério Público Federal no Paraná se elegeu, de maneira discricionária, como a autoridade brasileira habilitada a receber e dar destinação os recursos que a Petrobras deveria pagar ao Estado brasileiro, sem nenhum amparo para tal, seja no acordo celebrado, seja em normas do ordenamento jurídico brasileiro”, afirmou a AGU.

Os pedidos finais da AGU são pela nulidade do acordo entre a Força-Tarefa da Lava Jato do Paraná e a Petrobras e pelo reconhecimento de que a sanção aplicada nos Estados Unidos corresponde à multa administrativa prevista na Lei Anticorrupção e que deve ser aplicada pela CGU.

Além disso, pede que seja reconhecido que “diante das peculiaridades do acordo firmado pela Petrobras com autoridades norte-americanas, em especial no que se refere à cláusula de não reversão das penalidades em benefício da Companhia brasileira, é excepcionalmente legítima a destinação fundiária dos valores devidos à União na espécie, mediante aplicação analógica da legislação do Funpen”.

No processo, os procuradores da Lava Jato defenderam a competência para firmar acordo, disseram que a PGR estava ciente e citaram a possibilidade de a Petrobras ser obrigada a “pagar a multa integralmente nos Estados Unidos”.

Na semana passada, a Petrobras defendeu o acordo em manifestação enviada a Moraes. Segundo a estatal, as autoridades norte-americanas tinham total ciência e concordância de que o MPF, há mais de dois anos, atuava com vistas ao repatriamento dos valores decorrentes do acordo com os EUA.

Nesta segunda-feira, Moraes determinou que a Petrobras apresente no prazo máximo de cinco dias cópia das atas das Assembleias Gerais, das Reuniões do Conselho de Administração, das Reuniões de Diretoria, e das Atas e Pareceres do Conselho Fiscal que tenham tratado sobre o acordo com a Lava Jato.

No mesmo despacho, o ministro determinou que a Caixa Econômica Federal apresente no mesmo prazo cópia de todos os memorandos, ofícios e demais comunicações, “inclusive mensagens eletrônicas, enviadas e recebidas”, que tenham embasado a transferência dos valores do acordo à instituição. No último dia 18, a PGR havia pedido justamente que a Caixa informasse o Supremo sobre a transação.